Folha de S. Paulo,
20 de
setembro de 1970
Os
"sapos", a epopéia e a opereta
A
afinidade de larguíssimo setor do público brasileiro com a TFP se
confirmou ainda uma vez, e com eloqüência, no decurso da atual campanha
que os nossos jovens e admiráveis propagandistas estão desenvolvendo nas
principais cidades do país.
A
eloqüência, no caso, é a dos números.
Do
vitorioso livro de Fábio Vidigal Xavier da Silveira, foram vendidos em 8
dias, 4.319 exemplares (edições "Catolicismo" e "Editora Vera Cruz
Ltda."). Do artigo que publiquei na Folha de S. Paulo, intitulado
"Toda a verdade sobre as eleições no Chile", erigido pela TFP em
manifesto da entidade, em igual período foram distribuídos, em avulso,
cerca de 325 mil exemplares.
Não
se pense que esses dados resultam de uma aceitação automática e
inexpressiva. Na rua, a disputa anda quente. Com efeito, os "sapos"
ricos e os comunistas não gostaram. A reação mais bem organizada foi a
dos "sapos". Com uma uniformidade de atitudes espantosa, que faz pensar
numa palavra de ordem, esses burgueses bem instalados na vida, passam
pelos sócios e militantes da TFP sem os ver nem ouvir. Com os olhos
postos num vago longínquo, a cara discretamente carrancuda, o passo
rápido, não respondem nem sequer com aceno à oferta amável do "best
seller" de meu amigo Fábio. E nem abrem a mão para aceitar meu artigo.
A
irritação dos "sapos" se explica. Para eles, a propriedade individual é
só um estado de fato, um fator de fruição, de que se tira partido como
de uma fruta ou de um charuto. E para a TFP, ela é um ideal, um
princípio moral, um mandamento da Lei de Deus, uma condição essencial
para a ordenação cristã das coisas. E os gozadores — de prestígio,
mando, ou outros deleites, pouco importa — jamais se sentiram à vontade
ao lado dos que agem por mero ideal.
Estou
vendo muito "sapo" sobressaltar de cólera: — Então eu, que trabalho de
sol a sol pelo desenvolvimento do país, sou um mero gozador? — Devagar,
respondo desde já a meu objetante. Não nego que seu trabalho redunde em
vantagem para o país. Para que você tenha a liberdade de o desenvolver,
para que sua empresa não seja transformada numa indolente e mofada
repartição pública, é que, em boa parte, luta a TFP.
Não
deixa de ser verdade entretanto, meu caro "sapo", que seu trabalho
beneficia, a um tempo, nosso País... e seu bolso. No que não o censuro.
Pois seria estúpido ver no lucro individual comedido e legítimo, um
prejuízo para o bem comum. Mas compare sua posição legítima e proveitosa
com o entusiasmo desses jovens de bolso furado que lutam pela
propriedade... e continuam de bolso furado. Não é verdade que eles levam
a cabo uma gesta, uma epopéia?
Esses
jovens, que vivem só para o ideal, foram tocados pela palavra de Nosso
Senhor Jesus Cristo: "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra
que sai da boca de Deus".
Porque o jovem colaborador da TFP pensa assim, será razão para Você o
execrar tanto?
* * *
Enquanto desse modo agem os "sapos", os comunistóides de rua e os jovens
fanatizados pelo Clero progressista, com mil perguntinhas, objeçõezinhas
e debiques, tentam interromper nosso trabalho. Um e outro, agride até
com violência. Assim, um tipo, em Porto Alegre — eu melhor diria, um
assassino em germe — atirou contra os nossos um paralelepípedo de rua.
Naturalmente, esse "valente" ficou covardemente anônimo.
* * *
Dos
dois extremos, portanto, a oposição nos vem. Carrancas, sarcasmos,
manobrinhas, pedradas. E argumentos?
Do
lado "sapo", que me conste, só um. Quando, ao passar, não conseguiam não
ver nem ouvir nossos militantes, os "sapos" respondiam, de um modo
invariável, com uma objeção admiravelmente ininteligente: "O caso é com
o Chile; não interessa ao Brasil". — Como se um incêndio na casa do
vizinho, ou uma epidemia no bairro, não fosse para mim um assunto
doméstico!
Os
esquerdistóides têm apresentado outro argumento: o PDC chileno disputou
as eleições com um programa parecido ao de Allende. Logo, seus eleitores
são tão marxistas quanto os do partido de Allende. E, como os votos
somados dos pedecistas e dos socialistas formam a maioria, os chilenos
em sua maioria são marxistas. O que é exatamente o contrário do que
afirmei.
- A
resposta é simples. Programas parecidos não são a mesma coisa que
programas idênticos. E quem tem algo de parecido com o marxismo, nem por
isto pode ser tachado, pura e simplesmente, de marxista.
Acresce que programa de partido tem pouca força determinante nas
eleições sul-americanas. Qual, por exemplo, no Brasil, a porcentagem de
eleitores que conhece seriamente o programa da ARENA ou do MDB, e os
toma em linha de conta para a votação?
Sobretudo em matéria de voto pedecista, isto é real. A maioria dos
eleitores que os padres progressistas encaminham para votar nos
candidatos de esquerda não é formada por moçoilos e moçoilas de
passeata, mas por boa gente de sacristia, que crê cegamente no que o
padre diz, e rejeita como infame calúnia a asseveração de que há padres
comunistas...
Isto,
que é evidente, aniquila a alegação de que os eleitores pedecistas de
Tomic e de Allende são, todos eles, marxistas ou simpáticos ao marxismo.
* * *
Seja
como for, estes fatos provam que a oposição esteve ativa nas ruas. E que
a aceitação do livro e do artigo-manifesto da TFP teve o significado de
uma expectativa simpática e de um verdadeiro interesse em conhecer a
palavra da TFP.
"Pari
passu" do que entre nós sucede, a campanha da TFP se vai estendendo
vitoriosamente por quase toda a América Latina.
No
Chile, o PDC — fiel da balança na ratificação da eleição pelo Parlamento
— declarou que deseja entrar em negociações com Allende, e não com
Alessandri. O que não é negociação, mas capitulação. Pois quem, antes
mesmo de ver suas condições aceitas pelo marxista, declara que nele
votará, não negocia: entrega-se.
* * *
Mas,
dirá alguém, não venceu Allende?
Já
analisamos a inconsistência dessa vitória. Espanta que, mesmo elucidados
os fatos pelo manifesto da TFP, certos jornalistas continuem a falar em
"triunfo" de Allende. "Triunfo" de 1% é triunfo?
De
mais a mais, a que se reduz esse 1%, se tomarmos em conta a notícia
recente de que houve mais de 500 mil abstenções e votos em branco?
* * *
Dado
saboroso, que também notícias desta semana revelam: nos distritos
eleitorais em que se aplicou a reforma agrária de Frei, Allende foi
derrotado. Ou seja, o povo experimentou e não gostou.
* * *
Outro
dado curioso: Allende deu à manifestação comemorativa de sua vitória,
não o caráter de um comício, mas de uma feira de diversões, com
barraquinhas, danças regionais etc. Expressão sintomática de seu receio
de que um comício estritamente partidário e ideológico atrairia muito
menos gente. O que é revelador da pouca consistência ideológica de seu
eleitorado.
* * *
E por
hoje ficamos nisto, à espera do papel, ou do papelório, que fará o PDC
quando da opção no Congresso, entre o candidato que "triunfou" com 1% e
o que foi "derrotado" por essa margem de opereta.