Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 17 de maio de 1970

"Cumprimentos à senhora e seu bom esposo"

Uma carta:

"Dr. Plinio. Não sou o que o senhor chama um "sapo" ou N-A-N-E. Reconheço que algo de uma e outra coisa existe em mim. Não obstante, julgo-me antes de tudo uma leitora imparcial. A tal ponto que, em determinados momentos, percebo que certos laivos da mentalidade da TFP também afloram em mim. Meu marido me disse que a coexistência, em mim destes três aspectos, o do "sapo", do N-A-N-E e da "tefepista" não é imparcialidade: são três parcialidades que se sucedem rotativamente. Mas, quando se trata de mim, ele é que tem duas parcialidades rotativas, uma pró mim e outra contra mim. Fico, portanto, em alguma dúvida se sou mesmo parcial ou não, em face do problema que lhe vou pôr. Mas, enfim, passo ao problema.

"Vejo bem o que a TFP fez contra o progressismo. Poderia o senhor explicar precisamente o que faz ela contra o comunismo? Porque, afinal, o perigo comunista consiste em que há elementos do PC coligados para impor, pela força, o regime de sua preferência. À força, se responde pela força. Então, combater o comunismo é espioná-lo, denunciá-lo, desmantelar suas células e aparelhos, prender os elementos que o constituem etc.

"Se isto é assim, uma organização como a sua, que é puramente cívica, que jamais emprega a força senão em legítima defesa, e age em um plano meramente doutrinário, do que adianta?

"Agradeço-lhe desde já a resposta. Não assino, porque tenho medo das horas de parcialidade má de meu esposo. Em alguma hora da parcialidade boa, lhe contarei tudo."

Respondo, minha leitora, tomando a defesa de seu marido. A senhora o julga mal. Pois, quem quer que ele seja, e por piores que sejam suas horas de parcialidade má, ele não poderia deixar de apreciar sua carta, nela sentindo quanto há de leveza de alma e de estilo.

Já que a senhora é, para mim, uma anônima, serei franco em minha resposta. Vejo em seu feitio de alma uma contradição singular. Como pode a senhora ter tanto espírito, e contudo reduzir ao mero emprego da força material a solução do problema comunista?

Isto me leva a conjeturar que a senhora tem uma prosa muito agradável, mas, na prática da vida cotidiana, só confia nos métodos fortes. Esboçada essa hipótese, fico a pensar com simpatia no bom do seu marido...

Fui franco. Vou ser esquemático. Pois é limitado o espaço que disponho. Apresentar-lhe-ei três séries de pontos para a reflexão:

1. Para que uma corrente ideológica, seja ela qual for, chegue a impor-se a um país de 90 milhões de habitantes, tem de ser numerosa, ainda que minoritária. Pois com quatro gatos pingados ardendo de febre ideológica, não se consegue dominar 90 milhões de homens.

2. Essa corrente minoritária precisa ser convicta e coesa, senão se dispersará ou se dividirá, antes mesmo de alcançar o poder.

3. Alcançado o poder essa corrente não se manterá nele senão obtiver o apoio mais ou menos definido de uma parcela ainda bem maior (se bem que sempre minoritária da população).

4. Em conseqüência, a força material não é tudo. Ela tem seu papel por vezes imenso, sempre indispensável, jamais suficiente só por si — para as grandes revoluções sociais ou políticas. Além da força material — insisto — é indispensável a persuasão. Esta é que reúne os homens para manusearem as armas, esta é que os mantém dedicados e coesos. Esta é que os torna estáveis no leme.

Negar tudo isto, minha amável e espirituosa leitora, é negar a própria evidência dos fatos.

Agora, permita que entre com outra seqüência de teses:

1. Se o comunismo não vence sem recrutar e unir, e não recruta nem une sem persuadir, quem se empenha em impedir que persuada, muito faz para tornar impossível que ele vença.

2. Persuadir é obra eminentemente ideológica. Pois é fazer aceitar suas próprias idéias por outrem.

3. Isto não se consegue sem uma ação ideológica. Logo, o terreno ideológico em que a TFP se situa é de alta importância na luta anticomunista.

Também isto, minha leitora, é evidente, não acha?

Suporte, por fim, mais uma seqüência de teses, e espero então tê-la persuadido inteiramente:

1. Em um país com a maioria de 95% de católicos, em cada 100 homens que a propaganda comunista aborde, ela encontrará 95 católicos. Que enorme obstáculo para uma seita irreversivelmente materialista e atéia como é a de Marx!

2. Mestra em toda sorte de manejos, a alta direção do comunismo não pode deixar de tentar amolecer e putrefazer tão formidável obstáculo, de preferência a atacá-lo de frente.

3. Amolecer o obstáculo é amolecer o espírito religioso da população, o que se pode conseguir impregnando o ambiente nacional de indiferentismo religioso, de laicismo e de sensualidade. Bastará que a senhora veja, em torno de si, quantas revistas, quantos jornais, quantas emissoras, quantas cátedras, quantas casas de modas e de diversão se entregam a este mister, a senhora compreenderá então a imensidade do proveito que o comunismo aufere com este esforço de penetração velada, implícita, omnipresente, infatigável, que nos atinge a todo momento.

4. Putrefazer o obstáculo é putrefazer a própria Religião. Isto se consegue formando padres e leigos que sonham com uma "Igreja-Nova", na qual se odeie o princípio da autoridade, e qualquer forma de hierarquia. Deus, sim. Mas um Deus-títere, que não impõe mandamentos, não premeia nem castiga: o contrário seria atentatório da dignidade humana. Papa, sim. Mas um Papa-títere, sujeito a um congresso mundial de bispos, padres e leigos eleitos pelo povo. Bispos e párocos, sim. Mas bispos-títeres e párocos-títeres, governados por congressinhos eletivos locais. Pois o Papa, monarca espiritual, tanto quanto o bispo ou o pároco, que governe por um poder vindo de Deus, sem delegação humana atenta contra a dignidade humana.

5. E por que atenta? Porque — segundo os progressistas — para o homem moderno toda e qualquer submissão a toda e qualquer autoridade é sentida como um ultraje.

6. Se esse princípio se toma a sério, também a submissão política, econômica, social e familiar é ultrajante para o homem. De onde, todo progressista sério é necessariamente partidário da sociedade anárquica sonhada por Marx.

7. Se o maior obstáculo ao comunismo é a religião, a melhor auxiliar do comunismo é a seita que tenta levar os católicos a destruir a religião. Esta seita é o progressismo. Portanto, lutando contra o progressismo, a TFP presta um serviço grave e absolutamente indispensável no combate ao comunismo.

"Indispensável" não quer dizer "suficiente só por si". Pois — e nisto tem a senhora toda a razão — sem a força usada segundo a moral e a lei, é quimérico pensar que o comunismo possa ser vencido.

Mais. Não há emprego mais sagrado e mais sublime da força legítima, do que a luta anticomunista.

Isto dito, minha leitora, resta-me só enviar meus cumprimentos à senhora e seu bom esposo...


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