Folha de S. Paulo,
7 de
junho de 1970
Claro
como água
Do
sr. Juan Gonzalo Larraín Campbell, diretor da Sociedade Chilena de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade, recebi uma carta datada de 23
de maio último. Considero-a digna de toda a atenção do público
brasileiro. É, pois, com satisfação que a publico.
"Realizando uma viagem por este país, que tanto admiro não só pela
beleza natural de seu território, mas especialmente devido às qualidades
de espírito que distinguem o povo desta imensa nação, estou atualmente
me beneficiando do alto nível científico brasileiro mediante um
tratamento médico na Beneficência Portuguesa, desta capital.
"Como
diretor da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade, escrevo-lhe esta carta para esclarecer o público deste
país, tão querido no Chile, a respeito de uma notícia, com certeza
proveniente de alguma agência internacional, em que se dá uma visão
inexata da ação da mencionada entidade.
"Com
efeito, no dia 15 do corrente, li em "O Estado de São Paulo" notícia na
qual se afirmava que a violência continua perturbando a campanha
eleitoral chilena, e que os extremistas de direita e de esquerda
escolheram o terror como arma favorita. Após apresentar o Movimento de
Esquerda Revolucionária (MIR), de tendência castrista, como a
organização comunista mais atuante do país, acrescentava a notícia: "Os
extremistas de direita têm no movimento "Fiducia" — Sociedade Chilena de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade — uma das mais ativas
organizações de luta. Estas duas ofensivas têm uma base comum: a
exasperação do povo". E adiante vem a insinuação de que a TFP chilena
seria a responsável pela ação dos fazendeiros refratários à Reforma
Agrária, que, segundo consta, provocaram o incidente durante o qual
morreu o sr. Hernán Mery, funcionário da Corporação da Reforma Agrária.
"A
respeito, quero esclarecer-lhe o seguinte:
"1 —
O modo de atuar da TFP chilena tem sido sempre dentro da mais inteira
conformidade com a lei. Sua ação é de caráter nitidamente ideológico
manifestando-se abertamente junto à opinião pública, em numerosas
campanhas, seja de vendas da revista ‘Fiducia’, seja de distribuição de
manifestos ou de coleta de assinatura. A ação da TFP, ao contrário do
que diz a informação, tem sido sempre pacífica e feita segundo meios
estritamente legais. E isto se tornou particularmente evidente agora,
nas vésperas das eleições presidenciais. Nesta conjuntura, qualquer ato
violento só pode favorecer a implantação de alguma ditadura esquerdista
(disfarçada ou não com algum verniz direitista). Para obviar isto, que
reputamos uma calamidade, nós, da TFP de meu país, publicamos um
manifesto no jornal ‘El Mercurio’, de 11 de abril último, no qual
afirmamos: "...Para isso lhes pede que, em tudo que se relacione com as
próximas eleições, observem particular e escrupuloso acatamento das leis
e contribuam para manter um clima de tranqüilidade e ordem, de modo a
evitar até o simples pretexto de suspender as próximas eleições".
Ademais, numa recente campanha publicitária contra o recrudescimento da
agitação terrorista, a TFP fez um apelo à opinião pública para abster-se
de toda espécie de violências, a fim de negar pretexto para uma eventual
ditadura, a qual — diga-se de passagem — agravaria, no dizer do ‘El
Diário Ilustrado’, de 26 de abril último, o socialismo rural
confiscatório que infelicita meu país.
"2 —
É de todo em todo irreal que a TFP chilena tenha tido qualquer
intervenção na morte do sr. Hernán Mery, funcionário da Corporação de
Reforma Agrária, como o insinua a informação publicada pelo citado
matutino paulista.
A
imprensa chilena nada afirmou nem insinuou a este respeito. Ela noticiou
que a morte foi simplesmente causada por um camponês da fazenda
expropriada, o qual não aceitava a aplicação da Reforma Agrária do
governo Frei. Para evidenciar ainda mais ante a opinião pública do
Brasil, a ação inteiramente legal da TFP chilena, basta analisar qual
foi o comportamento dela em face da desapropriação da fazenda do sr.
Patricio Larrain Bustamante, meu parente e presidente do Conselho
Nacional daquela entidade. O sr. Larraín era proprietário de 79 hectares
no vale de Curacavi a 60 Km de Santiago. Tinha ele o apoio público de
mais de 800 trabalhadores agrícolas da zona pedindo que suas terras não
fossem desapropriadas. O governo democrata-cristão, sem dar ouvidos a
esta petição, e violando as mais elementares leis da justiça,
desapropriou, a preço vil, esta fazenda, reconhecidamente bem explorada
e que pertencia a um de seus maiores adversários. A TFP não teve, nesta
ocasião, a menor reação violenta.
"3 —
É gravemente tendencioso comparar a atitude do Movimento de Esquerda
Revolucionário (MIR) com a TFP. Aquele é um movimento conhecido como
terrorista, castrista, e cujos cabeças são responsabilizados pela
polícia como autores de assaltos a bancos, a estabelecimentos comerciais
e outros delitos. Em numerosas campanhas de rua da TFP, nossos
militantes têm sido várias vezes atacados violentamente pelos elementos
do MIR e do Partido Comunista. Estes organismos usam, com o maior
descaramento, armas cortantes e contundentes para eliminar aqueles que,
valente e pacificamente, querem salvar o Chile de um regime vermelho.
Assim, nestes ataques ficaram seriamente feridos membros do Conselho
Nacional e sócios da TFP chilena.
"Prezado Dr. Plinio: uma acusação pode ser feita em poucas palavras; a
necessidade impõe, quase sempre, que a defesa seja longa. Peço-lhe que
desculpe a extensão da carta e que a divulgue no prestigioso matutino em
que sai sua brilhante colaboração.
"Agradecendo de antemão, subscrevo-me, atenciosamente, Juan Gonzalo
Larraín Campbell".