Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 22 de novembro de 1970

"Voto-recusa": motivo de esperança

No momento em que escrevo, isto é, na manhã de quinta-feira, o número de votos em branco apurados em São Paulo, nas eleições para a Câmara Federal, sobe a 876.145, representando 21,8% dos votos dados. Fato análogo se deu quanto à eleição para o Senado e a Assembléia estadual, e a mesma coisa se passou, mais ou menos, nos outros Estados. Isto sem falar dos votos nulos e das abstenções.

Não sei se o leitor já mediu tudo quanto significa esta recusa do eleitor de escolher um candidato dentro das listas partidárias. O cidadão interrompe seu descanso ou sua diversão, e vai à sua seção eleitoral para votar. Recebe a cédula. Mete-se na cabina. Um simples sinal por ele marcado na cédula que tem em mãos daria a este ou aquele candidato um voto. Mas o eleitor não quer dar-se ao trabalho ínfimo de marcar a sua cédula. Não tem vontade de eleger ninguém. Entre estes ou aqueles, tanto se lhe dá...

Sejamos mais precisos. O eleitor queria outra gente. Não encontrou nas listas de candidatos gente como queria. Por isto protestou. E seguiu, no protesto, a única via possível. Abster-se, ele não o poderia, sob pena de arcar com multas e inconvenientes de toda ordem. Porém, no segredo da cabina eleitoral, ele se vingou: votou em branco...

Não é terrível, como expressão de tendências da opinião pública, que assim tenham procedido 20 a 25% dos eleitores cujos votos foram apurados até o momento.

* * *

Não votei em branco. Meu voto foi dado com cuidado, observadas todas as prescrições legais, e feita uma escrupulosa escolha entre os vários candidatos. Se alguém, no currículo de meus conhecidos, tivesse enunciado o propósito de votar em branco, ou de dar um voto nulo, eu teria procurado dissuadi-lo com todo o empenho.

Tudo isto, entretanto, não me exime do dever de, como brasileiro, analisar esta impressionante proliferação de "votos-recusa": chamemos assim os votos em branco para não falarmos nos votos nulos e nas abstenções.

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A primeira observação que me compete fazer, é que essa displicência eleitoral não se exprimiu apenas pelos "votos-recusa". A disputa eleitoral, vista em seu conjunto, foi apática. Na maioria dos casos, quem apoiava, apoiava sem entusiasmo. E quem atacava, atacava sem calor.

Uma das causas de tal atonia foi, naturalmente, a aliás indispensável moralização da propaganda. Proibidos os gastos eleitorais extraordinários, a eleição não teve torcida nem ares de campeonato. E, com isto, não chegou a empolgar esse nosso povo tão afeito a torcidas e campeonatos.

Isto parece indicar que as eleições anteriores interessaram mais a título de campeonato, do que propriamente enquanto eleições.

Será bem exata essa conclusão?

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Pelo menos ela é lógica. Nossas disputas partidárias têm sido, e continuam, vazias de idéias. A propaganda eleitoral se faz muito mais em torno de pessoas do que de princípios. Disto dá bem uma prova o papel da fotografia na propaganda. Em última análise, para a maioria dos eleitores, o que significa a facies de um candidato? – Nada. Entretanto, se qualquer aspirante a deputado ou senador fizesse sua propaganda só em torno de um programa ideológico definido, e se abstivesse de reservar o melhor de sua publicidade para sua foto, correria sérios riscos de perder votos.

Não se zanguem comigo os candidatos vencedores ou derrotados, que me lerem. Se eles tanto e tanto usaram suas facies como argumento eleitoral, é claro que não foi por faceirice. Logo, foi porque pensam, como eu, que facies pesa mais do que o programa, junto a bom número de eleitores.

* * *

Claro está que não incluo no rol dos candidatos de fotografia toda a equipe política que disputou as últimas eleições. Na larga lista de candidatos havia alguns de certo colorido ideológico. Outros representam autenticamente zonas do interior, nas quais possuem justificado e incontestável arraigo eleitoral. Um ou outro, por fim, desfrutava de merecidos títulos para gozar de prestígio pessoal.

Tais candidatos, uma minoria, não servem de argumento contra o que venho afirmando. A presença deles nas listas serve apenas para explicar porque o número de "votos-recusa" não foi ainda maior.

* * *

Mas, dirá alguém, não provaram as eleições que o povo está contente com a orientação governamental? Como então afirmar que eles são assim tão inexpressivos?

Aqui está um dos pontos delicados do assunto. Creio que a maioria governamental não era maior nem menor entre os que votaram, do que entre os que não votaram.

O "voto-recusa" não significa, a meu ver, uma tomada de posição na luta entre o governo e a oposição.

A meu ver, a coisa é outra. E muito outra.

* * *

Há um número crescente de brasileiros que compreende a importância crucial da hora em que vivemos. Esses brasileiros não vêem refletidos, no temário das discussões pré-eleitorais, os problemas importantíssimos que os preocupam. E, por isto, uma vez que são obrigados a votar, dão o "voto-recusa".

Enumeramos alguns desses problemas sobre os quais a campanha eleitoral foi inteira ou quase inteiramente silenciosa:

1 – O governo federal está elaborando, para os submeter muito em breve à votação do Congresso, nada menos de 5 projetos de Código. Isto implica em reformar toda a vida do País. É o caso de, num momento de crise como este, fazer-se uma tão imensa mudança? Não seria melhor proceder parceladamente à reforma de nossa legislação? O eleitor médio conhece a opinião de seu candidato sobre esta importantíssima questão, uma das maiores com que a História do país se tenha defrontado? – Parece-me que não.

2 – O segundo problema é concêntrico com o primeiro. Refere-se ao divórcio. Qual a atitude do seu candidato perante o problema? – Creio que a maioria dos eleitores o ignora. No Rio, por exemplo, os divorcistas terão votado, em boa parte, no sr. Nelson Carneiro. Mas muitos deles, por certo, votaram em candidatos cuja opinião sobre o assunto ignoravam. E muitos antidivorcistas terão votado no mesmíssimo sr. Nelson Carneiro, certos de que a Igreja ou algum abaixo-assinado da TFP, à última hora, assegure a vitória da indissolubilidade. Quero imaginar que outro não tenha sido o motivo do pasmoso marasmo da Cúria do Rio ante a candidatura Nelson Carneiro. O mutismo da arquidiocese do Rio é muito característico do ambiente de atonia ideológica reinante em muitos de nossos meios. Assim, o que de mais explicável (e dizendo "explicável" não digo "louvável") do que o "voto-recusa", por meio do qual o eleitor se nega a engajar-se em prélio tão inexpressivo?

3 – Uma terceira questão é a reforma agrária. Ela, só ela, bastaria para ter dado colorido ideológico à nossa eleição. Pois divide de norte a sul a opinião pública brasileira. Entretanto, como esteve ela ausente do prélio! Mais uma vez, pergunto: haverá algo de mais natural do que a abstenção, no pleito, de eleitores para os quais esta omissão constitui um pesado fator de desinteresse?

4 – Por fim, à tremenda pressão comunista na América do Sul. O Chile se vai transformando, dia a dia, em um país comunista. Ao lado dele, já com o pé no abismo, está a Bolívia, com a qual temos uma fronteira de 2.500 km. Quando, através dessa fronteira, o Chile, insuflado pela Rússia e pela China, tiver começado a exportar largamente a subversão – o que ele fará também em relação à Argentina e ao Paraguai – levantar-se-á uma questão internacional de uma gravidade sem precedentes na História do continente. O eleitor médio conhecia a opinião de seu candidato sobre a conduta a assumir, por nosso país, em tal eventualidade? – Não. Então, como estranhar que uma apreciável parcela do eleitorado médio tenha sentido que não havia razão para escolher?

* * *

Do que vale o "voto-recusa", como sintoma?

Ele prova que um eleitorado de escol está se formando, para o qual os grandes problemas nacionais valem mais do que as fotos e as simpatias meramente pessoais, como fator determinante da escolha de um candidato.

Este escol terá optado por um mau sistema de exprimir sua inconformidade. Mas o "voto-recusa", por deplorável que seja, indica a aurora de uma transformação que justifica reais esperanças: a morte do personalismo e a aurora dos princípios na vida política brasileira.


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