Folha de S. Paulo,
18 de
outubro de 1970
Velhinhos, presos, freiras, Natal e polêmica
As
circunstâncias me impelem a tratar, mais uma vez, da recente campanha
publicitária movida contra a TFP.
Entretanto, antes de entrar no assunto, essencialmente polêmico, quero
proporcionar-me o prazer — e dele tornar participante o leitor — de
abordar tema mais ameno.
* * *
Pergunto: o que é uma carta bem escrita? — A meu ver, essencialmente é
aquela em que o autor põe algo de sua alma, em que se sente a força de
sua lógica, o pulsar de seu coração, por assim dizer até o próprio
timbre de sua voz.
Sinto
lógica e pulsar de coração nesta carta, que me endereçou uma religiosa.
Respeito o anonimato em que ela quer ficar:
"No
Coração de Jesus. Peço e imploro do senhor um presente muito desejado,
em favor dos meus caríssimos velhinhos, velhinhas e crianças. Trabalho
aqui, no meio deles, que estão precisando de tudo e de todos. Lutamos
com muitas dificuldades financeiras para mantê-los. Estou sempre pedindo
e implorando aos meus nobres e caridosos amigos, presentes e auxílios
para os meus velhinhos. Graças a Deus, todos me dão. Ganhei uma
assinatura do "Catolicismo". Ficamos contentíssimas. Ele é muito
apreciado por nós oito irmãs, e todas as demais das nossas três casas.
"O
presente que peço e imploro aos senhores é de um carro usado de qualquer
marca e tipo. Precisamos de carro aqui, para este fim. Pedimos e
ganhamos muitos gêneros, nas roças e fazendas, e outros presentes. Mas
não temos uma condução para buscar os presentes. Lembrei-me de pedir ao
senhor para fazer um apelo, para nós ganharmos um carro usado. Não
desejo carro de luxo, doutor. Sou também uma velhinha. Tenho mais de 60
anos. Há 40 anos que luto e trabalho com muito amor, paz, amizade e
caridade, no meio destes nossos caríssimos irmãos em Nosso Senhor Jesus
Cristo."
Sinto
pulsar de coração e timbre de voz nesta outra carta de uma religiosa,
cujo nome também manterei em silêncio:
"Nossa Senhora é verdadeiramente Mãe, nossa Rainha e nossa Advogada.
Sabe fazer gentilezas, que só podem partir de seu Coração tão terno e
tão delicado.
"Ouso
fazer-lhe um pedido se possível, e estiver dentro da finalidade da
Sociedade (a TFP). Aproxima-se o Natal. Aliás, não está muito longe, e
já é tempo que me mexa e estenda a mão a quem possa me auxiliar com
alguma coisa para o Natal dos meus presos. Prefiro dinheiro, porque sei
o que devo comprar para eles.
"Peço-lhe, pois, e à digníssima Sociedade, um pequeno óbolo para
ajudar-me. O auxílio, por mínimo que seja, me ajudará bastante. Vou
estender minha mão também para outras pessoas.
"Mais
uma vez, também por este pedido, que desejo saber, o mais breve
possível, quanto poderei contar com os senhores, para fazer as minhas
‘contas’. Pois quem é pobre, não pode esperar pela última hora, para dar
aos mais pobres que Deus colocou em nosso caminho.
"Atenciosamente, conte sempre com as orações e a gratidão da serva em
Cristo e Maria."
* * *
E já
que se trata, para todos nós, de ir preparando desde logo o Natal,
pergunto se algum leitor gostaria de somar às alegrias interiores que
então terá na prece, e à satisfação que sentirá nas festas do lar, o
suave contentamento de ter contribuído para alegrar, em honra de Jesus
Menino, o Natal dessas duas freiras, e de seus protegidos.
* * *
Isto
dito, vamos à luta.
Foi
muito intencionalmente que, em artigo anterior, me servi da expressão
"estrondo publicitário" para designar a onda de calúnias que se despejou
sobre a TFP, por ocasião da campanha recentemente levada a cabo por
esta.
Com
efeito, o que se desejou produzir foi um estampido anti-TFP, próprio a
aterrorizar sócios, militantes e simpatizantes de nossa entidade, a lhes
enregelar o entusiasmo, paralisar o dinamismo e desagregar a coesão. Uma
verdadeira operação de terrorismo publicitário.
Como
todos viram, os efeitos da espalhafatosa operação foram nulos. Isto não
obstante, a análise da rumorosa ofensiva merece alguns minutos de
atenção do leitor.
Diz
um provérbio que quem sai à chuva é para se molhar. Nada mais óbvio.
Assim, quem transpõe os umbrais da vida privada para lutar, à luz do
sol, por grandes ideais, deve estar pronto a receber contraditas, a
sofrer incompreensões, a enfrentar oposições. É a chuva...
Nem
por isto, quem se expõe a esse aguaceiro deve achar normal que lhe
chovam pedras ou canivetes com a ponta para baixo. Ora, foi dessa
natureza a "chuva" que caiu recentemente sobre a TFP. Algo de
inteiramente insólito no modo de operar de vários jornais, televisões e
rádios de nosso país.
Onde
o fenômeno se apresentou de um modo mais acentuado foi em Belo
Horizonte. Porém, uma outra de suas características se notou quase por
toda parte.
Enuncio três destas características, ou melhor, três anomalias típicas
da recente erupção de ódio:
1 —
Inteira perda da objetividade. Assim, em Belo Horizonte, há uma
igreja situada em local muito transitado, na qual nossos jovens se
reuniram para rezar após um dia de campanha. A cidade toda,
absolutamente toda, sabe que se trata de um templo católico, apostólico,
romano, isto é, a Igreja do Coração de Jesus. Para incompatibilizar a
TFP com a população belo-horizontina, um jornal da capital mineira teve
a inconcebível audácia de afirmar que aquela igreja é greco-cismática.
Essa balela circulou largamente pela imprensa de outros lugares. Para
honra de nosso jornalismo, é preciso dizer que uma tão frontal negação
se chegou a tal extremo com a TFP?
2 —
Completo fechamento a qualquer defesa da TFP. Em Belo Horizonte,
nenhum jornal publicou as retificações e desmentidos da TFP. Em outros
lugares, houve folhas que fizeram o mesmo. Outras publicaram, em lugares
secundários, resumos ridiculamente pequenos de nossas retificações. E
isto quando, na véspera, haviam publicado com gordos títulos as notícias
contrárias a nós. Poucas foram as que publicaram convenientemente nossos
comunicados. Também tudo isto é raro em nosso meio. Por que se chegou a
tal extremo com a TFP?
3 —
Alarde do que é contra, silêncio do que é a favor. No transcurso
da campanha, d. Geraldo Sigaud, arcebispo de Diamantina, publicou
declarações sobre o distanciamento ocorrido entre ele e a TFP.
Essas
declarações foram reproduzidas, glosadas, vociferadas por toda parte.
Ao
mesmo tempo, d. Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos, nos escreveu
uma carta de caloroso apoio à campanha que vínhamos desenvolvendo. Nosso
serviço de imprensa distribuiu largamente esse primoroso documento.
Entretanto, poucos jornais o publicaram. Mais uma vez, pergunto: por que
se procedeu assim com a TFP?
Não
sei. Mas de uma coisa sei. E o leitor também sabe a quem aproveita tudo
isto. E’ a quem atacamos, é o comunismo.
Que
nexo há, então, entre o comunismo e essa campanha? Como se dá que
pessoas não comunistas, a ela se associem com tal furor?
São
perguntas sobre as quais não há dados para se escrever nada, por ora.
Mas a História o
dirá...