Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 4 de janeiro de 1970

Isto é extremismo?

Entretive-me com os leitores, no último artigo, sobre o boato — sussurrado de quando em vez por uma bem escondida "máfia" — de que a TFP é uma organização extremista da direita. A insistência do rumor obriga-me a voltar de tempos em tempos ao assunto. É o que agora me leva a tratar mais uma vez dele. Desejo, contudo encerrar hoje esta matéria... pelo menos até que o boato volte à carga. Faço votos, aliás, de que isto não se dê tão cedo.

* * *

A lorota de que a TFP é nazifascista, já a desmenti nesta coluna: precisamente ao tempo em que o nazifascismo estava no seu apogeu, o hebdomadário "Legionário", então órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, foi o grande paladino da resistência antinazifascista nos meios católicos. Desse hebdomadário, diretor responsável era eu.

Ademais, nada na TFP têm a nota nazifascista. Jamais recorremos à violência. Cingimo-nos a uma atuação meramente ideológica. E toda a linha de nosso pensamento baseada no princípio de subsidiariedade, é fundamentalmente antitotalitária.

Isto lembrado e relembrado, a "máfia" usou de outra artimanha: somos extremistas da direita, sussurra ela, porque defendemos, com todos os seus abusos, o regime da propriedade privada. Em meu último artigo, pedi a qualquer "mafioso" que indicasse em qual de nossas publicações encontra a defesa destes abusos. Um silêncio pesado seguiu-se a esse pedido. É claro. Ninguém tinha o que responder.

Para prevenir meu leitor contra os ardis da "máfia", isto talvez bastasse. Mas tenho melhor. É o que passarei a expor.

* * *

É bem verdade que a TFP foi contrária à reforma agrária de Jango, bem como à reforma agrária Castelo Branco, a respeito da qual lançamos pela imprensa um corajoso protesto (o que não impediu, aliás, que posteriormente aquele pranteado chefe de Estado nos distinguisse com um público testemunho de sua simpatia). É real, ainda, que em matéria de reforma agrária continuamos hoje absolutamente os mesmos. Pergunto: só por isto somos extremistas de direita? São, então, extremistas de direita os incontáveis brasileiros que discordam da reforma agrária?

Mas, objetará alguém, discordar da reforma agrária é apoiar todos os abusos da atual estrutura rural. O que é levar ao extremo a posição direitista na matéria. — Discordo. Nem a TFP, nem os inúmeros brasileiros que como ela pensam neste particular, são favoráveis a tais abusos. Demonstro.

O maior destes abusos está em que, no Brasil, haja um latifundiário que é dono de 70% do território, e o tem quase todo inexplorado. Este latifundiário é o Poder Público incluídos na designação a União, os Estados e os Municípios. Por isto mesmo, a TFP aplaude os corajosos esforços que se vêm fazendo, de tempos a esta parte, no campo da iniciativa pública, para um urgente aproveitamento de nosso "hinterland". De nossa parte, isto é extremismo?

Por análoga razão, a TFP vê com simpatia as empresas privadas de loteamento de terras, e pede que lhes seja facultado participar ativamente — a par dos Poderes Públicos — do loteamento e povoação das terras devolutas. Isto é extremismo?

Partidário de uma estrutura rural onde caibam harmonicamente a grande, a média e a pequena propriedade pleiteamos dos Poderes Públicos sérias garantias para umas e outras, e ademais apoio especial para a pequena propriedade. Isto é extremismo?

Entusiastas do desenvolvimento agrário, pedimos o incentivo ao cooperativismo. Isto é extremismo?

Desejamos para o trabalhador rural um salário proporcionado ao valor de seu trabalho, bem como à necessidades de sua família, e capaz de lhe proporcionar a formação de economias. Aspiramos a que, na medida do possível, com essas economias, os trabalhadores rurais operosos e econômicos, se tornem proprietários. Isto é extremismo?

Aplaudimos com particular vigor a meação e a parceria, que interessam o trabalhador no lucro do proprietário. Isto é extremismo?

Se alguém achar que é, diga. E fundamente seu surpreendente modo de ver.

Passemos agora a outro campo.

A TFP se pronunciou várias vezes, no período de Jango como no de seus sucessores, contra o confuso amálgama de leis de inquilinato, até há pouco em voga.

Segundo então afirmamos, a situação criada por essa legislação era injusta, pois chegava quase a importar num confisco dos imóveis em favor do locatário. Ademais, afugentando o capital mal remunerado, diminuía o número de construções urbanas e acarretava um agravamento catastrófico da crise habitacional. Tanta razão tínhamos, e tantos eram os setores da opinião que assim pensavam, que aos poucos as leis do inquilinato acabaram por ser quase inteiramente revogadas. E com o agrado geral. Pergunto agora: os que revogaram aquelas leis, os que aplaudiram a sua revogação e consideram suportável a atual situação, são extremistas: se não o são, por que a TFP, e só ela, há de ser tachada de extremista?

Quanto à reforma empresarial, a TFP tem posição tomada. Ela considera que há casos nos quais a participação dos trabalhadores nos lucros, na propriedade e na gestão da empresa pode ser aconselhável. E aí deve ser introduzida — com o incentivo eventualmente oportuno do Poder Público — pelo livre acordo entre patrões e operários. A TFP afirma, ainda, que em muitas situações concretas tal participação pode ser contra-indicada. Por tudo isto, sustenta a TFP que a imposição da participação, por lei, a todas as empresas é — além de obviamente injusta e confiscatória — nociva ao bem comum. Isto é extremismo? Neste caso, cuidado! Pois a TFP sustenta ser sua atitude rigorosamente conforme com os principais documentos pontifícios de Leão XIII e seus Sucessores. São extremistas estes documentos? — Mas, dirá alguém, eu não interpreto assim tais documentos. — Respondemos: então saia a público, e veremos quem tem razão.

Quanto ao salário para os trabalhadores da indústria e comércio, a TFP, escudada igualmente nos documentos pontifícios, deseja o mesmo que para os trabalhadores rurais. Mais uma vez pergunto: isto é extremismo?

Por fim, não se diga que tais atitudes a TFP só as toma agora, no empenho de refutar a "máfia". Aí estão as duas obras tão largamente difundidas por nós, uma a partir de 1960, outra a partir de 1964 — "Reforma Agrária — Questão de Consciência" e "Declaração do Morro Alto". Nelas se encontra tudo quanto acabei de afirmar. É só lê-las...

Como o leitor facilmente pode ver, é este o modo de pensar e de sentir da média geral dos brasileiros. Assim, se a TFP, em razão de suas atitudes em matéria de propriedade privada, é extremista de direita, pergunto quem no Brasil não é extremista de direita?

* * *

Passo finalmente a uma última objeção. É a de que a TFP, com sua clara tomada de posição a respeito da propriedade privada, radicaliza perigosamente o processo ideológico. E, por via de conseqüência, também radicaliza o processo político. Penso exatamente o contrário. Essa radicalização, se existe, vem da "máfia". Pois, tachar assim, sumariamente, de extremista de direita, uma tão larga parcela da população, tentando implicitamente pô-la à margem do diálogo ideológico e do convívio cívico, é radicalizar imprudentemente nossa vida pública.

* * *

E só me resta, neste primeiro contato com os leitores no Ano Novo, desejar-lhes todas as graças do Céu. Inclusive para os "mafientos", os "mafiados" e os "sapos".


Home