Folha de S. Paulo,
4 de
janeiro de 1970
Isto
é extremismo?
Entretive-me com os leitores, no
último artigo, sobre o boato —
sussurrado de quando em vez por uma bem escondida "máfia" — de que a
TFP é uma organização extremista da direita. A insistência do rumor
obriga-me a voltar de tempos em tempos ao assunto. É o que agora me leva
a tratar mais uma vez dele. Desejo, contudo encerrar hoje esta
matéria... pelo menos até que o boato volte à carga. Faço votos, aliás,
de que isto não se dê tão cedo.
* * *
A
lorota de que a TFP é nazifascista, já a desmenti nesta coluna:
precisamente ao tempo em que o nazifascismo estava no seu apogeu, o
hebdomadário "Legionário", então órgão oficioso da Arquidiocese de São
Paulo, foi o grande paladino da resistência antinazifascista nos meios
católicos. Desse hebdomadário, diretor responsável era eu.
Ademais, nada na TFP têm a nota nazifascista. Jamais recorremos à
violência. Cingimo-nos a uma atuação meramente ideológica. E toda a
linha de nosso pensamento baseada no princípio de subsidiariedade, é
fundamentalmente antitotalitária.
Isto
lembrado e relembrado, a "máfia" usou de outra artimanha: somos
extremistas da direita, sussurra ela, porque defendemos, com todos os
seus abusos, o regime da propriedade privada. Em meu último artigo, pedi
a qualquer "mafioso" que indicasse em qual de nossas publicações
encontra a defesa destes abusos. Um silêncio pesado seguiu-se a esse
pedido. É claro. Ninguém tinha o que responder.
Para
prevenir meu leitor contra os ardis da "máfia", isto talvez bastasse.
Mas tenho melhor. É o que passarei a expor.
* * *
É bem
verdade que a TFP foi contrária à reforma agrária de Jango, bem como à
reforma agrária Castelo Branco, a respeito da qual lançamos pela
imprensa um corajoso protesto (o que não impediu, aliás, que
posteriormente aquele pranteado chefe de Estado nos distinguisse com um
público testemunho de sua simpatia). É real, ainda, que em matéria de
reforma agrária continuamos hoje absolutamente os mesmos. Pergunto: só
por isto somos extremistas de direita? São, então, extremistas de
direita os incontáveis brasileiros que discordam da reforma agrária?
Mas,
objetará alguém, discordar da reforma agrária é apoiar todos os abusos
da atual estrutura rural. O que é levar ao extremo a posição direitista
na matéria. — Discordo. Nem a TFP, nem os inúmeros brasileiros que como
ela pensam neste particular, são favoráveis a tais abusos. Demonstro.
O
maior destes abusos está em que, no Brasil, haja um latifundiário que é
dono de 70% do território, e o tem quase todo inexplorado. Este
latifundiário é o Poder Público incluídos na designação a União, os
Estados e os Municípios. Por isto mesmo, a TFP aplaude os corajosos
esforços que se vêm fazendo, de tempos a esta parte, no campo da
iniciativa pública, para um urgente aproveitamento de nosso "hinterland".
De nossa parte, isto é extremismo?
Por
análoga razão, a TFP vê com simpatia as empresas privadas de loteamento
de terras, e pede que lhes seja facultado participar ativamente — a par
dos Poderes Públicos — do loteamento e povoação das terras devolutas.
Isto é extremismo?
Partidário de uma estrutura rural onde caibam harmonicamente a grande, a
média e a pequena propriedade pleiteamos dos Poderes Públicos sérias
garantias para umas e outras, e ademais apoio especial para a pequena
propriedade. Isto é extremismo?
Entusiastas do desenvolvimento agrário, pedimos o incentivo ao
cooperativismo. Isto é extremismo?
Desejamos para o trabalhador rural um salário proporcionado ao valor de
seu trabalho, bem como à necessidades de sua família, e capaz de lhe
proporcionar a formação de economias. Aspiramos a que, na medida do
possível, com essas economias, os trabalhadores rurais operosos e
econômicos, se tornem proprietários. Isto é extremismo?
Aplaudimos com particular vigor a meação e a parceria, que interessam o
trabalhador no lucro do proprietário. Isto é extremismo?
Se
alguém achar que é, diga. E fundamente seu surpreendente modo de ver.
Passemos agora a outro campo.
A TFP
se pronunciou várias vezes, no período de Jango como no de seus
sucessores, contra o confuso amálgama de leis de inquilinato, até há
pouco em voga.
Segundo então afirmamos, a situação criada por essa legislação era
injusta, pois chegava quase a importar num confisco dos imóveis em favor
do locatário. Ademais, afugentando o capital mal remunerado, diminuía o
número de construções urbanas e acarretava um agravamento catastrófico
da crise habitacional. Tanta razão tínhamos, e tantos eram os setores da
opinião que assim pensavam, que aos poucos as leis do inquilinato
acabaram por ser quase inteiramente revogadas. E com o agrado geral.
Pergunto agora: os que revogaram aquelas leis, os que aplaudiram a sua
revogação e consideram suportável a atual situação, são extremistas: se
não o são, por que a TFP, e só ela, há de ser tachada de extremista?
Quanto à reforma empresarial, a TFP tem posição tomada. Ela considera
que há casos nos quais a participação dos trabalhadores nos lucros, na
propriedade e na gestão da empresa pode ser aconselhável. E aí deve ser
introduzida — com o incentivo eventualmente oportuno do Poder Público —
pelo livre acordo entre patrões e operários. A TFP afirma, ainda, que em
muitas situações concretas tal participação pode ser contra-indicada.
Por tudo isto, sustenta a TFP que a imposição da participação, por lei,
a todas as empresas é — além de obviamente injusta e confiscatória —
nociva ao bem comum. Isto é extremismo? Neste caso, cuidado! Pois a TFP
sustenta ser sua atitude rigorosamente conforme com os principais
documentos pontifícios de Leão XIII e seus Sucessores. São extremistas
estes documentos? — Mas, dirá alguém, eu não interpreto assim tais
documentos. — Respondemos: então saia a público, e veremos quem tem
razão.
Quanto ao salário para os trabalhadores da indústria e comércio, a TFP,
escudada igualmente nos documentos pontifícios, deseja o mesmo que para
os trabalhadores rurais. Mais uma vez pergunto: isto é extremismo?
Por
fim, não se diga que tais atitudes a TFP só as toma agora, no empenho de
refutar a "máfia". Aí estão as duas obras tão largamente difundidas por
nós, uma a partir de 1960, outra a partir de 1964 — "Reforma
Agrária — Questão de Consciência" e "Declaração do Morro
Alto". Nelas se encontra tudo quanto acabei de afirmar. É só
lê-las...
Como
o leitor facilmente pode ver, é este o modo de pensar e de sentir da
média geral dos brasileiros. Assim, se a TFP, em razão de suas atitudes
em matéria de propriedade privada, é extremista de direita, pergunto
quem no Brasil não é extremista de direita?
* * *
Passo
finalmente a uma última objeção. É a de que a TFP, com sua clara tomada
de posição a respeito da propriedade privada, radicaliza perigosamente o
processo ideológico. E, por via de conseqüência, também radicaliza o
processo político. Penso exatamente o contrário. Essa radicalização, se
existe, vem da "máfia". Pois, tachar assim, sumariamente, de extremista
de direita, uma tão larga parcela da população, tentando implicitamente
pô-la à margem do diálogo ideológico e do convívio cívico, é radicalizar
imprudentemente nossa vida pública.
* * *
E só
me resta, neste primeiro contato com os leitores no Ano Novo,
desejar-lhes todas as graças do Céu.
Inclusive para os "mafientos",
os "mafiados" e os "sapos".