Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1970

O otimismo, esse perigo

A polícia apreendeu, no Ceará, a instrução do PC chinês sobre a estratégia a ser empregada pelos seus asseclas para infiltrar as instituições católicas de nosso país.

Como é explicável, o fato causou apreensão em largos círculos da opinião nacional. Em 1968, um abaixo-assinado da TFP, pedindo ao Santo Padre providências contra a penetração comunista em meios católicos, foi subscrito por 1.600.368 brasileiros. De então para cá, fatos lamentáveis e por demais notórios têm demonstrado a crescente gravidade dessa penetração. Assim, é natural que, dados a público os métodos requintados que o comunismo põe em prática para se difundir mais e mais no seio da Igreja, a apreensão de todos tenha crescido marcadamente.

* * *

Pelo contrário, absolutamente tranqüilo e despreocupado se mostrou, a esse respeito, um prelado que ocupa posto-chave na estrutura eclesiástica do país. Refiro-me a d. Aloísio Lorscheider, secretário-geral da CNBB.

Procurado pela imprensa explicou ele as razões de seu otimismo.

Segundo d. Aloísio, tendo Nosso Senhor Jesus Cristo prometido que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, "tais planos (do PC chinês) são inofensivos. E até ridículos. A Igreja nunca os temeu, nem os temerá".

Quanto à sugestão formulada pela polícia, de que o Episcopado proceda a rigoroso exame de seleção nos seminários, a fim de evitar a infiltração marxista, o secretário-geral da CNBB é contrário: "Na Igreja não vivemos preocupados em arrancar a erva daninha, asseverou ele, mas em deixar crescer o trigo (...). No Dia do Juízo far-se-á a seleção".

Tais razões me surpreendem. E até me desconcertam. Sobre elas muito gostaria eu de entrar em diálogo com S. Excia.

* * *

Realmente, tanto esse "modus agendi" deduzido da promessa de indefectibilidade feita pelo Salvador à sua Igreja, quanto essa interpretação da parábola do joio e do trigo, além de infundados, me parecem conduzir diretamente ao absurdo. E causa justo alarme ver que pensa assim um pessoa da projeção de d. Aloísio Lorscheider.

Se aceitamos o princípio de que, por ser indestrutível, a Igreja não deve dar importância aos planos de seus adversários, a conseqüência lógica é que devemos praticar a política dos braços cruzados, e desistir de qualquer forma de luta. Onde vai parar, então, o caráter militante da Igreja?

Vejo saltar a objeção: o católico não se deve contentar com o simples fato da Igreja não morrer! Ele a deve desejar florescente e dilatada, para que se generalize a prática da virtude, se reprima o vício e se salve o maior número possível de almas.

- Concordo inteiramente. E é precisamente porque a vitória do comunismo constitui um terrível obstáculo à prática da virtude, uma rejeição radical da moral cristã e um risco inaquilatável para a salvação das almas, que nos devemos alarmar com a sua infiltração na Igreja.

De tal maneira isto é claro, que não vejo para a despreocupação de S. Excia. qualquer justificativa.

Ou então devo imaginar que o ilustre secretários da CNBB pensa como o tristemente famoso cardeal chileno Silva Henriquez, tão confiante na inocuidade ou até nas virtudes do marxismo, que chegou a cantar na catedral de Santiago um "Te Deum" em ação de graças pela posse de Allende na presidência?

Mas prefiro não levar tão longe minhas conjecturas. E fico sem entender nada...

* * *

Quanto ao princípio de que nos seminários não se deve vigiar para evitar o ingresso de agitadores comunistas, pois não é nesta vida que se separa o joio do trigo, veja o leitor a que conseqüências absurdas essa inesperada interpretação da linda parábola conduz:

O comunismo não é a única espécie de joio neste vale de lágrimas. Existem também mil outras formas de erro, heresia e cisma. Como de corrupção moral. A lógica mandaria que a mesma política dos olhos cerrados preconizada com o joio comunista, fosse igualmente aplicada nos seminários para outras modalidades de joio. Para os propagandistas do vício e das drogas, por exemplo.

Em conseqüência, os seminários seriam os estabelecimentos de ensino em que mais facilmente um jovem poderia ser assaltado por toda sorte de agentes do erro e do vício.

Quem tenha uma reta noção do caráter sagrado dos seminários pode imaginar contradição mais aberrante?

* * *

Não é pelo mero gosto de objetar, que formulo meu desacordo em relação às teses contidas na entrevista do jovem, inteligente e culto secretário-geral da CNBB.

Os que me conhecem no trato diário podem dar testemunho de que sou, por temperamento e formação, cordato e infenso a discutir pelo mero gosto de discutir.

Mas tenho diante dos olhos o calamitoso exemplo do Chile, país que jamais teria caído nas garras do marxismo se não fosse a atuação de bispos e sacerdotes do estilo Silva Henriquez, e desejo de toda a alma evitar para meu país, infortúnio igual. Assim é explicável que eu procure, na medida de minhas forças, alertar nosso público para que não se deixe levar pelo otimismo desconcertante de d. Aloísio Lorscheider, cujo "laisser faire" nos pode conduzir, na prática, a análoga situação.

* * *

E já que falei de passagem sobre o cardeal Silva Henriquez permita o leitor que eu mostre o primeiro fruto por ele colhido de sua política de "mão estendida" com o comunismo.

Pouco depois da ascensão do novo presidente, o governo marxista já mostrou suas garras. Constituiu uma comissão de juristas para estudar a questão do divórcio. E o ministro da Justiça declarou urgente legalizar o aborto.

Não sei até que ponto S. Emcia. se molestará com a legalização do aborto. Pois, ou me trai a memória, ou esteve entre os mais declarados contestadores da Encíclica de Paulo VI "Humanae Vitae", que condenou a pílula.

Mas eu me pergunto o que farão, diante da ameaça divorcista, o cardeal e seus sequazes. A meu ver, conservar-se-ão otimistas. Enquanto o divórcio não for aprovado, dirão que confiam no governo e nada temem. Por isto guardarão o silêncio, ou farão apenas um protesto pró forma. Eventualmente aprovada a sinistra medida, dirão que ela poderia ter vindo muito mais rigorosa, e só não foi tal por causa da "moderação" de Allende e da "prudência" do episcopado. Em razão do que, os prelados e sacerdotes otimistas recomendarão a aceitação do fato consumado... pois senão, poderá vir coisa ainda pior.

* * *

Mudo ligeiramente de assunto.

Fazem parte da grei dos otimistas a todo custo, também os "sapos".

Na primeira fila destes, há que apontar um senhor que é, no ambiente dos proprietários rurais do Chile, exatamente o congênere do que é, nos meios eclesiásticos, o cardeal Silva Henriquez. Ou seja, é o presidente da sociedade Nacional de Agricultura, um dos órgãos mais representativos dos proprietários rurais chilenos.

O nome desse "sapo" merece ser fixado. Chama-se ele Benjamin Matte.

Durante toda a longa e gloriosa luta da TFP chilena contra a reforma agrária socialista e confiscatória de Frei, o sr. Matte teve atritos com a nossa congênere do Chile. Ora ele aguava os protestos, ora os evitava. Nunca, porém, defendeu séria e eficazmente a classe que, como presidente da Sociedade Nacional de Agricultura, tinha por missão sagrada proteger.

Na semana passada, aderiu ele alegremente a Allende, mostrando-se decidido a aceitar "a nova realidade em que vive o Chile" e viajar para Cuba, a fim de ali fazer estudos que lhe permitam cooperar com o governo marxista de sua pátria.

Atenção para o público brasileiro: é o que em análogas condições fariam nossos "sapos", em lugar de defender palmo a palmo nosso país contra a influência mortal do comunismo.

* * *

Enfeixando numa conclusão geral todas estas considerações, afirmo que o comunismo não é um perigo, na América do Sul, senão porque encontra diante de si "otimistas" de tão variados gêneros.

De onde se segue que é no "otimismo" que está realmente o perigo.


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