Folha de S. Paulo,
16 de
agosto de 1970
Quando o asco é demais...
O
"ABC" de Madri é, como todos os órgãos da grande imprensa, muito
discutido. Eu mesmo sou um dos que o discuto. Entretanto, não é possível
negar-lhe a qualificação de um dos diários mais conhecidos e de maior
influência no Ocidente. Pois foi o correspondente dessa folha em Paris
que publicou recentemente um conjunto de informações tão inesperadas — e
importantes — que delas não quero privar os meus leitores.
* * *
Começa o sr. Luís Calvo — esse é o nome do correspondente — por narrar
que grupelhos maoístas resolveram estragar as férias e até a vida
quotidiana da burguesia francesa.
Para
tanto, organizaram sistematicamente grandes incêndios em certas zonas de
veraneio. Na Côte d’Azur e na Provence, na foz do Ródano e no Isère,
imensas labaredas destruíram bosques inteiros, vastas propriedades e
indústrias consideráveis. Confirmando suspeitas generalizadas, os
círculos oficiais se mostram persuadidos de que esses fatos têm causa
intencional e criminosa. Ao mesmo tempo, as piscinas públicas, em que
mais alto é o custo da entrada, foram invadidas por grupos de estranhos
vagabundos que nelas se banhavam. Nos jardins residenciais da famosa
Avenue Foch, desconhecidos penetraram para fazer piqueniques ou "campings",
ou para jogar futebol. Nas praias particulares, os "penetras" da
violência se instalaram à vontade. E por toda a parte esses esdrúxulos
"visitantes" espalhavam, de caso pensado, a imundície e o caos.
Eles
entraram no "hall" dos grandes hotéis para descansar, e ocuparam
prolongadamente as "toilettes", onde deixaram vespas, abelhas, insetos e
baratas. Em todos os locais em que a entrada do público é vedada com a
tabuleta "propriedade privada", esta foi arrancada. Pelas estradas,
esses neobárbaros se deleitaram em jogar frutas e peixes para que
apodrecessem. Apoderaram-se de todos os microfones para fazer propaganda
revolucionária. E entraram nos cassinos para ler em voz de estentor
textos de propaganda comunista.
* * *
De
onde vem a palavra de ordem para todas estas torpezas? De uma folha
popularesca de grande tiragem, "L’Idiot International". Entre seus
leitores se formaram os grupelhos de fanáticos que levaram a cabo este
abjeto e sinistro programa.
E de
onde vem o dinheiro para a publicação dessa folha celerada? É aqui que
entra o papel dos "sapos" franceses. Segundo o correspondente do "ABC",
o diretor do "Idiot International" se chama Jean-Edern Hallier. Ele
acaba de comprar em Paris, por um milhão de Francos novos, nada mais nem
menos do que o palácio dos Duques de Chatillon.
Sempre segundo o sr. Luís Calvo, Hallier, que é filho de um general, é
casado com a herdeira do truste siderúrgico italiano Falck, herdeira de
Giovanni Falck, íntimo de Mussolini.
A
diretora-adjunta do pasquim vandálico é Mlle. Silvina Boissonas, filha
de um influente homem de negócios da H.S.P. (alta sociedade
protestante), Eric Boissonas, e de Silvia Schlumberger, filha de Conrado
Schlumberger, famoso banqueiro protestante ligado à família
Servan-Schreiber. O avô paterno de Silvina Boissonas abandonou a
carreira diplomática para se dedicar a atividades bancárias, e a
negócios de minas e ferrovias. Chama-se Jean Boissonas.
Entre
os acionistas do "Idiot International", informa-nos Luís Calvo, está o
visconde Olivier Soufflot de Magny, proprietário de um castelo na
Bretanha. Figura também entre eles o conde Charles-Henri de
Choiseul-Praslin, genro do magnata Henri de Wondel. Este último dirige a
"Esquerda Proletária", outro órgão do gênero do "Idiot International". O
filho do Marquês de Roux, Emmanuel de Roux, também é acionista do "Idiot
International".
Mas
estas figuras não são as mais importantes. A principal parcela de poder
no "Idiot International" está nas mãos dos mencionados Jean-Edern
Mallier, com castelo na Bretanha e Mlle. Boissonas, cujos pais pertencem
ao famoso grupo das 200 famílias mais importantes da França.
* * *
Por
mais categórica que seja minha censura a certas formas de veraneio
nudístico da burguesia contemporânea (e não só dela, pois o operariado
de certos países europeus, contagiado pelo péssimo exemplo vindo de
cima, veraneia no mesmo estilo), não posso deixar de exprimir aqui o meu
repúdio à propaganda do neobarbarismo feita contra logradouros públicos
e particulares — e no fundo contra a civilização ocidental — por
instigação dessa "saparia", paradoxalmente dona de bancos, castelos e
nomes famosos.
Com
que termos exprimir esse repúdio? Não há termos adequados, quando o asco
é demais.