Folha de S. Paulo,
11 de
outubro de 1970
Dentro e fora do Brasil...
Enquanto sócios e militantes da TFP percorriam as ruas das principais
cidades do Brasil, alertando a opinião pública sobre as funestas
conseqüências da vitória marxista no Chile, desencadeou-se contra nossa
entidade um verdadeiro tufão. Contávamos com isto, pois tal é o
costumeiro desfecho de nossas campanhas: uma contra-ofensiva violenta
dos que não concordam com a atuação por nós desenvolvida a bem do País e
da civilização cristã.
Esquerdistas, "sapos", jornalismo sensacionalista, tudo — numa
orquestração perfeita — se moveu contra nós. O que não impediu a
extraordinária saída do artigo-manifesto da TFP e do livro "Frei, o
Kerensky chileno", e a implícita manifestação de simpatia confortadora
que a grande maioria do povo nos tem.
* * *
Quando no ano de 1966, estávamos em plena campanha contra o divórcio,
aconteceu um fato fora da rotina: a CNBB baixou contra nós um
comunicado. Isto nos surpreendeu. Em longa e pública mensagem ao
Episcopado, ponderamos, entre outra coisas, que golpear o porta-bandeira
em plena luta é favorecer implicitamente o adversário. A mesma reflexão
caberia para o episódio que acaba de ocorrer.
Com
efeito, agora, quando estávamos em plena luta por demolir os maus
efeitos da vitória de Allende, novo tiro. Era S. Emcia. o Cardeal
Eugênio Sales que fazia contra a TFP um pronunciamento visando demoli-la
no conceito dos brasileiros.
Os
historiadores que de futuro tratarem do episódio não deixarão de
observar, desconcertados, que essa tentativa de demolição dos
demolidores de Allende, só a Allende podia favorecer. Eles notarão a
alegria e o reboliço de todas as esquerdas com o fato. E se perguntarão
porque S. Emcia. escolheu precisamente este momento, não só para atacar
rudemente a TFP, como para disparar numa fogosa apologia de D. Helder.
Em
seu documento, o sr. Cardeal Sales, depois de rasgados elogios ao
Arcebispo Vermelho, chega a dizer que a onda de desconfiança do País a
respeito de D. Helder importa em um movimento de ataque à própria
Igreja. O que constitui da parte do Purpurado uma clara tentativa de
deter toda a reação do País contra os desmandos de pensamento e de
linguagem do Arcebispo de Olinda e Recife.
* * *
Maior
ainda será o embaraço dos historiadores quando tiverem de explicar
porque o sr. D. Geraldo Sigaud, Arcebispo de Diamantina — a quem o
Brasil deve inegáveis serviços na luta contra o comunismo — escolheu o
mesmíssimo momento para, por sua vez, atacar a TFP.
Não
poderia S. Excia. ter pelo menos esperado alguns dias, até que a
campanha chegasse a seu final? E, se tivesse tanta urgência em nos
atacar, por que pelo menos não disse palavra que significasse
compreensão, apoio, aplauso à campanha que vínhamos desenvolvendo?
* * *
Seja
como for, desta vez ainda, a TFP, atacada, reagiu valorosamente. Daí
nosso
comunicado do dia 7 último, sobre as declarações de D. Sigaud.
Daí também nossa respeitosa mas firme mensagem ao Cardeal Sales (Análise,
defesa e pedido de diálogo. Carta aberta da TFP ao Cardeal D. Eugênio
Sales).
Os leitores que desejem um ou outro documento, aliás já largamente
divulgados pela imprensa, podem pedi-los em nossas sedes.
* * *
Enquanto estes fatos dolorosos se passavam, um dos mais brilhantes e
acatados Prelados do País, D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos,
me endereçou esta missiva que — já publicada também ela na imprensa,
timbro entretanto em reproduzir aqui:
"Escrevo-lhe para felicitar a Sociedade Brasileira de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade, segura e eficazmente dirigida por Vossa
Senhoria, pela vitoriosa campanha de esclarecimento da opinião pública,
justamente abalada com a vitória do candidato marxista nas eleições
presidenciais do Chile. É bom que o povo meça, em toda a extensão, o que
significaria uma nação sob o jugo comunista na América do Sul. Como é
necessário que o povo veja que a vitória do candidato marxista não
significa progresso do marxismo no país amigo. Uma e outra coisa põem em
plena luz a atual campanha da TFP.
"O
comunismo foi declarado intrinsecamente mau na Encíclica doutrinária
‘Divinis Redemptoris’, dirigida a todo orbe católico, Encíclica na qual
Pio XI, como supremo Mestre e Pastor do rebanho de Cristo, mostrou a
incompatibilidade absoluta entre a concepção natural e cristã do homem e
do convívio social, nos seus aspectos religiosos, culturais e mesmo
econômicos.
"Infelizmente, semelhantes princípios básicos da Civilização Cristã, ou
da civilização ‘tout court’, vão sendo legados ao olvido, com grande
prejuízo para a Humanidade pois desse modo perde-se o critério para um
julgamento exato das ocorrências político-sociais. Por isso mesmo, é
especialmente benemérita a atual campanha da TFP, que vem reavivar a
memória dos ensinamentos católicos sobre o comunismo e a sociedade
cristã.
"Cumpre-nos, outrossim, lamentar as censuras de que a TFP tem sido
objeto, precisamente no momento em que presta inestimável serviço à
pátria. Censura desacompanhada de justificativa é sempre algo
confrangedor. Ela é especialmente dolorosa quando procura abafar a única
voz que se levantou para alertar a nação contra o perigo que bate às
portas. Tanto mais quando há um silêncio generalizado sobre os
fundamentos da Civilização Cristã constantes da Encíclica ‘Divini
Redemptoris’ — desigualdade social, com a conseqüente e justa
hierarquia, família, propriedade, educação, iniciativa privada — que o
comunismo tenta destruir.
"Não
estaria bem com minha consciência se, em tais circunstâncias, não
externasse meu aplauso, minha admiração e meus augúrios à campanha da
TFP. Que Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil, se
digne torná-la vitoriosa em todo sentido, e tenha uma proteção especial
sobre seus planejadores e executores".
* * *
Quando saírem a lume estas reflexões, como estará a situação boliviana?
Estará instalada bem à nossa porta a fogueira comunista? Ou poder-se-á
dizer que estivemos na iminência de tal, mas o perigo foi
provisoriamente afastado?
Não é
tão fácil responder. Seja como for, teremos sentido as labaredas bem
mais perto de nós. E poderemos ter compreendido que o perigo comunista é
hoje muito e muito maior do que antes da vitória de Allende.
Sim.
Pois imagine o leitor um Chile não comunista: como seria menor, em tal
caso, a importância da comunistização da Bolívia! O fato, o grande fato
trágico é a comunistização do Chile. É porque o Chile está a pique de se
tornar irremediavelmente marxista, que o comunismo boliviano pode ser um
perigo para nós.
Assim, num salto, a ameaça comunista transpôs os Andes e o Rio da Prata,
de modo a bater a nossas portas.
E assim, pergunto:
era só chileno o problema Allende?