Folha de S. Paulo,
28 de
dezembro de 1969
Extremismo de direita, cebolas e sapos alados
Certos indícios levam a supor que existe — aboletada alhures — uma máfia
progressista a espalhar, de tempos em tempos, boatos contra a TFP. Com
efeito, não há fumaça sem fogo. Nem efeito sem causa. E sem a hipótese
de um foco de disseminação único, é difícil explicar como —
simultaneamente e em vendaval — certas críticas surgem contra a TFP em
ambientes inteiramente diversos. Tanto mais quanto elas se apoiam nos
mesmos pressupostos infundados, bem como nos mesmos argumentos
capciosos, e se propagam com as mesmas cautelas.
Eu
seria simplório — note-se bem — em afirmar que participam de tal máfia
quantos disseminam, acerca da TFP, tais objeções. Com efeito, há uma
técnica de fabricar e dar propulsão aos boatos, como para elaborar e por
em circulação qualquer fator de publicidade: um slogan, um anúncio, um
livro ou um jornal. O boato bem engendrado corresponde à psicologia de
certas famílias de almas ou de certos setores da opinião. Ele dá corpo e
palavra a prevenções vagas, ressentimentos difusos, ou impressões
indefinidas. Uma vez lançado, ele encontra, esparsos aqui ou acolá,
elementos dos quais muitos cercados da consideração geral, que por assim
dizer o esperavam, e assim avidamente lhe dão crédito. Tais elementos,
depois de degustar o boato, o disseminam, mais ou menos como —
perdoe-nos o leitor a trivialidade da comparação — quem come cebola e
lhe difunde o cheiro ao falar. E assim o forte hálito dos boateiros pode
fazer com que, em uma nação inteira, o cheiro encebolado de uma mesma
lorota se propague. Como se vê, a disseminação dos boatos anti-TFP
constitui um processo que tem muito de natural.
O que
tem ele então de artificial? — É a sistemática simultaneidade com que o
boato nasce em lugares que não têm comunicação entre si. É também sua
irracionalidade, eu diria antes o cunho inteiramente arbitrário de seu
conteúdo. E, por fim, a sua tática rigidamente uniforme: — lançado, ele
se difunde até que seja refutado; — refutado, ele silencia sempre; —
silenciado, ele se conserva na moita até que a refutação fique
esquecida; — e esquecida a refutação, ele volta à carga exatamente como
antes. Assim é que, infatigável, vai e vem a lorota. Tanta uniformidade
e tanto método são incompatíveis, em geral, com a natureza fantasiosa e
caprichosa da mentira.
Uma
característica curiosa desse sistema é sua forma de veiculação. Nunca
escolhe ele a palavra escrita: ser-lhe-ia fatal o desmentido ou a
refutação. O boato anti-TFP se incuba sempre no cochicho de parente a
parente, ou de amigo a amigo, em rodas mais ou menos íntimas. E jamais
"trabalha" quando presente alguém da TFP.
Insisto quanto à artificialidade. Por mais natural e espontânea que seja
em tese a difusão de um boato, parece-me muito difícil que ele possa
repetir-se infatigavelmente como as ondas do mar, contra uma mesma
entidade, sem que uma máquina ardilosa o saiba engendrar ou reviver na
hora "certa", dar-lhe forma alada e vento propício, inocular-lhe a
preferência exclusiva pelo cochicho, etc., etc.
Claro
é que entre os difusores inadvertidos do boato estão meus amigos
"sapos". Creio mesmo que sem a "saparia" não haveria tais boatos. Mas
não são só eles. E é nisto que a habilidade dos fabricantes de boato me
parece mostrar o melhor de seu sinuoso talento.
* * *
Exemplifico.
Para
tornar a TFP antipática, o boato difundiu que constituímos um grupo
pequeno e fechado de aristoplutocratas, empenhados em defender seus
privilégios contra tudo e contra todos. Seríamos, pois, uns inimigos do
bem comum.
Provas? O boato as exibe: é a palavra "propriedade" em nosso lema. São
as campanhas que fizemos em 1964 contra a reforma agrária.
Este
material para cochicho assim mal alinhavado, esse conjunto de "clichês"
sugestivos, essa cebola de forte odor e fácil aceitação junto aos
imaginativos, se põe a circular, entre os indecisos. Por contágio, muita
gente alheia à máfia, a difunde. Onde há falta de clima ou de interesse,
um "mafioso" ajuda a difusão, temperando a cebola conforme as apetências
do ambiente. E, por fim, a "operação cebola" atinge a amplitude
desejável. Os "supporters" mafiosos do boato ajudam-no também em outro
ponto básico. É em resistir — pela repetição obstinada — à evidência dos
fatos.
Somos
um punhadinho de gente? Entretanto, nossas manifestações públicas
surpreendem pelo número.
Somos
uns aristoplutocratas? Basta analisar nossa gente quando sai em
campanhas de rua, para ver que nós recrutamos em todas as classes
sociais, especialmente nas mais modestas... onde mais rara é a
"saparia".
Somos
defensores de todos os abusos possíveis e imagináveis da propriedade? —
Por que? Só porque em nosso lema proclamamos o direito de propriedade?
Então afirmar um direito é ipso facto apoiar-lhe os abusos? Uma
Faculdade de Direito que tem por missão definir e ensinar todos os
direitos, é então uma escola de abusos? Dada essa contra-objeção, o
indivíduo não "mafioso" talvez se renda à evidência. O mafioso, ou a
vítima da máfia, isto é, por exemplo, algum "sapo" fortemente "encebolado",
este não. Ele salta para outro ponto. Apesar de ter atacado há instantes
a palavra "propriedade" em nosso lema, ele afirma, desenvolto, que o mal
não está aí. Está em nossos livros e publicações. Lá é que vem, bem
clara, a lista das teses abusivas, insustentáveis, reacionárias,
extremistas, que propugnamos. Tão certo está disto o "sapo", que
forçosamente alguém oculto por detrás dele lho disse.
E ele
acreditou. Aperte-se o "sapo": em qual de nossos livros, em que pagina
estão definidos e propugnados estes abusos? Em que artigos do mensário
"Catolicismo"? Ou, então, em qual de meus artigos ou entrevistas na
imprensa diária ou nas mais variadas revistas? O "sapo" não sabe, porque
não leu. Tartamudeia, então, e para safar-se do apuro lança um insulto:
"Sabe o que mais? Vocês são uns extremistas de direita".
No
que, meu "sapo" boateiro e encebolado? No que Você discorda de nossas
publicações? No que Você vê extremismo? Afirmo que como nós pensa,
acerca da propriedade, a maioria maciça dos brasileiros... Vá ler, para
depois argumentar!
O
"sapo" se cala e sai. Vai espalhar alhures o cheiro da cebola.
De
longe, tento alcançá-lo com uma pergunta: "Quando, afinal, Você me dirá
bem concretamente como são as reformas de base que Você quer?"
Mas o
"sapo" está longe. Ao som desta pergunta incômoda, o "sapo" é como o
boato. Tem
asas...