Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 11 de janeiro de 1970

Turismo do sossego

Há diferentes modos de entender as férias.

Para quase todo o mundo significam elas correria. E correria atrás de emoções. O estilo de emoções, como é natural, varia. Panoramas de mar ou de montanha, hotéis de luxo ou contato com a selva, imersão no passado, no clássico roteiro de maravilhas em Minas ou na Bahia, ou antegosto da loucura psicodélica com que nos ameaça o dia de amanhã: tudo vale desde que traga emoções. Emoções violentas, sensacionais colhidas a 120 por hora, que se sobreponham às trepidações e aos sustos da vida quotidiana.

O que pensar deste sistema de fazer férias? — Reduzamos o problema a seus termos mais simples. Desde que cada emoção importe em uma fadiga, o pressuposto dos repousos emocionantes consiste em que uma fadiga se cura arcando com outra fadiga de gênero diverso. Ora esta solução me parece questionável. Pois o bom senso inclina a pensar que o remédio próprio para o cansaço, em lugar de ser outro cansaço... é o descanso. Ao menos assim opinaria o Conselheiro Acácio.

Mas como descansar, então? — A resposta não é fácil. Contudo, certamente não consiste em terminar as férias de língua de fora.

De minha parte, nada me parece mais arriscado do que aconselhar aos outros como descansar. Quanto a mim encontrei para este ano uma fórmula feliz. E quero comunicá-la aos leitores.

Trata-se, bem entendido, do repouso de um paulistano. Isto é, de um ente humano que vive, come e dorme na barulheira, anda na buraqueira, respira um ar empestado, trabalha num ritmo extenuante, e é forçado, pela ferocidade das circunstâncias, a fazer na correria até as coisas que de si deveriam ser mais tranqüilas e distensivas, como comprar, dar e receber presentes de Natal. Eu estava, pois, com saudades de normalidade. Queria encontrar um canto onde pudesse inserir-me em uma vida diferente. Uma vida calma, de ritmo humano, que me desse ocasião para imergir na estabilidade, no sossego, no equilíbrio e na sadia despreocupação dos outros. Nada de obras de arte excepcionais, riquezas estonteantes, luxos aliciantes e, menos ainda, de psicodelismos horripilantes.

Fartura proporcionada, trabalho sério e calmo, bem-estar e disposição para viver, equilíbrio generalizado dos homens e das coisas, foi o que encontrei em uma cidade não distante de São Paulo. E encontrei de surpresa. Passando férias na fazenda de amigos, fui espairecer como de estilo na cidade próxima. E aí dei com este oásis. Também, não perdi mais um só dia. Todas as tardes, feita a sesta, ia eu da calma do campo para a da cidade, trocando, não um cansaço pelo outro, mas uma forma de sossego pela outra. E assim fiz meu "turismo do sossego".

* * *

Três praças, cada qual com sua fisionomia própria, dão o tom na cidade. Entreligam-nas ruas com árvores em flor, calçadas por um "petit pavé" do melhor gosto, conservado de modo a dar inveja ao paulistano. Essas ruas compõem a espinha dorsal da cidade. Pelas cercanias, um casario alegre e despretensioso, vai galgando montanhas de pequena altura e espraiando-se para o rio, onde a cidade se mescla com a natureza campestre. Um pouco por toda parte, se notam as casas térreas do fim do Império e primórdios da República. Construções de fachadas calmas e sisudas, dando em geral para a rua, com beirais de portas e janelas bem ornamentadas e comodamente esparramados em amplos terrenos propícios à sombra e ao descanso.

A praça principal tem como elemento dominante uma Matriz, modelo de bom gosto e despretensão. Forte, séria, sisuda, é o verdadeiro centro de gravidade espiritual da cidade. De um lado e do outro, a par de construções antigas, moradias mais recentes, agências bancárias em estilo moderno, e até um "arranha-céu". Mas a Matriz parece não perceber nada disto, imersa que está na placidez de seus tempos de outrora. E quando bate o sino, seus sons descem harmônicos e se espraiam na praça ajardinada onde encontram nas pessoas e nas coisas, a mesma ressonância dos tempos idos.

Outra praça próxima é também formada em torno de uma igreja. Mas, esta, leve, festiva, com algo do gracioso próprio às construções coloniais. Ela parece sorrir ingenuamente e convidar para o mesmo sorriso os que passam.

A terceira praça é propriamente um jardim público: um grande viveiro de aves, arvoredo frondoso, criançada a correr, e a um canto um velho bonde que parece dormir o sono pré-letal do macróbio. A alguma distância, aparece pintada com gosto a fachada senhorial do "palacinho" de um Barão do Império.

Nas ruas, a gente que trabalha passa sem correr. Da janela de uma residência térrea, uma dona de casa que, interrompendo placidamente os afazeres, mantém uma conversa sobre tudo e sobre nada com duas amigas de passagem pela rua. Na loja próxima, bem fornecida, sem estar entretanto abarrotada, os fregueses entram sem pressa, são atendidos sem demora, escolhem com calma e saem contentes, se cumprimentam e se estimam. Em suma, o passado ali não embolorou, nem o presente enlouqueceu, nem o futuro amedronta. Vive-se bem, a vida de todos os dias.

Qual é esta cidade, que talvez pareça banal aos caçadores de emoções, e aos turistas ávidos de verdadeiro repouso se afigurará, quiçá, um éden algum tanto quimérico? — Ela merece bem o nome que usa. Esse nome lhe vem da excelsa Patrona, que parece resguardá-la, ampará-la da estagnação e da modorra de certos ambientes antigos, como das tragédias, dos excessos e dos tumultos modernos. A Patrona é Nossa Senhora do Amparo. Já se vê qual é o nome da cidade.

Amparo - São Paulo

Amparo irradia sua placidez digna, familiar e cristã para toda a redondeza. A zona tem qualquer coisa de afável que a torna inconfundível. Eu diria que é uma certa forma de saúde de alma, que irradia da Matriz e se difunde em ondas concêntricas até bem ao longe. Não será a crença tranqüilizadora, no amparo da Padroeira, mais do que isto ainda, a realidade desse amparo, a estender-se como um manto sobre a região?


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