Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 16 de novembro de 1969

Surpresa surpreendente

Sim, surpresa surpreendente. Não se trata de um erro de revisão ou de Português. É que — em face ao terrorismo "católico" — vejo surpresas certas pessoas de alta categoria e grandes responsabilidades. E essa surpresa me surpreende.

Há algum tempo meu arcebispo, o Emmo. cardeal Rossi, declarou à imprensa que desconhecia a existência de sacerdotes comunistas no Brasil. Mais recentemente, ao chegar de Roma, o sr. arcebispo do Rio, cardeal Câmara, declarou à imprensa haver informado ao Santo Padre Paulo VI que é inteiramente normal a situação do clero brasileiro. Pois não se pode considerar normal a situação de um clero em cujas fileiras o mais terrível dos inimigos haja conseguido notórias infiltrações

Explode agora o tumor da infiltração terrorista no clero. Isto é, da infiltração do comunismo de pior tipo, o que não se limita a defender o ateísmo, o materialismo, o desprezo à família e a negação da propriedade, mas vai além, e monta a matança, o seqüestro e o saque organizados.

Diante desse escândalo, que maior não poderia ser, tudo na atitude dos ilustres prelados — ao menos até esta manhã de quarta-feira, em que escrevo — é como se eles não se tivessem refeito da surpresa enorme que — presumivelmente — os aturdiu.

O público brasileiro, tão solerte e vivaz, não confunde, é claro, as afirmações da polícia com as conclusões de uma sentença judicial. Podem entrar, nos pronunciamentos policiais, imperfeições que cabe ao magistrado discernir, apontar e corrigir. Entretanto, o Brasil inteiro está persuadido de que o grosso dos fatos narrados é verídico. E este grosso é tão grosso — tão grossíssimo, se assim se pudesse dizer — que horrorizou a opinião pública. De norte a sul, os jornais, as rádios e as televisões se pronunciaram sobre o escândalo. Em todas as rodas foi este o tema obrigatório das conversas. De todos os lados nasceram clamores que se fundiram em um só e único clamor nacional.

É claro que a nação esperava encontrar na atitude das mais altas organizações e das mais categorizadas personalidades eclesiásticas um eco do que ela sentia, um grito de dor, um brado de protesto indignado diante das linhas gerais irrecusavelmente verídicas e protuberantemente terríveis do já apurado. Entretanto, o que a nação viu nas mais altas esferas religiosas nacionais foi o contrário: fechamento, reserva, protelação, espera circunspecta de novas informações, como se o que já é notório não bastasse para fundamentar uma calorosa atitude dos mais altos porta-vozes da CNBB.

Entenda-se bem. Não me espanta que esta última procure alegar as circunstâncias atenuantes que eventualmente o caso comporte. Nem que evite pronunciar-se sobre pormenores ainda incertos. Espanta-me, isto sim, que diante do que já é certo, notório, indiscutível, e brutalmente evidente, a CNBB até o momento se tenha calado, à espera de novas averiguações, como se, surpresa ante o ocorrido, ela ainda duvidasse. Essa incerteza diante do que é certo, essa surpresa diante do que era de esperar, isto é o que me surpreende.

* * *

Com efeito, a infiltração comunista no clero, quem no Brasil a negava, a não ser uns poucos ambientes que vivem alheios à realidade atual ou certos meios simpáticos aos infiltradores?

O documento Comblin — que constitui nesta matéria um marco ao qual há que se voltar sempre — pôs às escâncaras as tendências comunistas e os propósitos subversivos de certa facção do clero. Pois ele não envolveu só o padre Comblin, mas quantos clérigos pela imprensa ou outros meios se manifestaram simpáticos ao "comblinismo". Por isso mesmo, no vitorioso abaixo-assinado da TFP, 1.600.368 brasileiros, entre os quais 15 bispos, numerosos padres e religiosas, ministros de Estado, altas patentes das três Armas, professores universitários, parlamentares, pessoas de todas a classes sociais, pediram a S.S. Paulo VI medidas urgentes sobre o assunto. Todos viam, todos sabiam. Exceto as mais altas esferas da CNBB, onde se continuou a afirmar que ia tudo normal.

Por isso mesmo, o padre Comblin continuou com livre trânsito nos meios eclesiásticos. Tanto é que tem uma série de artigos anunciados para a revista "Grande Sinal — Revista da Espiritualidade e Pastoral".

Diante de um abaixo-assinado monumental, que já hoje constitui um episódio da História do Brasil contemporâneo, silêncio, inércia, portanto recusa, da alta direção da CNBB. "Silêncio" disse eu há pouco. E disse mal. Pois não houve só silêncio nas declarações otimistas que importavam num desmentido ao abaixo-assinado. Vem agora o caso policial. Reação das mesmas esferas: surpresa.

Essa surpresa para mim é surpreendente.

* * *

Manda a objetividade que eu dê um passo a mais. A surpreendente surpresa é tão grande, que parece ter imobilizado a alta direção da CNBB. Esta se acha, ao que parece, toda posta em acompanhar os inquéritos policiais, e a esperar o que eles revelem. As circunstâncias, entretanto, estão a pedir muito mais da CNBB.

Com efeito, a segurança interna da Igreja clama por que a CNBB abra uma vasta investigação, de natureza inteiramente eclesiástica, para averiguar toda a extensão do tumor que explodiu. Bispos, padres, religiosas, leigos, quantos enfim quisessem depor, perante os órgãos eclesiásticos, deveriam ser chamados a fazê-lo, com amplas garantias contra eventuais perseguições ou pressões (e jamais será suficiente insistir neste ponto). Não vejo que algo disto se esteja fazendo. E, contudo, isto é para a CNBB o único caminho que me parece coerente com a situação catastrófica a que se chegou. A Igreja, assim, estaria em condições ideais para — em colaboração com o Estado — acautelar-se a si própria, e ao Brasil, contra o perigo imenso.

Mas, ao que parece, a surpresa, a surpresa surpreendente, cria tropeços para as providências mais necessárias. Pelo menos até o momento...


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