Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 2 de novembro de 1969

Ciclamatos de D. Helder: ponto final

Escreve-me um leitor: "O sr. deve estar bem desapontado. Pouco depois de escrito o artigo em que o sr. proclama a necessidade de negociações oficiais e públicas entre o Brasil e o Vaticano sobre o problema do esquerdismo católico, e afirma a inocuidade das negociações de bastidor sobre esta matéria, leio em um conceituado matutino notícia da maior importância: segundo declarações de D. Avelar Brandão, arcebispo de Teresina, feitas à imprensa de Roma, o Vaticano teria proibido a D. Helder que fizesse, daqui por diante, pronunciamentos fora de sua diocese. Vê o sr., Dr. Plinio, que a diplomacia de bastidores pode dar — e deu, nesta matéria — um fruto estupendo. Assim, fica provado que as medidas discretas e lentas podem render muito mais do que a atuação drástica e pública que o sr. propugna. Estou certo, desde já, de que no seu próximo artigo o sr. terá a probidade de se retratar".

Parece-me que é o caso de pôr o ponto final no assunto a que já dediquei dois artigos. Mas, com seu desafio, o meu missivista de tal maneira abriu o flanco, que não resisto à tentação de lhe dar uma estocada. O ponto final fica, pois, no artigo de hoje. E um ponto feito com o florete e não com a caneta. Mas a culpa não é minha...

* * *

Assim pois, o meu leitor, que gosta de negociações de bastidor, de mim não quer uma resposta em carta pessoal e direta. Empraza-me a que me defenda pela imprensa... isto é, fora dos bastidores. Pois será servido.

Pense o que pensar o meu leitor acerca da Santa Sé (pelos ares, creio que ele é da corrente "anti-Cúria Romana" do Cardeal Suenens), ninguém pode negar a grande sagacidade, a experiência, o tino tradicional que durante XX séculos consagraram as decisões do Vaticano. Ora, esta medida relativa a D. Helder é tão contra-indicada, que só negociações perfeitamente canhestras poderão ter conduzido a ela.

Com efeito, o campo de ação de D. Helder, como de todo bispo, inclui — em nossos dias de comunicações super-rápidas — três dimensões: sua diocese, seu país e o mundo. Como é natural, as melhores possibilidades da atuação de um bispo estão em sua diocese: ali ele é o doutor, o guia e o pontífice de quem a vida religiosa depende. Já nas outras dioceses de seu país, a voz dele repercute com menor nitidez, mesclada como e com a de outros bispos de opiniões possivelmente discrepantes. No mundo, então, a palavra de um bispo facilmente se perde no "brouhaha" do caos contemporâneo. E isto é precisamente assim, mesmo quando este bispo dispõe — como é o caso de D. Helder — de uma propaganda bem maior que a do falecido Getúlio Vargas. Com efeito, o que significa para um católico de Oslo, de Nova Delhi ou de Vigo, que D. Helder diga alguma barbaridade, neste vozerio mundial de cardeais que protestam, de padres que contestam, de freiras e bispos que se casam, de teólogos que pregam o ateísmo etc.?

Não nos iludamos. Não é nessa dimensão que os pronunciamentos de D. Helder atingem o auge de sua nocividade. É no Brasil. É, sobretudo, no Recife e em Olinda. Em suma, aquela decisão da Santa Sé anunciada por D. Avelar Brandão lhe terá proibido o menos ruim e lhe terá permitido o pior.

Acresce que o tempo das muralhas chinesas de há muito se acabou. Não há uma muralha a circunscrever a diocese de D. Helder do resto do Brasil. É só ele dizer algo em Recife, que uma propaganda célere enche o país de ecos do que ele sentenciou. E quando não o faz a propaganda escrita, fá-lo a propaganda oral desenvolvida pelos grupos de prosélitos que ele tem em tantos lugares. Ou pela atuação de seus profetas itinerantes, como o intocável agente subversivo, Pe. Comblin. Assim é o Brasil — precisamente o Brasil, que eu quisera imunizar da atuação da esquerda católica — que fica com o campo livre para a atuação do arcebispo vermelho!

E meu leitor chama a isto o resultado de uma negociação bem feita?

* * *

Contudo, o que mais me espanta na decisão que enche de gozo o meu leitor, é o que ela tem de fundamentalmente contraditório.

Se D. Helder é o único bispo do Brasil que não pode fazer pronunciamentos fora de sua diocese, é porque estes pronunciamentos são nocivos. Senão a proibição não teria sentido.

Dada essa nocividade, como explicar que D. Helder continue com o direito de prejudicar com eles sua arquidiocese, isto é, precisamente a parte do globo onde mais funda é — na ordem normal das coisas — a sua influência?

* * *

Para tornar mais sensível a solidez de minha argumentação, pense-se um instante nos ciclamatos. Imagine-se que um governo proibisse a exportação deles. Que proibisse o consumo deles em todo o país. Mas que autorizasse a sua livre circulação na cidade em que está a fábrica que os produz. Pouco importa a saúde dos infelizes habitantes desse local. Que morram! O país e o mundo estarão a salvo. O que pensar de um governo que assim fizesse?

Pois este disparate estaria sendo praticado em detrimento da gloriosa arquidiocese de Olinda e Recife pela Santa Sé. E isto, não com prejuízo da saúde do corpo (e o mal não seria o mais trágico, pois certo escritor francês conceituou a saúde como um estado precário que termina sempre mal), mas com enorme risco da saúde da alma, ou seja, do destino eterno de toda uma população.

* * *

Mais ainda. Os ciclamatos não foram apenas proibidos. Foram clara e oficialmente desautorados e vão sendo recolhidos. Com as sentenças de d.  Helder, não: nem ficam clara e oficialmente desautorados, nem se recolhem os livros ou outros impressos que até o momento se difundem. De sorte que a situação, a respeito, é a mesma que se todos os ciclamatos existentes no mercado fossem tranqüilamente absorvidos, até se esgotarem. O câncer que se propague e pulule até final absorção dos ciclamatos: que importa?

* * *

Mas, redargüirá meu missivista, a proibição enunciada pelo Vaticano através dos lábios autorizados de D. Avelar Brandão não basta para neutralizar os ciclamatos ideológicos de D. Helder?

Respondo: não. A Igreja é uma sociedade perfeita, provida de meios adequados para resolver todas as situações. A proibição de que D. Helder teria sido objeto só faz fé oficial se publicada na "Acta Apostolicae Sedis", o órgão oficial da Santa Sé. Ou, digamos, no "Osservatore Romano", órgão oficioso do Vaticano.

A simples declaração extra-oficial de um bispo, feita a jornais extra-oficiais, nesta matéria nada pode — juridicamente — contra outro bispo.

Acresce no caso, que li a entrevista de D. Avelar Brandão, a qual me pareceu perfeitamente inconcludente a respeito de D. Helder...

* * *

Termino.

Ou as declarações de D. Avelar Brandão têm o sentido que lhes atribui meu missivista, ou não têm.

Se têm, são perfeitamente inoperantes. E se fossem operantes seriam lamentáveis. Mostrariam a que resultados exorbitantes podem chegar as negociações de bastidores.

Se não têm o sentido que meu missivista lhes atribui, então não houve negociações.

Em um caso ou no outro, meu missivista não tem razão.

E ponto final.


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