Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 1970

És tu!

O que é um reacionário? Pergunto, mais precisamente, qual a imagem que se faz de um reacionário nas rodas de moçoilos e moçoilas da esquerda festiva, de "sapos" e do N-A-N-E.

Em princípio, nessas rodas se rotula de "reacionário" o egocêntrico por excelência. Privado do mais elementar senso de justiça, de qualquer forma de compaixão para com o próximo e de zelo pelo bem comum, não pensa o "reacionário" senão em encher-se de dinheiro. Ilimitadamente. Quanto mais melhor. Contanto que sua fortuna vá crescendo. Tudo mais é secundário para ele.

Essa avidez de dinheiro leva o "reacionário" a ser político. Pois, para adquirir e conservar uma fortuna desmesurada sem compartir vantagem alguma com ninguém, é forçoso lesar muita gente e despertar muitas invejas. E o meio para conter a investida dos lesados e dos invejosos está em ameaçá-los com a polícia. Ora, para dispor da polícia é necessário intervir na política para dominar o Estado.

Tudo isto não se alcança sem certo prestígio social. Algum "tonus" especial de distinção, que o separe da massa, convém, pois, ao "reacionário", até mesmo nestes nossos dias em que os nababos são tão democratizados. Daí, nas grandes circunstâncias, a necessidade da cartola, na qual, muito erradamente, a propaganda comunista aponta o símbolo da reação contemporânea.

Na realidade, esse símbolo não pertence ao "reacionário" moderno. Ele é um vestígio da sociedade aristocrática da "Belle Époque". O "reacionário" de hoje o usa só de quando em vez, para dar um lampejo de alto estilo a seu "status" social.

Mas, objetará alguém, o "reacionário" não é o continuador do aristocrata? Então, por que não convém ao primeiro, com toda a propriedade, o símbolo do segundo?

-- Num sentido muito lato do termo, pode-se dizer que o "reacionário" moderno, ou seja, o plutocrata, o oligarca (isto é , o membro de uma classe oligárquica), é um sucessor do aristocrata. Mas, sobretudo, ele é o contrário do aristocrata, ele é o verdadeiro demolidor da aristocracia.

Com efeito - ao se fazer do nobre uma imagem caricata, como o plutocrata é a caricatura do proprietário - o fidalgo também seria um vampiro egocêntrico. Mas a ordem crescente das avidezes do nobre seria outra. Enquanto o plutocrata vive para o dinheiro, e só quer o poder político e o brilho social para conservar ou aumentar sua fortuna, o aristocrata (vampiro ou não) está voltado para as honras e só aspira ao poder e ao dinheiro na medida em que são instrumentos para conservar e acrescer as honrarias que lhe são tributadas.

Na medida em que o senso da utilidade prática foi primando sobre o dos valores simbólicos, o plutocrata foi crescendo e substituindo o aristocrata, seu antecessor e seu rival.

É evidente que o vampiro plutocrático existe, como existiu outrora o vampiro aristocrático. E assim como, para os revolucionários de 1789, o aristocrata-vampiro foi o melhor pretexto para a Revolução, assim, para o comunista de hoje, o proprietário-vampiro (e outra coisa não é o plutocrata) é o melhor pretexto para a guerra de classes.

Esse vampirismo é, na linguagem dos esquerdistas, sinônimo de reação. O "sans culotte" da Revolução Francesa via no vampiro nobre um "reacionário". O "descendente" ideológico do "sans culotte", que é o comunista, vê o "reacionário" no plutocrata.

* * *

Amar o vampirismo, seja ele do nobre ou do burguês, como é isto possível? Ao vampiro, só quem pode amá-lo é ele próprio.

Se, portanto, os homens de 1789 e os comunistas de hoje fossem meros paladinos na luta contra o vampirismo, a meta por eles visada (deixemos de lado as questões de método) só poderia merecer simpatia.

E também seria malfeitor o "reacionário" intelectual, político ou militar a serviço do vampiro-plutocrata.

Na realidade, porém, combater o vampirismo não é, para o genuíno revolucionário de 1789 como para o de hoje, senão um pretexto. Nem um nem outro visam destruir só o aristocrata-vampiro. Segundo o revolucionário autêntico, todo e qualquer nobre, todo e qualquer burguês é, necessariamente, um vampiro. Um "reacionário": pois ser nobre é, em si mesmo, ser opressor da plebe, e ser burguês é, em si mesmo, ser ladrão do povo.

Que assim pense algum Marat, algum Proudhon, algum Marx, não espanta. Está na lógica de sua mentalidade fundamentalmente igualitária ver uma lesão de direito qualquer forma e tipo de desigualdade.

O que espanta é que assim pense um católico depois de 20 séculos, durante os quais a Igreja ensinou ininterruptamente que tanto o nobre, quanto o burguês e o operário podem salvar-se. Que o céu está cheio de gente que se santificou em qualquer dessas classes sociais. Que Santos, e Santos de altar, os houve tanto entre nobres como entre burgueses e operários. E que Jesus Cristo, Senhor Nosso, foi humilde operário em Nazaré, mas também aceitou, como coisa que Lhe era devida, que o povo de Jerusalém o aclamasse solenemente Príncipe, filho da real casa de Davi.

Analogamente, para o comunista, "reacionário" não é apenas o defensor do nobre-vampiro ou do burgues-vampiro, mas quem quer que se recuse a aceitar que toda desigualdade é uma injustiça, e que todo nobre ou todo o proprietário, por mais virtuoso e até santo que seja, é, por definição, um canalha.

Com o epíteto de "reacionário", os comunistas procuram designar o público, como alvo de um mesmo ódio, o vampiro e o seu defensor desonesto e vendido, o nobre, o burguês, e o defensor desinteressado de um alto e sadio princípio. Sim, do princípio de que pode e deve haver desigualdades harmônicas entre os homens. E de que, conforme os tempos, os lugares e as situações, é legítimo que haja, ou aristocratas, ou burguesias, ou uma e outra classe, à frente da hierarquia social.

Para que a hierarquia social seja legítima, essencial é que as honras dadas a uns não cheguem a ponto de importar em desonra para outros, mas que, pelo contrário, todos participem, embora em graus diversos, da plena honorabilidade indissociável da dignidade do homem e do cristão. Que as riquezas não se concentrem nas mãos de uns a ponto de ficarem outros numa situação de carência, insegurança e dependência incompatíveis com a dignidade do homem e do cristão.

E, isto dito, o que cabe acrescentar é que o verdadeiro reacionário é o comunista.

* * *

Com efeito, imagine alguém um patrão que tivesse inteiramente a seu dispor legisladores, juizes, militares, delegados e policiais. Do qual todos os homens fossem assalariados. Que impusesse a cada assalariado a tarefa que bem entendesse. Que marcasse livremente as horas de trabalho para cada um. Que punisse a seu talante todos os descontentes e todos os faltosos. Que fizesse os juizes julgarem sempre a favor dele os processos - No que esse patrão super-vampiro seria diferente de um Fidel ou de um Brezhnev? Não é bem verdade que a situação de um pobre "trabalhador voluntário" recrutado na Rússia, ou de um mísero cortador de cana em Cuba, é muito inferior à do mais mísero dos operários explorado pelo mais rombudamente onipotente dos patrões? Pois qual o patrão que, em nossa sociedade burguesa, exerce sobre seus operários um poder comparável ao do Estado comunista?

Em outros termos, houve alguma vez nobre mais "vampiramente" prepotente, patrão mais "vampiramente" dono do operário do que Fidel ou Brezhnev?

Neste caso, ó comunista, eu te pergunto: por que os "reacionários" por excelência não são o Führer soviético e seu congênere cubano? Por que o "reacionário" por excelência não és tu?


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