Folha de S. Paulo,
17 de
maio de 1970
"Cumprimentos à senhora e seu bom esposo"
Uma
carta:
"Dr.
Plinio. Não sou o que o senhor chama um "sapo" ou N-A-N-E. Reconheço que
algo de uma e outra coisa existe em mim. Não obstante, julgo-me antes de
tudo uma leitora imparcial. A tal ponto que, em determinados momentos,
percebo que certos laivos da mentalidade da TFP também afloram em mim.
Meu marido me disse que a coexistência, em mim destes três aspectos, o
do "sapo", do N-A-N-E e da "tefepista" não é imparcialidade: são três
parcialidades que se sucedem rotativamente. Mas, quando se trata de mim,
ele é que tem duas parcialidades rotativas, uma pró mim e outra contra
mim. Fico, portanto, em alguma dúvida se sou mesmo parcial ou não, em
face do problema que lhe vou pôr. Mas, enfim, passo ao problema.
"Vejo
bem o que a TFP fez contra o progressismo. Poderia o senhor explicar
precisamente o que faz ela contra o comunismo? Porque, afinal, o perigo
comunista consiste em que há elementos do PC coligados para impor, pela
força, o regime de sua preferência. À força, se responde pela força.
Então, combater o comunismo é espioná-lo, denunciá-lo, desmantelar suas
células e aparelhos, prender os elementos que o constituem etc.
"Se
isto é assim, uma organização como a sua, que é puramente cívica, que
jamais emprega a força senão em legítima defesa, e age em um plano
meramente doutrinário, do que adianta?
"Agradeço-lhe desde já a resposta. Não assino, porque tenho medo das
horas de parcialidade má de meu esposo. Em alguma hora da parcialidade
boa, lhe contarei tudo."
Respondo, minha leitora, tomando a defesa de seu marido. A senhora o
julga mal. Pois, quem quer que ele seja, e por piores que sejam suas
horas de parcialidade má, ele não poderia deixar de apreciar sua carta,
nela sentindo quanto há de leveza de alma e de estilo.
Já
que a senhora é, para mim, uma anônima, serei franco em minha resposta.
Vejo em seu feitio de alma uma contradição singular. Como pode a senhora
ter tanto espírito, e contudo reduzir ao mero emprego da força material
a solução do problema comunista?
Isto
me leva a conjeturar que a senhora tem uma prosa muito agradável, mas,
na prática da vida cotidiana, só confia nos métodos fortes. Esboçada
essa hipótese, fico a pensar com simpatia no bom do seu marido...
Fui
franco. Vou ser esquemático. Pois é limitado o espaço que disponho.
Apresentar-lhe-ei três séries de pontos para a reflexão:
1.
Para que uma corrente ideológica, seja ela qual for, chegue a impor-se a
um país de 90 milhões de habitantes, tem de ser numerosa, ainda que
minoritária. Pois com quatro gatos pingados ardendo de febre ideológica,
não se consegue dominar 90 milhões de homens.
2.
Essa corrente minoritária precisa ser convicta e coesa, senão se
dispersará ou se dividirá, antes mesmo de alcançar o poder.
3.
Alcançado o poder essa corrente não se manterá nele senão obtiver o
apoio mais ou menos definido de uma parcela ainda bem maior (se bem que
sempre minoritária da população).
4. Em
conseqüência, a força material não é tudo. Ela tem seu papel por vezes
imenso, sempre indispensável, jamais suficiente só por si — para as
grandes revoluções sociais ou políticas. Além da força material —
insisto — é indispensável a persuasão. Esta é que reúne os homens para
manusearem as armas, esta é que os mantém dedicados e coesos. Esta é que
os torna estáveis no leme.
Negar
tudo isto, minha amável e espirituosa leitora, é negar a própria
evidência dos fatos.
Agora, permita que entre com outra seqüência de teses:
1. Se
o comunismo não vence sem recrutar e unir, e não recruta nem une sem
persuadir, quem se empenha em impedir que persuada, muito faz para
tornar impossível que ele vença.
2.
Persuadir é obra eminentemente ideológica. Pois é fazer aceitar suas
próprias idéias por outrem.
3.
Isto não se consegue sem uma ação ideológica. Logo, o terreno ideológico
em que a TFP se situa é de alta importância na luta anticomunista.
Também isto, minha leitora, é evidente, não acha?
Suporte, por fim, mais uma seqüência de teses, e espero então tê-la
persuadido inteiramente:
1. Em
um país com a maioria de 95% de católicos, em cada 100 homens que a
propaganda comunista aborde, ela encontrará 95 católicos. Que enorme
obstáculo para uma seita irreversivelmente materialista e atéia como é a
de Marx!
2.
Mestra em toda sorte de manejos, a alta direção do comunismo não pode
deixar de tentar amolecer e putrefazer tão formidável obstáculo, de
preferência a atacá-lo de frente.
3.
Amolecer o obstáculo é amolecer o espírito religioso da população, o que
se pode conseguir impregnando o ambiente nacional de indiferentismo
religioso, de laicismo e de sensualidade. Bastará que a senhora veja, em
torno de si, quantas revistas, quantos jornais, quantas emissoras,
quantas cátedras, quantas casas de modas e de diversão se entregam a
este mister, a senhora compreenderá então a imensidade do proveito que o
comunismo aufere com este esforço de penetração velada, implícita,
omnipresente, infatigável, que nos atinge a todo momento.
4.
Putrefazer o obstáculo é putrefazer a própria Religião. Isto se consegue
formando padres e leigos que sonham com uma "Igreja-Nova", na qual se
odeie o princípio da autoridade, e qualquer forma de hierarquia. Deus,
sim. Mas um Deus-títere, que não impõe mandamentos, não premeia nem
castiga: o contrário seria atentatório da dignidade humana. Papa, sim.
Mas um Papa-títere, sujeito a um congresso mundial de bispos, padres e
leigos eleitos pelo povo. Bispos e párocos, sim. Mas bispos-títeres e
párocos-títeres, governados por congressinhos eletivos locais. Pois o
Papa, monarca espiritual, tanto quanto o bispo ou o pároco, que governe
por um poder vindo de Deus, sem delegação humana atenta contra a
dignidade humana.
5. E
por que atenta? Porque — segundo os progressistas — para o homem moderno
toda e qualquer submissão a toda e qualquer autoridade é sentida como um
ultraje.
6. Se
esse princípio se toma a sério, também a submissão política, econômica,
social e familiar é ultrajante para o homem. De onde, todo progressista
sério é necessariamente partidário da sociedade anárquica sonhada por
Marx.
7. Se
o maior obstáculo ao comunismo é a religião, a melhor auxiliar do
comunismo é a seita que tenta levar os católicos a destruir a religião.
Esta seita é o progressismo. Portanto, lutando contra o progressismo, a
TFP presta um serviço grave e absolutamente indispensável no combate ao
comunismo.
"Indispensável" não quer dizer "suficiente só por si". Pois — e nisto
tem a senhora toda a razão — sem a força usada segundo a moral e a lei,
é quimérico pensar que o comunismo possa ser vencido.
Mais.
Não há emprego mais sagrado e mais sublime da força legítima, do que a
luta anticomunista.
Isto
dito, minha leitora, resta-me só enviar meus cumprimentos à senhora e
seu bom esposo...