Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 24 de maio de 1970

A bengala e a laranja

Imagine o leitor que alguém lhe impusesse a tarefa de escrever um artigo, provando que uma laranja e uma bengala são objetos diferentes. Tal diferença, à força de ser óbvia, é indemonstrável. Para quem possui visão normal, é só abrir os olhos e ver. Para quem não tem, do que adianta argumentar?

A insistência de certos setores em qualificar a TFP de nazi-fascista me põe na contingência de provar, mais uma vez, que o nazi-fascismo está no ponto antípoda da entidade que tenho a honra de presidir. O que é exatamente tão embaraçoso quanto demonstrar que uma laranja não é uma bengala.

Escritas estas linhas, penitencio-me delas. Pois a exasperação que denunciam não está de acordo com a infatigável cortesia que o trato com a opinião pública (e até com certos setores recalcitrantes dela) exige. E, feito o ato de penitência, entro no assunto.

Logo de início, entretanto, outro embaraço se põe em meu caminho. É que tantas são as diferenças entre uma laranja e uma bengala, que sobre elas se poderia escrever toda uma pequena enciclopédia. Do mesmo modo, entre o nazi-fascismo e a TFP. Como, então, resumir o assunto em um artigo de jornal? A única solução está em dar só alguns dos mil pontos de discrepância que existem entre esta e aquele. E assim mesmo, esquematicamente.

1. Fundamentos doutrinários — o nazismo se inspirava — como o comunismo aliás — no panteísmo de Hegel, completado pelas elucubrações geopolíticas de Haushofer e pelo racismo de Rosenberg. O fascismo se baseava no pensamento filosófico de Croce e Gentile, o qual também remontava a Hegel.

Como é natural, os erros de ambas as doutrinas foram condenados por Pio XI: os do fascismo na Encíclica "Non abbiamo bisogno", e os do nazismo na Encíclica "Mit brennender sorge".

A TFP adere inteiramente à doutrina social católica, e portanto aos pressupostos teológicos e filosóficos sem os quais esta não teria sentido. Nada de mais oposto ao pensamento da TFP do que o hegelianismo. Quanto ao racismo, basta ver agindo em rua nossos militantes brancos, pretos e amarelos, para concluir que recusamos de todo em todo a discriminação racial e as doutrinas pagãs de Rosenberg. Como pode então a TFP ser tachada de nazi-fascista?

2. Métodos de ação — Tanto o nazismo quanto o fascismo promoviam um verdadeiro culto da violência. A brutalidade de seus métodos, baseada na doutrina berrantemente anticristã de Nietzche, se tornou legendária.

A TFP jamais usou da violência. Seu método único e exclusivo é a persuasão, por meio da ação ideológica. Há algo de mais diverso do nazi-fascismo?

As repetidas agressões físicas e ameaças de terroristas e comuno-progressistas contra a TFP têm forçado nossos sócios e militantes a se defenderem com as táticas da defesa pessoal. Isto é nazi-fascismo? São então nazi-fascistas todos os cidadãos que, em inteira conformidade com a lei, aprendem ou ensinam defesa pessoal?

O mesmo motivo tem levado a TFP — a conselho da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo — a requerer porte de armas para alguns sócios ou militantes mais visados. Todo cidadão que requer porte de arma por se sentir ameaçado é nazi-fascista?

Ainda o mesmo motivo tem levado a TFP — sempre a conselho da Secretaria da Segurança — a ter um serviço de vigilância noturna em suas sedes. Isto é nazi-fascismo? São então nazi-fascistas os diretores de bancos que promovem — e com quanta amplidão de meios — a defesa de seus estabelecimentos?

É nazi-fascista o governo federal que — segundo li em um jornal — acaba até de autorizar os bancos do distrito Federal a terem guarda paramilitar?

Em última análise, é nazi-fascismo exercer o direito de legítima defesa? É nazi-fascismo postar à noite um jovem, munido de uma arma com porte legal, para defender contra um covarde atentado noturno seus companheiros que dormem? O que seria no caso um absurdo: ter o vigia? Eu penso que seria não o ter.

3. Concepção do Estado — Para o nazismo e o fascismo - coerentes com sua ideologia panteísta — o indivíduo não é nada. E o Estado é tudo. Daí o caráter dirigista, socialista e totalitário de um e de outro. Todo o dinamismo do corpo social lhe vem de fora para dentro e de cima para baixo. Ou seja do poder para a massa amorfa dos súditos. O Führer ou o Duce, encarnação do Estado, decide tudo com base em comissões de tecnocratas. O povo é movido a golpes de decretos-lei, e para os descontentes há a perseguição, as sevícias e a morte.

Fiel às encíclicas, a TFP proclama os princípios da organicidade social e da subsidiariedade. E nada há de mais antitotalitário do que estes princípios.

O Estado, a província, o município, a família, as demais instituições privadas formam uma hierarquia harmônica de poderes, que deve dirigir o indivíduo segundo o princípio de subsidiariedade.

Segundo tal princípio, deve ser deixado a cada indivíduo toda liberdade, exceto a do mal.

Dentro deste amplíssimo círculo de movimentos, a família só deve intervir na vida do indivíduo para o apoiar, nos casos em que ele não se baste a si próprio. E assim o município com a família. A província com o município. E o Estado com a província. Como se vê, segundo este princípio, a liberdade e a autoridade se aliam maravilhosamente. E a ditadura é uma camisa de força injusta e asfixiante.

Quanto ao princípio da organicidade, é ele de algum modo um corolário do de subsidiariedade. O impulso vital do país tem de vir de dentro para fora e de baixo para cima. E não apenas de fora para dentro e de cima para baixo. Os usos e costumes legítimos do povo devem ter força de lei. Cada grupo social deve mover-se com a vitalidade proveniente de seus componentes. E cada escalão do poder civil deve ser vivificado pela seiva vinda dos escalões inferiores. Isto enriquece e completa, de modo insubstituível, a ação específica do aparelho governamental.

Há algo de mais diverso do dirigismo e do "chefismo" nazi-facista?

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Que a TFP assim pense, está documentado nos numerosos livros tão largamente difundidos por ela, no mensário de cultura "Catolicismo", e em meus artigos para a imprensa diária.

Mais. Já escrevi, e repito, que os dirigentes da TFP têm atrás de si um longo passado de luta antinazi-fascista, que a seu tempo envolveu também o integralismo. Também isto é coisa muito conhecida. Quem, entretanto, queira provas, poderá ler a coleção do semanário oficioso da arquidiocese de São Paulo, "Legionário", nos anos 1935 a 1943, em que o dirigi. Tenho essa coleção à disposição de qualquer curioso.

* * *

Por que então havemos de ser nazi-fascistas? Porque temos estandarte? Quantas entidades por este mundo afora os têm. Por que nossos jovens, em propaganda nas ruas, usam uma capa? É um recurso análogo aos de certas propagandas comerciais moderníssimas. Depois, os nazistas e fascistas usavam camisas características, e não capas. Pergunto se capa é camisa. E se o uso de camisa típica fosse prova provada de que alguém é nazi-fascista, então seria preciso concluir que os clubes de futebol são nazi-fascistas.

Nada de mais vão, pois, do que a tentativa de indispor a TFP com o povo, alcunhando-a de nazi-fascista.

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Perdoe o leitor a possível insipidez do artigo. Mas como escrever de um modo interessante coisas interessantes, para provar que bengala não é laranja?


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