Folha de S. Paulo,
9 de
novembro de 1969
Por
fim, olhos abertos?
O
qualificativo de "reacionário", é elogioso ou ultrajante? Ora essa,
responderá algum leitor progressista, claro que é ultrajante!
A meu
ver, a resposta é simplista. Com efeito, reacionário é o que reage. O
que seria do mundo se ninguém reagisse contra o erro, o mal, a
ignorância, a pobreza, a doença etc.? Há reações boas e necessárias. Os
que as praticam são reacionários beneméritos. Assim, a palavra
"reacionário" não tem um sentido necessariamente mau. Antes, pelo
contrário, pode comportar acepções altamente elogiosas.
É bem
verdade que a propaganda progressista tem dado a esse vocábulo um
colorido terrível — mais fácil de ser explicado por meio de comparações
do que de definições — e que em alguns ambientes se tornou indissociável
dele.
Assim
é que, no linguajar progressista, seria tipicamente reacionário quem
desejasse, para sua pátria, uma ditadura onipotente, na qual todos os
direitos dos particulares dependessem de um só dirigente. Este teria o
poder de dispor como entendesse, do trabalho e da produção de todos.
Poderia indicar tarefas e horários à vontade. Alterar costumes a seu
bel-prazer. Intervir até a na religião, marcando, por exemplo, ou
deslocando, a seu talante, festas religiosas, como a Páscoa ou o Natal.
Diante deste quadro insofismavelmente lúgubre, o progressista se põe a
uivar, a falar de tirania, nazismo etc.
Ainda
aqui, a tomada de posição dos progressistas me parece singular. Acabo de
ler na imprensa que, por decisão de Fidel Castro, os cubanos não terão,
nos próximos meses, as festas de Natal e Ano Novo. Nessas datas, eles
estarão cortando cana para aumentar a produção açucareira. Essas
comemorações ficaram adiadas para julho...
Em
conseqüência, Fidel Castro — em rigor de lógica — deveria ser um
reacionário arquetípico, para os progressistas.
Não,
porém. Porque o progressista de bom grado absolve em favor da esquerda
ações que — por vezes com razão — ele critica quando praticadas pela
direita (ou pseudodireita, note-se).
* * *
Esta
observação tem real atualidade. Segundo relatório que a Comissão
Especial sobre Cuba apresentou à Associação Interamericana de Imprensa,
atualmente reunida em Washington, Fidel Castro, premido por insucessos
econômicos e diplomáticos de várias ordens, estaria cogitando — para
continuar no poder — de mudar sua política em relação à América Latina,
propondo a esta um regime de coexistência pacífica. Segundo aviso dado
pela irmã de Fidel, Juanita Castro, à referida Comissão, o comunismo
cubano, apoiado em "manobras de alguns setores norte-americanos e
latino-americanos" empenhados em impedir ou pelo menos retardar a
libertação do povo cubano do marxismo, pensaria até mesmo, para aliviar
a situação, em derrubar o periclitante ditador, substituindo-o por algum
outro líder vermelho.
Como
é fácil ver, essa mudança propiciaria, fora de Cuba, a impressão de que
o comunismo já não é tão feroz na ilha. Essa impressão, por sua vez,
criaria um clima favorável à coexistência. E a coexistência, afrouxando
as tensões que estrangulam o comunismo cubano, proporcionaria a este uma
sobrevida.
Assim, com Fidel ou sem Fidel, é para a coexistência forçosamente
velhaca e dolosa, que caminharia a Cuba vermelha.
Bem
explicável é, pois, que a Comissão tenha solicitado à AII que "mantenha
uma permanente vigilância sobre as maquinações de coexistência que se
intensificaram nos últimos meses" em favor do comunismo cubano.
Sim,
vigilância contra os reacionários vermelhos — sejam eles Fidel e os
seus, ou outra equipe que a estes suceda. Todos reacionários, no sentido
mais pejorativo do termo, e autenticamente vermelhos.
Progressistas: ver-vos-emos na liça contra os manejos da reação
vermelha, vós que vos ufanais de adversários ferrenhos de todas as
reações?
Vossa
omissão, tão fácil de se prever, abrirá, por fim, os olhos dos ingênuos?