Folha de S. Paulo,
29 de
novembro de 1970
O
otimismo, esse perigo
A
polícia apreendeu, no Ceará, a instrução do PC chinês sobre a estratégia
a ser empregada pelos seus asseclas para infiltrar as instituições
católicas de nosso país.
Como
é explicável, o fato causou apreensão em largos círculos da opinião
nacional. Em 1968, um abaixo-assinado da TFP, pedindo ao Santo Padre
providências contra a penetração comunista em meios católicos, foi
subscrito por 1.600.368 brasileiros. De então para cá, fatos lamentáveis
e por demais notórios têm demonstrado a crescente gravidade dessa
penetração. Assim, é natural que, dados a público os métodos requintados
que o comunismo põe em prática para se difundir mais e mais no seio da
Igreja, a apreensão de todos tenha crescido marcadamente.
* * *
Pelo
contrário, absolutamente tranqüilo e despreocupado se mostrou, a esse
respeito, um prelado que ocupa posto-chave na estrutura eclesiástica do
país. Refiro-me a d. Aloísio Lorscheider, secretário-geral da CNBB.
Procurado pela imprensa explicou ele as razões de seu otimismo.
Segundo d. Aloísio, tendo Nosso Senhor Jesus Cristo prometido que as
portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, "tais planos (do PC
chinês) são inofensivos. E até ridículos. A Igreja nunca os temeu, nem
os temerá".
Quanto à sugestão formulada pela polícia, de que o Episcopado proceda a
rigoroso exame de seleção nos seminários, a fim de evitar a infiltração
marxista, o secretário-geral da CNBB é contrário: "Na Igreja não vivemos
preocupados em arrancar a erva daninha, asseverou ele, mas em deixar
crescer o trigo (...). No Dia do Juízo far-se-á a seleção".
Tais
razões me surpreendem. E até me desconcertam. Sobre elas muito gostaria
eu de entrar em diálogo com S. Excia.
* * *
Realmente, tanto esse "modus agendi" deduzido da promessa de
indefectibilidade feita pelo Salvador à sua Igreja, quanto essa
interpretação da parábola do joio e do trigo, além de infundados, me
parecem conduzir diretamente ao absurdo. E causa justo alarme ver que
pensa assim um pessoa da projeção de d. Aloísio Lorscheider.
Se
aceitamos o princípio de que, por ser indestrutível, a Igreja não deve
dar importância aos planos de seus adversários, a conseqüência lógica é
que devemos praticar a política dos braços cruzados, e desistir de
qualquer forma de luta. Onde vai parar, então, o caráter militante da
Igreja?
Vejo
saltar a objeção: o católico não se deve contentar com o simples fato da
Igreja não morrer! Ele a deve desejar florescente e dilatada, para que
se generalize a prática da virtude, se reprima o vício e se salve o
maior número possível de almas.
-
Concordo inteiramente. E é precisamente porque a vitória do comunismo
constitui um terrível obstáculo à prática da virtude, uma rejeição
radical da moral cristã e um risco inaquilatável para a salvação das
almas, que nos devemos alarmar com a sua infiltração na Igreja.
De
tal maneira isto é claro, que não vejo para a despreocupação de S. Excia.
qualquer justificativa.
Ou
então devo imaginar que o ilustre secretários da CNBB pensa como o
tristemente famoso cardeal chileno Silva Henriquez, tão confiante na
inocuidade ou até nas virtudes do marxismo, que chegou a cantar na
catedral de Santiago um "Te Deum" em ação de graças pela posse de
Allende na presidência?
Mas
prefiro não levar tão longe minhas conjecturas. E fico sem entender
nada...
* * *
Quanto ao princípio de que nos seminários não se deve vigiar para evitar
o ingresso de agitadores comunistas, pois não é nesta vida que se separa
o joio do trigo, veja o leitor a que conseqüências absurdas essa
inesperada interpretação da linda parábola conduz:
O
comunismo não é a única espécie de joio neste vale de lágrimas. Existem
também mil outras formas de erro, heresia e cisma. Como de corrupção
moral. A lógica mandaria que a mesma política dos olhos cerrados
preconizada com o joio comunista, fosse igualmente aplicada nos
seminários para outras modalidades de joio. Para os propagandistas do
vício e das drogas, por exemplo.
Em
conseqüência, os seminários seriam os estabelecimentos de ensino em que
mais facilmente um jovem poderia ser assaltado por toda sorte de agentes
do erro e do vício.
Quem
tenha uma reta noção do caráter sagrado dos seminários pode imaginar
contradição mais aberrante?
* * *
Não é
pelo mero gosto de objetar, que formulo meu desacordo em relação às
teses contidas na entrevista do jovem, inteligente e culto
secretário-geral da CNBB.
Os
que me conhecem no trato diário podem dar testemunho de que sou, por
temperamento e formação, cordato e infenso a discutir pelo mero gosto de
discutir.
Mas
tenho diante dos olhos o calamitoso exemplo do Chile, país que jamais
teria caído nas garras do marxismo se não fosse a atuação de bispos e
sacerdotes do estilo Silva Henriquez, e desejo de toda a alma evitar
para meu país, infortúnio igual. Assim é explicável que eu procure, na
medida de minhas forças, alertar nosso público para que não se deixe
levar pelo otimismo desconcertante de d. Aloísio Lorscheider, cujo "laisser
faire" nos pode conduzir, na prática, a análoga situação.
* * *
E já
que falei de passagem sobre o cardeal Silva Henriquez permita o leitor
que eu mostre o primeiro fruto por ele colhido de sua política de "mão
estendida" com o comunismo.
Pouco
depois da ascensão do novo presidente, o governo marxista já mostrou
suas garras. Constituiu uma comissão de juristas para estudar a questão
do divórcio. E o ministro da Justiça declarou urgente legalizar o
aborto.
Não
sei até que ponto S. Emcia. se molestará com a legalização do aborto.
Pois, ou me trai a memória, ou esteve entre os mais declarados
contestadores da Encíclica de Paulo VI "Humanae Vitae", que condenou a
pílula.
Mas
eu me pergunto o que farão, diante da ameaça divorcista, o cardeal e
seus sequazes. A meu ver, conservar-se-ão otimistas. Enquanto o divórcio
não for aprovado, dirão que confiam no governo e nada temem. Por isto
guardarão o silêncio, ou farão apenas um protesto pró forma.
Eventualmente aprovada a sinistra medida, dirão que ela poderia ter
vindo muito mais rigorosa, e só não foi tal por causa da "moderação" de
Allende e da "prudência" do episcopado. Em razão do que, os prelados e
sacerdotes otimistas recomendarão a aceitação do fato consumado... pois
senão, poderá vir coisa ainda pior.
* * *
Mudo
ligeiramente de assunto.
Fazem
parte da grei dos otimistas a todo custo, também os "sapos".
Na
primeira fila destes, há que apontar um senhor que é, no ambiente dos
proprietários rurais do Chile, exatamente o congênere do que é, nos
meios eclesiásticos, o cardeal Silva Henriquez. Ou seja, é o presidente
da sociedade Nacional de Agricultura, um dos órgãos mais representativos
dos proprietários rurais chilenos.
O
nome desse "sapo" merece ser fixado. Chama-se ele Benjamin Matte.
Durante toda a longa e gloriosa luta da TFP chilena contra a reforma
agrária socialista e confiscatória de Frei, o sr. Matte teve atritos com
a nossa congênere do Chile. Ora ele aguava os protestos, ora os evitava.
Nunca, porém, defendeu séria e eficazmente a classe que, como presidente
da Sociedade Nacional de Agricultura, tinha por missão sagrada proteger.
Na
semana passada, aderiu ele alegremente a Allende, mostrando-se decidido
a aceitar "a nova realidade em que vive o Chile" e viajar para Cuba, a
fim de ali fazer estudos que lhe permitam cooperar com o governo
marxista de sua pátria.
Atenção para o público brasileiro: é o que em análogas condições fariam
nossos "sapos", em lugar de defender palmo a palmo nosso país contra a
influência mortal do comunismo.
* * *
Enfeixando numa conclusão geral todas estas considerações, afirmo que o
comunismo não é um perigo, na América do Sul, senão porque encontra
diante de si "otimistas" de tão variados gêneros.
De
onde se segue que é no "otimismo" que está realmente o perigo.