5 de
julho de 1970
Tirar
aos brasileiros a determinação de resistir
Realizou-se nos primeiros dias do mês passado a cerimônia de
encerramento dos cursos na Escola Nacional de Guerra dos Estados Unidos.
Durante o ato, que foi efetuado no Fort Mchair, o deputado federal
Gerald Ford pronunciou um discurso notável pela lucidez e coragem.
Lucidez e coragem... não sei qual destes predicados é mais raro nos dias
que correm. Pelo simples fato de que possui tais atributos, a oração do
deputado republicano já mereceria uma divulgação bem mais extensa do que
a do pequeno noticiário que lhe deram alguns poucos jornais brasileiros.
E, mais do que um mero noticiário, as palavras de Gerald Ford pedem um
comentário. Pois têm elas uma inegável relação com o atual quadro
psicopolítico brasileiro.
* * *
Comecemos por expor as observações do representante ianque.
Fundamentalmente, se reduzem elas a uma análise do movimento pacifista
norte-americano à luz do princípio de Clausewitz, que comentei em meu
último artigo: o objetivo de uma guerra não é destruir fisicamente o
adversário, mas tirar-lhe a vontade de lutar.
Ora —
pondera o deputado Ford — os sentimentos pacifistas não têm cessado de
crescer no povo norte-americano. Esse fato, habilmente explorado pelos
subversivos e revolucionários, vai transformando esse nobre e simpático
anelo de paz em uma verdadeira fobia de toda e qualquer guerra, por mais
justa e necessária que esta seja. Obviamente, à medida que tal fobia vai
ganhando terreno, vai decrescendo o desejo de resistir ao adversário
externo. Quem com isto lucra é a União Soviética. Nada mais claro. Mas,
perguntará alguém, como podem os subversivos e revolucionários estender
tão largamente a área de influência de seu deteriorado pacifismo?
Sempre preciso e lúcido Ford redargue: é por sua política no Extremo
Oriente que os soviéticos fornecem pretextos para a propaganda pacifista
nos Estados Unidos. Assim, o imperialismo político de russos e chineses
na Indochina não tem apenas o objetivo de incorporar essa vasta e
estratégica região ao mundo comunista, mas também — e principalmente — o
de vencer os Estados Unidos destruindo nestes a vontade de resistir.
A
manobra é simples. Um número cada vez maior de parlamentares e
estudantes norte-americanos vai sendo levado a dar crédito ao boato de
que a guerra no Vietnã e no Camboja resulta apenas da pressão de escusos
interesses financeiros e militares. Daí o exigir-se, naqueles círculos,
uma redução dos gastos militares, sem indagar sequer se deve ser mantido
um limite mínimo para tais gastos. O que os antibelicistas americanos
exigem é, pura e simplesmente, que seus patrícios se recusem a fazer
guerras.
A
eventual vitória desse ponto de vista levaria evidentemente os Estados
Unidos a renunciar à sua situação de potência mundial, pois não pode
exercer uma verdadeira liderança o país — como o indivíduo — que esteja
de antemão resolvido a jamais lutar contra quem quer que seja.
Essa
desclassificação da América do Norte no cenário internacional
acarretaria como conseqüência que a única potência mundial passaria a
ser a União Soviética.
Não é
preciso dizer mais...
* * *
Depois de algumas fortes e judiciosas observações sobre a conduta
irracional dos políticos civis de seu país face à guerra na Indochina,
Ford mostra que, se não fossem os obstáculos criados pelas próprias
autoridades norte-americanas ao normal desenvolvimento das operações
militares, os EUA já teriam vencido. Daí concluímos que o pacifismo "à
outrance" dos ianques é a principal causa da duração da guerra do
Vietnã. E, diante de quadro tão desconcertante, o deputado ianque lança
uma pergunta dramática: "Será que ainda temos a vontade de lutar, de que
falou Clausewitz?". E acrescenta, com um brado de alarma que não vale só
para seu país, mas para o mundo inteiro: "Se não tivermos, a União
Soviética vencerá".
Como
é natural, Ford se mostra um apologista da intervenção de Nixon no
Camboja. Pois ela deu foros de seriedade às anteriores ameaças feitas
pelos Estados Unidos aos imperialistas vermelhos. Pelo menos uma vez,
aquelas ameaças foram seguidas de efeito concreto. Ainda aqui, concordo
com Ford. Pois haverá algo que mais enxovalhe o renome de uma grande
nação, do que o hábito de emitir ameaças que sejam meros golpes de sabre
no ar?
Discurso tão lógico e penetrante não poderia deixar de se elevar à
esfera filosófica. Ford lembra a frase de Stuart Mill: ‘A Guerra é uma
coisa feia, mas não a mais feia das coisas". O congressista concorda com
ela, e vai mais longe. Pois a guerra de legítima defesa, a guerra feita
para preservar valores que devemos prezar mais do que a vida, não só não
é uma "coisa feia", mas, por ser necessária e legítima, é enquanto tal
uma coisa bela.
Mas
haverá valores que merecem o sacrifício de nossa vida? A essa pergunta,
Ford responde acrescentando uma frase lapidar de Stuart Mill: "Um homem
que não tenha nada pelo que ele ache que vale a pena lutar, nada que ele
ame mais que a sua própria segurança pessoal, é uma criatura miserável".
Frase, comento eu, que encontra todo o seu fundamento nas verdades
sobrenaturais que há dois mil anos a Igreja ensina.
* * *
Qual
a relação de toda essa problemática com o Brasil?
Os
subversivos, que nestas bandas atuam, têm exatamente a mesma ideologia
do que a dos seus congêneres americanos. Pacifistas no campo
internacional — face à investida russa, chinesa e cubana — são eles,
paradoxalmente, ultra-agressivos na política interna. Estão neste caso
os que organizam a subversão à mão armada. E também os que organizam
"pressões" incruentas a fim de arrastar o Brasil — pelo caminho das
"reformas de base" socialistas — até o comunismo. Quanto a este segundo
tipo de subversivos, basta lembrar dom Helder.
Ora,
assim como o efeito da subversão norte-americana é tirar ao povo a
vontade de lutar, uma observação dos fatos — superficial embora — mostra
à saciedade que a meta da subversão brasileira é a mesma: tirar aos
brasileiros a deliberação de resistir. De resistir ao inimigo interno,
que procura parecer invencível por sua audácia e destreza. De resistir
ao inimigo externo, que — para vantagem da causa comunista — os
imprevistos da política podem levantar a qualquer momento contra nós.
É
esta a preciosa lição que das palavras proferidas na América do Norte
por Gerald Ford podem tirar os brasileiros.
Pois, cá e lá, más fadas há.