Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 27 de setembro de 1970

Muralha Chinesa

"Dr. Plinio: já que, há cerca de um mês, o sr. concedeu tanto espaço de seu artigo na "Folha", às reflexões e objeções de um leitor talvez anônimo, o sr. Jeroboão Cândido Guerreiro, peço-lhe que não seja menos generoso com esta minha carta.

- "Sou um anônimo? — Em termos. Eu sou, porque não assinarei minha carta. Para o grande público, também seria um anônimo ainda que a assinasse, pois apliquei todas as minhas energias no setor da produção, onde tenho obtido resultados polpudos para o País... e para mim (porque não o reconhecer, já que, como o sr. ponderou em seu último artigo, se trata de ganho honesto?). E, nessa faina, não houve ocasião nem vantagem para que eu projetasse o meu nome para o público, do qual sou um servidor desconhecido. — Serei um anônimo para o sr.?. — Em certo sentido não, porque se eu assinasse esta carta, o sr. veria que somos velhos conhecidos. Mas preferi não me dar a conhecer ao sr.

"A razão disto é simples. Conheço sua gentileza, misto "sui generis" de afabilidade hodierna e cerimoniosidade "Ancien Régime". O sr. teria, sem dúvida, a gentileza de publicar a carta com meu nome. E eu sairia a público, pela primeira vez, como objetante. — Objetante ao sr.! Isto, para muitos de seus leitores soa quase como protestante. E assim não quero.

"Vamos ao fato, Dr. Plinio. O sr. não pensa que TFP está fazendo algazarra demais a propósito de Frei e da Democracia Cristã chilena?

"Vá lá que, tendo sua organização obtido um belo triunfo (o sr. vê que não sou "sapo"...) com o livro vitorioso de Fábio Vidigal Xavier da Silveira, "Frei, o Kerensky chileno", a TFP tenha querido celebrar o fato com uma campanha de rua. Vá lá, ainda, que o sr. tenha escolhido, como pretexto para essa celebração, uma campanha de esclarecimento e protesto quanto ao que ocorre no Chile. Entre parêntesis, dou-lhe parabéns pelo seu magnífico artigo-manifesto, claro, atraente, irrespondível (o sr. vê que não sou pedecista...). Vá lá, por fim, que a TFP tenha aproveitado para reeditar o livro do sr. Fábio. Mas, enfim, não está durando demais essa algazarra toda?

"O perigo resultante da eleição de Allende se circunscreve ao Chile, do qual nos separam os Andes e o Rio da Prata. Entre nós, ele só serve para suscitar entusiasmos rancores e discussões sem fim. E nada menos oportuno.

"A meu ver, o Brasil precisa, isto sim, de sepultar as disputas ideológicas e estimular o trabalho. Voltadas todas as atenções e todas as energias para a produção, esta aumenta. Assim, avançam as fronteiras da fartura e se encolhem as da miséria. O homem bem nutrido, bem instruído e de saúde bem cuidada, não é, não pode ser um revoltado. A agitação e a contestação sumirão então, como uma mecha que se apaga por falta de oxigênio. E tudo se resolverá por si. O Brasil atravessará incólume a crise universal e, no raiar da idade Nova, será uma das maiores potências do século XXI.

"Se assim é, não seria melhor acabar com sua campanha?

"Não se zangue, Dr. Plinio, mas levo mais longe minha pergunta. Não seria melhor desviar para a produção econômica o tempo e o talento que os srs. da TFP, gastam numa ação ideológica?

"Se tudo pode ser resolvido pela economia, fazer ação ideológica me parece sem alcance prático. Algo como, à vista de um incêndio, fazer poesia sobre o pungente da tragédia, em lugar de pegar umas boas mangueiras de água e liquidar o sinistro.

"Deixe o Chile resolver os problemas do Chile. E os brasileiros que cuidem de enriquecer o Brasil.

"Sei de muita gente que pensa assim.

" — O sr. não? não? E mesmo depois desta argumentação?"

- Meu caro semi-anônimo: se e quando me escrever de novo, poupe seu tempo, e o meu, dissertando menos sobre seu anonimato. Não quis cortar nada de sua carta, para não lhe dar a idéia de ter querido esconder aos leitores os seus dotes literários. Mas já que, com um semi-anônimo, se pode ser apenas semicerimonioso, feita a gentileza de publicar seu texto na íntegra, digo-lhe, muito sem cerimônia, que toda a sua introdução interessa pouco. O sr. poderia ter ido logo ao fato. É o que de minha parte, farei.

Impressiona-me, no sr., e nos que como o sr. pensam, o anacronismo. Os srs. refletem e falam como se estivéssemos na era da muralha chinesa. Os srs. pretendem circunscrever nosso querido Brasil com uma imensa muralha de fartura, e assim preservá-lo dos furacões e dos terremotos que sacodem, de ponta a ponta, nosso planeta. Uma muralha chinesa feita de dólares... — Que prático, não? Que simples, não?

Sim, muito simples. Mais do que isto, perfeitamente simplório. Na época da televisão, do rádio, do avião etc., pensar que se circunscreve com uma muralha — seja ela de dólares — qualquer canto da terra! Mas, meu anônimo: isto não é perfeitamente ingênuo?

Não nego que a pobreza favorece a subversão, e que, portanto, o desenvolvimento cria condições — valiosas aliás — para a profilaxia da ordem. Daí, porém, a dizer que o desenvolvimento basta, só por si, para evitar a contestação, a agitação, o caos em que se afundam as sociedades de nossos dias, que ilusão!

Na realidade, basta que o sr. deite os olhos nos Estados Unidos, para que perca qualquer ilusão a esse respeito. A terra do dólar, não está ela abalada, desorientada, desnorteada e cambaleante, em virtude das pressões, das agitações e das labaredas que surgem de seu próprio solo?

Dirá o sr. que há pobres lá, e que são eles que protestam. Seja concreto. O sr. acha, por exemplo, que os "hippies" são, em geral, filhos de famílias pobres? Não são, antes, filhos de famílias abastadas? E então?

Seja como for, se todos os dólares dos EUA não bastam para os defender da subversão, e se só nos dólares é que está a salvação, quer dizer que a muralha de dólares de que o sr. quer rodear o Brasil tem de representar uma riqueza, duas, três ou mais vezes maior do que a americana.

Pergunto-lhe: quanto tempo levarão, o sr. e seus congêneres, para produzir isto? E esperam os srs. que até lá as ideologias malsãs vão ficar dormindo num sono letárgico, à espera de que os srs. tenham concluído sua muralha chinesa, para só depois investir contra ela?

Uma palavra ainda, por fim, sobre ideologia. — O sr. que quer pôr de lado todo o esforço ideológico, para combater a subversão, sabe que é um subversivo? Sim se não um comunista, pelo menos um comunistóide?

Pois é. Colocar a economia como centro e base de tudo, fazer resultar todos os acontecimentos da História, só de causas econômicas, julgar que o homem se dirige exclusivamente pela fome ou pela fartura: tudo isto é materialismo, e do mais puro, é a medula do comunismo.

O sr., homem abastado, sem fome e sem idéias, foi infiltrado pelo mal que julgava remediar.

Meu caro: produza, trabalhe, eu o aplaudo de coração. Não imagine, porém, que do seu ouro depende a humanidade, e que a missão da doutrina, da inteligência e do ideal morreram neste mundo.

Não é verdade. E seria triste, feio demais que o fosse.

Desculpe-me o agastamento da resposta. Mas, realmente, se sua operosidade é muito digna de aplauso, sua muralha chinesa agasta.

Pois, pelo menos isto, no meio da luta, poderia nos ser poupado: a tarefa fácil, prolixa e sem graça, de provar que as muralhas chinesas e os dólares já não resolvem nada nos dias que correm.


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