Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 22 de março de 1970

O lobo uiva em defesa do pastor

Como se sabe, estão ficando próximas as eleições presidenciais no Chile. A aventura democrata-cristã deu em um fracasso que contrasta cruelmente com as esperanças suscitadas por Frei na primeira fase de seu governo.

Com efeito, houve tempo em que por toda a América Latina, se inculcou o regime democrata–cristão do país andino como a fórmula por excelência, para resolver os problemas das nações íbero–americanas.

Mas de lá para cá as coisas mudaram. A reforma agrária por ele imposta ao país com um fanatismo todo democrata-cristão, deu resultados negativos e dele afastou não só grandes, médios e pequenos proprietários como até considerável número de trabalhadores rurais. Outros insucessos se juntaram a este. E no momento, enquanto a democracia–cristã está em febris tentativas de coligação com toda a espécie de esquerdas – inclusive o PC – para conseguir a eleição de um candidato comum, a esmagadora maioria dos chilenos se volta para o candidato mais conservador que há no tabuleiro político, isto é, o ex–presidente Alessandri. E Frei prepara melancolicamente suas malas.

Nesta situação política, um problema de consciência se põe, sem dúvida, para boa parte do eleitorado democristão: pode um católico entrar em coligação com os comunistas para a eleição de um candidato comum? E isto ainda quando esse candidato fosse comunista?

Talvez tenham sido estes os motivos que levaram o diário "Última Hora" de Santiago, a perguntar ao arcebispo daquela cidade, cardeal Silva Henriquez, se é lícito a um católico votar em comunistas. A esta pergunta, o purpurado deu uma resposta de estarrecer. Disse ele que sim!

Como é natural, a solução aterradora causou decepções e perplexidade em todo o país. Imagine–se quanto terá alegrado – maxime na conjuntura política em que veio a lume – os meios democratas-cristãos, socialistas, comunistas e congêneres.

* * *

A exemplo do que ocorre em quase todos os países da América do Sul, o Chile têm uma brilhante e atuantíssima organização de jovens tradicionalistas. É a Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

Seu presidente, o sr. Patricio Larrain, dirigiu ao purpurado chileno esta carta que é uma obra prima de reverência, lucidez e firmeza.

"Eminentíssimo senhor cardeal. Com data de 24 de dezembro de 1969, o diário "Última Hora" publicou com destaque e como declarações suas, que, ao ser perguntado sobre "se a Igreja permitia que um católico votasse num candidato marxista", Vossa Eminência havia respondido: “se o faz de acordo com sua consciência, está bem; o importante é que ele considere, em consciência, que o que ele está fazendo está bem feito.” No mesmo dia, o diário "Clarin" publicou também o que segue: "No fim da entrevista perguntou–se a ele (ao cardeal) se a Igreja, dentro de seu novo espírito, mantém o castigo para os que votam nos marxistas, sendo cristãos. Respondeu (sua eminência): Se um cristão vota, em consciência num marxista, se vota no que acredita ser seu dever, eu o compreendo ...

"Considerando detidamente ambas as versões, a TFP acredita que elas facilmente produzam, e já estejam produzindo, uma profunda desorientação ideológica na massa da população. E isto por três razões que passo a expor:

1) A grande difusão popular que estes jornais têm, num setor de opinião pública propenso a aceitar tais declarações como autênticas.

2) A coincidência dos dois relatos jornalísticos acima transcritos. Em princípio, testis unus, testis nullus. Mas havendo dois testemunhos, é já algo que pode dar fé da autenticidade das mencionadas declarações.

3) Por fim, a ausência de um desmentido oficial de Vossa Eminência a esse propósito, é um dado que vem aumentar ponderavelmente a crença da opinião pública na autenticidade das declarações que lhe foram atribuídas, pois se poderia aplicar o conhecido aforisma: "quem cala consente".

"Desta situação decorre, como conseqüência natural, um notável favorecimento da votação marxista nas próximas eleições, com as enormes conseqüências que isto pode vir a ter. Enquanto nos meios anticomunistas provoca um desanimo paralizante, os meios cultos em geral se encontram verdadeiramente pasmos.

"Quais são os fundamentos deste espanto?

a) Em primeiro lugar, a evidente incompatibilidade entre a filosofia de Marx e da doutrina Católica.

b) Em segundo lugar, a excomunhão contra os católicos que apoiem os comunistas – incluindo votar neles – lançada por sua santidade o papa Pio XII, de feliz memória, a qual não foi levantada, apesar dos rumores que correm nesse sentido. E não está no âmbito da autoridade diocesana declara–la suspensa.

c) Em terceiro lugar, o conteúdo das versões jornalísticas citadas, que constitui uma espantosa afirmação de subjetivismo moral. Com efeito, a aceitarem–se as referidas versões, o foro interno da consciência seria suficiente para que um fiel pudesse aderir a uma doutrina condenada pela Igreja.

"Todo este grave conjunto de considerações leva a TFP a supor que Vossa Eminência não terá dito essas palavras transcritas pelos jornais; ademais, leva–a também a considerar que o bem comum pede urgente desmentido de Vossa Eminência . Tanto mais quanto, hoje em dia, a argumentação "ab absurdum" – isto é, de que seria absurdo Vossa Eminência ter dito isso, e que, portanto, deveria entender–se que não o disse – não dispensa já de um desmentido, porque dentro e fora da Igreja a opinião pública exausta se vai habituando a considerar comum os fatos que há cinco anos teria visto como absurdos.

"Tendo em vista o acima exposto, a TFP pede a Vossa Eminência que, com maior urgência faça chegar ao público um documento autorizado com seu inteiro repúdio às declarações que lhe foram atribuídas.

"Com expressões de veneração e estima etc."

 

Nesta época pósconciliar, de diálogo com todos, de estrepitosas afirmações sobre os direitos dos leigos, que atitude toma, face ao apelo da TFP de seu país, este prelado?

Responde pelo mais completo e mais orgulhoso silêncio...

Pasmai, povos, se ainda algo vos pode pasmar nestas matérias, nos dias que correm!

Cardeal Silva Henriquez com Salvador Allende - No dia 1° de maio de 1971, pela primeira vez na História do Chile um Príncipe da Igreja assistiu a uma concentração da CUT (Central Unica dos Trabalhadores, controlada pelo PC) sentando-se na tribuna ao lado do presidente marxista Allende.

* * *

A carta da TFP foi publicada em "El Mercurio", o mais importante diário de Santiago. Nem o respeito ao público de sua arquidiocese levou o cardeal a se explicar.

Entretanto, uma voz se ergueu, altíssona, agressiva, insultante, para defender o pastor contra a legítima estranheza de suas ovelhas. Não foi propriamente uma voz, mas um uivo. O uivo do lobo, zeloso pelo pastor e furioso com as ovelhas.

Essa voz foi a do jornal comunista de Santiago, intitulado "El Siglo" o qual em data de 27 de janeiro p.p. publicou a respeito uma nota sulfúrica contra a TFP.

Acolhendo com satisfação o tirano Fidel Castro, o Cardeal Silva Henriquez evitou qualquer referência aos crimes, torturas e violações da lei natural e divina por parte do regime cubano.


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