Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

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Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 21 de junho de 1970

O inconformismo, esse conformismo submisso

Quem tem olhos para ler e ouvidos para ouvir, a todo momento se depara hoje com a palavra "inconformismo". Procurei analisar o significado novo ao qual esse raríssimo vocábulo deve tanta voga. Sem maiores pretensões, e movido apenas pelo gosto de conversar um pouco com os leitores, entrego-lhes aqui os resultados a que cheguei.

* * *

Para conhecer o que se chama hoje de "inconformismo", comecemos por enumerar algumas atitudes tipicamente "inconformistas".

Há dois estilos ou dois graus de "inconformismo", o radical e o "moderado". Ou, se preferirem os leitores, o "inconformismo" "de amanhã" e o "de hoje". Só tratarei aqui do radical, do "de amanhã". Talvez escreva, de futuro, sobre o "inconformismo" aguado "de hoje".

O nudista, o "hippye", o sequestrador, o subversivo, o contestatário, cada um é, a seu modo, um inconformado com a sociedade de hoje. Mais especialmente, sua recusa incide sobre os costumes, os estilos e as máximas admitidas em geral pelos que têm em mãos alguma parcela de mando: pais, professores, patrões, magistrados, oficiais etc.

A acusação do "inconformista" contra todos esses líderes é de "imobilismo": eles quereriam impor à mocidade a estabilidade total de tudo quanto existe. Ou, pelo menos, só tolerariam transformações de uma lentidão exasperante. Por isto, os "inconformistas" — que representariam o futuro em luta contra o presente — se sentem no dever de pôr em movimento esses líderes, mais ou menos como se poriam em marcha uma tropa de burros empacados; isto é, com imprecações, chicotadas, e outras sevícias. E se os líderes não se movem submissamente, rapidamente, e a sorrir, os "inconformistas" recorrem sôfregos a outra solução. É a demolição radical das lideranças.

O escândalo é outro recurso dos "inconformistas". Não serve ele tanto para abalar líderes e lideranças, quanto para empurrar "prá frente" coletividades ou grupos sociais que os "inconformistas" consideram "estagnados". Se um restaurante de luxo é freqüentado por uma clientela conservadora e rigorista, para destruir o "conformismo" desse grupo social é útil introduzir nele alguns "habitués" que se ponham a comer "desinibidamente" em mangas de camisa, dando gargalhadonas botequineiras, exclamando palavrões e daí para fora. Se em uma cidade ainda se respeitam alguns princípios morais, o escândalo, arrebentando como petardo, pode produzir facilmente a grande derrocada: é só incumbir alguns e algumas jovens de passear "desinibidamente" pelas ruas centrais em trajes mais ou menos adamíticos. Se as autoridades universitárias ainda gozam de prestígio junto à "maioria silenciosa" de alguma Faculdade, é só entornar sobre a cabeça venerável do diretor uma lata de lixo (como se sabe, o caso se deu há pouco na França...), e assim por diante.

Desencadeada a ofensiva do "inconformismo" pelo chicoteamento ou pela derrubada dos líderes, estourado por todos os lados o bombardeio dos escândalos, a maior parte dos meios de publicidade — imprensa, rádio e televisão — se apoderam do assunto... para dar grande destaque às proezas dos "inconformistas". Assim, os protagonistas desses atos de agressão social se tornam imediatamente célebres. Tudo concorre para sua glória. Os aplausos que recebem de minorias frenéticas, os elevam aos olhos destes à categoria de super-homens. As críticas da maioria "conformista" — geralmente feitas, entretanto, com timidez, inabilidade e escassa inteligência — lhes servem de pretexto para figurar como vítimas e heróis. Passam eles por pessoas corajosas, que, para afirmarem suas convicções, arrostam oposições de figurões importantes.

Super-homens, sim, e heróis, não só por tudo isto como também porque vencedores. A imensa publicidade que lhes dá cobertura insinua que o "inconformista" é um vanguardeiro. Que ele capta em torno de si, condensa em si, e proclama com energia os anseios ainda nebulosos e comprimidos, mas em crescente fermentação, de imensas multidões de descontentes. O que hoje o "inconformista" proclama em um frêmito de revolta, amanhã será vitoriosamente admitido por todos. Ao encalço do "inconformista" marcha a vitória. O "inconformista" é o arauto do dia de amanhã.

Como se vê, o papel é dos mais convidativos para toda a casta de ambiciosos. E isto tanto mais quanto o esforço que se lhes pede é fácil. Pois para fazer sucesso na pista do "inconformismo" basta a qualquer um ser ou fazer-se de estourado. Trabalho, estudo, aplicação, método, tudo isto foi "superado" nas áreas do "inconformismo". É suficiente que cada qual ponha bem à mostra qualquer parcela de extravagância, ou até de desequilíbrio que lhe ande na alma, e que toque a vida. O sucesso não tardará.

* * *

Nessa atmosfera publicitária, qual o papel de quem não consinta, resignada e submissamente, em fazer-se de "inconformista"? As sanções publicitárias estão preparadas para ele...

Antes de tudo, passará por um indivíduo ranheta, intolerante, azedo. Além disto, dir-se-á que seu espírito é estreito, pouco arejado, atrasado. Por fim, decretar-se-á que ele é um sensaborão. O necessário para que o vazio se faça em torno dele, a penumbra o envolva como um cárcere, e o insucesso seja o seu quinhão na vida.

* * *

Em outros termos, há uma onda prodigiosa de propaganda escrita ou falada, que premeia largamente com todos os bens da terra, os "inconformistas".

A mesma onda submerge no ridículo, ou no anonimato, e por fim, aniquila os que, aferrando-se à lógica, à decência e ao bom senso, contra ela reagem.

Por pouco que se observe, ver-se-á que, na torrente dos "inconformistas", há muita e muita gente que se deixa levar, sem muita convicção nem muito entusiasmo, na esperança de coruscantes vantagens, e sobretudo no pânico de duras sanções. E que é preciso ser muito altaneiro, muito independente, muito corajoso, para opor-se alguém a essa onda.

Isto dito, pergunto o que é — para incontáveis "inconformistas" — o "inconformismo"? No fundo, é a conformidade submissa com a onda. E o que é chamado "conformismo"? É, muitas e muitas vezes, a inconformidade altiva contra essa mesmíssima onda.

Os termos estão, pois, trocados. E então chegamos a este paradoxo, talvez o mais aberrante de nosso século: os "inconformistas" não passam, em geral, de monótonos e submissos "conformistas". Os verdadeiros "inconformistas" são os que o linguajar dos que estão "para frente" e "no vento" qualificam de "conformistas"..., os que têm a coragem de erguer a cabeça e enfrentar o tufão.


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