Folha de S. Paulo,
14 de
junho de 1970
E
Nossa Senhora sorrirá ao Brasil
Começo por apresentar alguns "flashes" do ocorrido diante do oratório de
Nossa Senhora da Conceição, ao longo do
mês de vigília noturna ali
realizado pelos sócios e militantes da TFP.
A
prece dos transeuntes.
Tornou-se ela naturalmente mais intensa ao longo do mês. Foi comum ver
famílias inteiras de rosário em punho, acompanhando as preces dos
encarregados da vigília. Nos dias de semana, o afluxo era especialmente
intenso das 18 às 21h30. Aos sábados e domingos, nas mais variadas
horas, chegavam famílias inteiras caminhando a pé ou ocupando
automóveis. Tinham algo a dizer, a pedir ou a agradecer a Nossa Senhora.
A
prece do lixeiro. Passa um carro de lixo. Dele salta um jovem coletor,
recolhe o lixo e se dirige de volta ao carro. Em frente ao oratório,
olha e se detém enlevado, com a lata cheia em uma das mãos. Reza. O
carro de lixo, enquanto isto, vai descendo. De longe, os companheiros o
chamam aos brados. Ele interrompe a prece, cumprimenta com afeto os
jovens da TFP, e desata na corrida, até alcançar o carro. Do alto do
Céu, a Rainha Imaculada sorri enternecida.
A vez
dos encanadores. Produziu-se uma ruptura da canalização de água, próximo
ao oratório. É noite alta. Dois encanadores terminam o conserto e vão
rezar junto à imagem. Um militante lhes oferece rosas do oratório. Ambos
as recebem com respeito, osculam e guardam. Depois se retiram. Nossa
Senhora também sorri.
Também o engraxate. É um menino. Traz às costas sua caixa de trabalho.
Recolhe-se em silêncio, oferece à virgem o que lhe vai na alma. Ao sair,
oscula uma das flores do oratório. E ela do alto do Céu, também sorri...
O
entregadorzinho se recolhe. Chega com o carrinho trazendo mercadoria a
distribuir. Pára e reza. Tão recolhido está que uma senhora, a qual
também rezava diante do oratório, comovida, lhe afaga a cabeça. Ele abre
um instante os olhos, e os fecha de novo. O recolhimento continua. Nossa
Senhora, do alto do Céu, sorri...
Passa
a radiopatrulha, dois guardas se descobrem dentro do carro, rezam
rapidamente, e continuam em sua arriscada e nobre faina. E Nossa Senhora
sorri.
Reza
a TV. Atores de uma TV fazem uma novena. Todos os dias trazem dois
botões de rosas. E Nossa Senhora também sorri.
De
Diadema chega uma senhora: veio para rezar. Flores há que vêm de bem
mais longe, de Fortaleza, por exemplo, e mesmo de Buenos Aires. E a Mãe
de todo o carinho sorri.
Uma
Rolls Royce imponente também pára. Dela desce uma senhora distinta e
coloca um botão de rosa no vaso de flores. Depois desfia com piedade as
contas de seu terço. Nossa Senhora sorri.
Galaxies, Impalas, outros carros de categoria também param, e deles
descem os abastados ou os ricos. Vêm dizer à Virgem as aflições que não
faltam nem a pobres nem a ricos. Rezam. E a Mãe de Deus sorri...
Os
aflitos, sim, os especialmente aflitos fazem preces que são, mais do que
gemidos, verdadeiros gritos de dor. Menciono apenas o de uma mãe: "Nossa
Senhora, que veja meu filho!" Quanta aflição estas simples palavras
exprimem! Outra senhora chora. Depois volta-se para os militantes e lhes
diz: "Como é bom ver rapazes rezando assim. Isso reforça minha Fé."
Seria intérmino narrar todos os fatos congêneres ali ocorridos. O certo,
pois a Fé nô-lo ensina, é que, para cada uma destas lágrimas, Nossa
Senhora tem um maternal sorriso de compaixão.
Ouro,
incenso e mirra, foi o que trouxeram os Reis Magos para o Menino Deus.
Também os dons não faltaram junto ao oratório. Uma coroa de ouro em
filigrana. Uma auréola em metal prateado. Três flores de prata. Mais um
ramo de prata com duas flores do mesmo metal. Dois anéis. Uma pena de
ouro. Um terço de prata. Tudo exprimindo amor, reverência, esperança e
contrição: isto é, as disposições de alma que o ouro, o incenso e a
mirra simbolizam. Como não haveria de sorrir a isto a Virgem?
O
comentário do Iscariotes. Judas rosnou. Como na ocasião em que protestou
contra a Madalena, que derramava perfumes sobre os pés divinos: "O
dinheiro gasto com isto não seria preferível que fosse dado em esmolas?"
Mas ninguém, junto ao oratório, deu atenção ao murmúrio soez.
Os
Anjos cantam. Sim. Os anjos cantaram e a Virgem sorriu com ternura
particular quando Sacerdotes e Religiosas se acercaram do oratório para
rezar. E especialmente quando uma Religiosa ofereceu uma rosa dourada
para reparar o insulto que fizera outra freira, esta do gênero "prá
frente" e "no vento". Ou quando outra Religiosa ofereceu o resplendor de
que falei. E quando, enfim, em um delicado gesto de Mãe, uma Religiosa
nos ofereceu dois genuflexórios bem estofados para mitigar o cansaço dos
militantes durante a vigília. Quem será capaz de exprimir o sorriso
especialíssimo da Virgem para as almas eleitas que se consagram a seu
Divino Filho, e se mantém fiéis à sua consagração?
Rosários no hospital. O padre Afonso Rodrigues, S.J., deu à TFP 240
terços. Foram eles distribuídos no hospital do pênfigo foliaceo por
militantes da TFP. Nossa Senhora sorri.
Os
"corajosos". A coragem do ímpio é fanfarrônica e covarde. Por vezes
passavam pessoas de automóvel, acelerando o motor justamente diante do
oratório, a fim de produzir barulho. Uma delas estourou junto ao povo um
projétil junino de grande estampido. Outra atirou no meio do povo uma
bomba junina, das de maior potência, que felizmente não atingiu o alvo e
explodiu uns metros adiante. Algumas davam em coro gargalhadas
estrepitosas. Outras gritavam blasfêmias ou ultrajes. É fácil ter
coragem assim quando se passa em alta velocidade. O povo chama este tipo
de "coragem", de covardia. Mas ninguém — nem povo, nem sócios ou
militantes da TFP — dava atenção. Continuavam todos a rezar. E Nossa
Senhora sorria a este sobranceiro e cavalheiresco desdém.
O
sorriso da Virgem Imaculada se fez sentir com particular intensidade na
festa do encerramento. Os estandartes rubros, as capas e as flâmulas dos
da TFP, as harmonias do nosso Coro São Pio X, as flores incontáveis —
mandadas todas pelo povo, e que transbordavam do oratório para a rua — a
massa de famílias que enchia as imediações, o louvor que se desprendia
dessa oração em conjunto, de religiosos e fiéis, a primorosa alocução do
grande bispo de Campos, dom Mayer, sobre a Mediação Universal de Nossa
Senhora, tudo isto constituiu em seu conjunto, uma festa ao mesmo tempo
recolhida e pública, nobre e popular, que impressionou a fundo.
Terminado o ato, ninguém queria sair. É que, no fundo das almas, Nossa
Senhora sorria.
* * *
Haveria temeridade em afirmar que a Virgem sorriu especialmente quando,
falando de público em nome dos demais militantes, o jovem acadêmico de
Direito Valdir Trivelatto me pediu que por todo o sempre as vigílias
continuassem? Não creio. Pedido tão generoso não pode ter deixado de
comprazer à Virgem.
Pedido generoso, sim. Generoso demais. Como conciliá-lo com a faina dos
estudos, do trabalho, da atuação na TFP? Aceitei a proposta só em parte.
As vigílias continuarão, mas só até a noite de 6 para 7 de setembro.
Nessa
noite, a imagem de Nossa Senhora da Conceição será levada ao Monumento
do Ipiranga, e na vigília da festa da Independência ali passaremos à
noite a orar pelo Brasil.
Estou
certo de que logo que Dom Pedro I proclamou a Independência e o Brasil
surgiu como nação soberana, Nossa Senhora deu a nosso País sua primeira
benção e seu primeiro sorriso.
Estou
certo de que Nossa Senhora da Conceição sorrirá em 7 de setembro para
nós e todos os que conosco ali rezarem.
Pois
lhe pediremos que o Brasil saiba corresponder aos mil sorrisos de sua
maternal dadivosidade, e que Ela jamais, e jamais, deixe de rezar pelo
Brasil.
E
creio que Ela atenderá nossa prece e continuará a sorrir para o
Brasil...
Nota: Os negritos são deste site.