Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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26 de julho de 1970

Rumo firme, na nau da indecisão

Estudei em meu último artigo a psicologia do pedecista [adepto do PDC, Partido Democrata Cristão]. Entretanto, não cheguei ao termo do assunto, que — no gênero — é dos mais vastos.

Dos mais vastos, sim, por ser dos mais complexos. E dos mais complexos porque os traços essenciais da psicologia do pedecista resultam de uma fundamental e crônica indecisão, tanto de temperamento como de feitio intelectual. Ora, nada há de mais complexo do que a indecisão...

Assim, prossigo hoje no assunto.

* * *

Antes de mais nada, deixo claro que não tenho em vista, aqui, nenhum pedecista em concreto. Esta análise perderia todo o seu interesse se restringisse seu campo a um mero indivíduo. Descrevo os pedecistas "in genere", isto é, apresento uns tantos traços psicológicos que todos têm em comum, e que deles fazem uma corrente espiritual, uma família de almas, antes mesmo de serem — como são — uma corrente política. Por isto mesmo, o que aqui escrevo sobre os pedecistas se refere imediatamente aos do Brasil, mas seria analogamente aplicável aos da Íbero-América ou da Europa. Excetuo do quadro, e ainda assim em alguma medida, os democristãos da Alemanha. Creio supérfluo acrescentar que, ao fazer a descrição da psicologia da generalidade dos pedecistas, não me esqueço que alguns deles haverá que se encaixam mal no quadro. Como é bem sabido, nas coletividades numerosas há sempre pessoas que exorbitam da regra geral.

* * *

O que faz do pedecista um indeciso, é uma fundamental carência de energia para optar.

Todos nós carregamos na alma, desde o início, o duro ônus de uma cisão. Sim, desta grande cisão fundamental que caracteriza nossos tempos de transição, de crise, de tragédia. Vivem em nós os vestígios de dois mil anos de tradição cristã, em luta com 500 anos de crise religiosa, moral, cultural, política, social e econômica. Desde Lutero até nossos dias — passando pela Revolução Francesa — essa crise se vem tornando sempre mais acentuada. E a manifestação mais aguda dela está na antítese catolicismo-comunismo.

Sentindo dentro de si o drama dessa cisão, os espíritos coerentes compreendem a necessidade de resolver a tensão interior em que vivem, por meio de uma solução lógica. Se a verdade está com o comunismo, é preciso adotá-lo e levá-lo até suas últimas conseqüências lógicas. Se a verdade está com a Religião Católica, é preciso abraçá-la e levá-la às suas últimas conseqüências lógicas.

Diante da necessidade dessa opção fundamental e completa, que exige — é óbvio — todo um longo esforço ordenativo interior, há um gênero de almas que se arrepia e recua. Esse recuo contém uma recusa. É a recusa de ir ao fundo das coisas, de reconhecer a grande crise ideológica de nossos dias, e de tomar posição na arena a favor de um dos dois estandartes opostos.

As razões desse arrepio, desse recuo, dessa recusa? — São incontáveis. Em alguns, é uma elementar inapetência de certezas: preferem, por instinto, o vago, o indefinido, o mais-ou-menos. Em outros, é a preguiça de lutar: ter certezas arrasta à pugna; logo, é mais cômodo viver na incerteza. Outros, enfim, de alma leviana e caprichosa, sentem simultânea apetência de Jesus Cristo e de Marx. E nem querem renunciar a Jesus Cristo quando aplaudem Marx, nem renunciar a Marx quando dobram os joelhos diante de Jesus Cristo.

Estes múltiplos fatores, embora se distingam em tese, na prática não se excluem, e até freqüentemente se somam. Deles resulta, de um lado, uma antipatia profunda — eu talvez melhor dissesse, um remorso agressivo — em relação aos espíritos ordenados, dinâmicos e coerentes. E do outro lado, uma rejeição de toda solução inteiramente lógica para os problemas atuais.

O essencial, para essa família de almas — a lógica não consiste em encontrar um caminho reto e coerente, rumo a uma verdade a proclamar, um bem a defender, um erro a refutar ou um mal a punir.

O essencial para ela é encontrar pretextos que a "justifiquem". Move-a o desejo de conservar o "status quo" entre os termos contraditórios, de evitar a luta, o entrechoque, o drama. O essencial é a paz.

Essa paz, ela não a concebe como a tranqüilidade baseada na ordem, e a ordem baseada na coerência. Entende-a como a estagnação resultante do cambalacho entre teses inconciliáveis, da adoção dos programas ditos "intermediários", cujo supremo escopo é contentar todo o mundo. Disparate tão grande como o dos passageiros de um navio em tormenta, os quais, estando em desacordo quanto ao roteiro para chegar ao porto aceitassem um rumo intermediário, a respeito do qual uns e outros sabem que certamente não conduzirá a lugar nenhum. E isto por horror a tirar as coisas a limpo, a ser lógico, a discutir, a optar...

Como veriam os passageiros dessa nau — chamemo-la nau do meio termo — aos defensores de uma rota objetiva e lógica? — É claro que os qualificariam de cerebrinos, insensatos, fanáticos e intransigentes. De perturbadores da harmonia geral na vida de bordo. De desmancha-prazeres. — Como seria cômodo, sem eles, o convívio quotidiano, na nau do meio termo!

É exatamente o que pensa o demo-cristão genuíno, do membro da TFP: como seria cômoda a vida sem esses desmancha-prazeres...

Segundo a mentalidade desses idólatras do cambalacho, a solução para a cisão interior do homem contemporâneo, e para as lutas dela oriundas, seria muito fácil. Pois consistiria só em fazer-se um acordo com os comunistas. Não com os comunistas intransigentes, é claro. Mas com os acomodatícios. Tratar-se-ia de aceitar certas concessões ao comunismo. Mas desde que não chegassem ao comunismo total. Fazer desde logo, por exemplo, uma reforma agrária bem socialista e bem confiscatória. Aquietar assim os comunistas, adormecê-los, e salvar a propriedade urbana e a empresarial. Isto renderia algum tempo de sossego. Quando os comunistas acordassem do letargo e fizessem novas exigências, ceder-se-ia mais algum tanto: a metade, mais ou menos, do que pedissem. Sobreviria novo letargo.

E assim por diante. Pouco importa, a tal gente, se a reforma agrária socialista e confiscatória é justa ou injusta. Se ela favorece ou impede a prosperidade. Estes são problemas que interessam só aos “lógicos”. Para os amigos do letargo, só há um valor verdadeiramente supremo: conservar o letargo.

* * *

É bem esta a mentalidade pedecista (e portanto progressista)? — É bem isto.

Porém, não só isto. Quer o leitor uma prova? — Dou-a nesta pergunta: em relação à TFP, a posição do pedecista é idêntica à que ele toma face ao comunismo? Prega o pedecista a conciliação, a brandura, o meio termo em relação a nós? Ou, pelo contrário, se enfurece conosco, move-nos a todo momento uma guerrilha de sarcasmos, de suspeitas, de "tracasseries" [incômodos de toda sorte causados por motivos fúteis]?

Aprofundemos este ponto pois ele nos conduzirá a uma conclusão curiosa sobre o verdadeiro conteúdo da indecisão pedecista: é que esta inclui uma profunda decisão — por vezes subconsciente — de caminhar para a esquerda.

Em outros termos, veremos que a indecisão inicial do pedecista o conduz a uma decisão: a de rumar para a esquerda, sem o confessar aos outros... e muitas vezes nem para si mesmo!

Veremos, no próximo artigo, como isto se passa.

Nota: Os negritos são deste site.


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