Folha de S. Paulo,
15 de
outubro de 1969
"O
jogo da verdade" e a crise religiosa
Do
aplaudido discurso proferido há dias pelo Sr. General Garrastazu Médici,
o povo brasileiro destacou — como particularmente sintomática — esta
frase: "Chegou a hora de fazermos o jogo da verdade". Foi ela tida como
a definição do espírito que norteará o futuro Chefe de Estado. A
perspectiva de haver mesmo chegado a hora da verdade deu ao Brasil a
sensação de respirar, por fim, as primeiras lufadas de ar puro...
Não
se suponha que, afirmando-o, eu esteja a censurar implicitamente estes
ou aqueles. Penso que por muitos motivos — vários deles absolutamente
justificáveis — esta rarefação da verdade se foi acentuando em nossa
vida pública com a cooperação de quase todo o mundo. O desejo
generalizado de contemporizar, de ladear questões, de evitar
desentendimentos, levou a isto. Mas, enfim, há limite para tudo. O
general Médici teve o mérito de sentir que, no caso, o limite estava
ultrapassado, e de o dizer com força. Eis o fato.
Cumpre agora que, sincronizados com o futuro Presidente, caminhemos
todos para a verdade plena. No que me toca, dou de uma vez um passo
grande, certo de servir assim o interesse nacional.
* * *
Três
recortes de jornal, recentes, me dão base para apontar aqui, com clareza
ainda maior do que nunca, um dos mais ativos fatores de confusão e
mal-estar do Brasil de hoje.
Segundo "O Estado de S. Paulo" de 9 do corrente, foi publicada no
"Diário de Justiça" de Belo Horizonte larga documentação sobre a
famigerada Ação Popular, que tanta agitação levantou em nosso País. O
matutino paulistano transcreve a respeito as seguintes palavras do
Procurador militar: "Com o correr desses anos, têm-se positivado os atos
subversivos dessa associação criminosa, o que nos dão conta não só os
processos em todas as auditorias do País, notoriamente, e com um
alastramento e profundidade contínuas, em todas as camadas sociais e
entidades de classe, sempre promovendo a tomada do poder com o emprego
da luta armada".
Por
sua vez o "Globo" de 6 do corrente noticiou haverem sido expulsos do
Brasil os três famigerados sacerdotes franceses de Belo Horizonte, e
publicou um impressionante resumo da documentação subversiva apanhada em
mãos deles.
Sobre
o fato, li em "O Estado de São Paulo" de 9 deste mês as seguintes frases
de um escritor de notável talento, cuja idoneidade é geralmente
admitida. Falo de Gustavo Corção: "Aqueles padres, com o apoio das
autoridades eclesiásticas de Belo Horizonte, e da CNBB, difundiam o mais
descarado marxismo. Entre os documentos tenho em meu poder uma
publicação da JOC intitulada Missão Operária e enriquecida com um
autógrafo do Pe. Michel que, além de pregar subversão por conta própria,
correspondia-se com vários agentes comunistas do Brasil e da Argentina.
Estas
publicações apontam dois escândalos a mais, a se juntarem — para só
falarmos dos documentos escritos — ao tristemente célebre documento
Comblin. Assim, vem cada vez mais à tona a infiltração comunista nos
meios católicos brasileiros.
A tal
propósito — e dado haver também fatores não religiosos de propagação
comunista no País — os brasileiros desejosos de eliminar o perigo
vermelho hão de se perguntar qual, de tantos fatores, é o mais atuante.
Pois é para a remoção deste que se devem voltar necessariamente as
providências mais urgentes. Ora, segundo é óbvio, o PC, pouco numeroso,
dividido e subdividido por si pouco pode na conquista da opinião
pública. O que dá ao comunismo condições para ir sensibilizando o País é
a chamada esquerda católica.
Entretanto, já que "chegou a hora de fazermos o jogo da verdade",
sejamos claros: dos vários setores da subversão, aquele no qual menos se
interveio até agora é precisamente o da esquerda católica.
Veja-se o caso do Pe. Comblin. Apesar de denunciado por uma petição com
mais de 1.500.000 assinaturas, anda livre pelo Brasil o comunista belga.
Os jovens que, persuadidos por ele, se ponham a conspirar, poderão ser
punidos. Ele, o grande responsável, continuará incólume.
Ainda
aqui, não é minha intenção censurar estes ou aqueles. O que torna o Pe.
Comblin quase inatingível pela lei, é um anteparo muito e muito difícil
de remover. É a batina que, aliás, ele já não usa...
A
complexidade do assunto está no seguinte: pelas leis multisseculares da
Igreja, o Sacerdote — em princípio — só pela Igreja pode ser julgado. É
este um privilégio deduzido do cunho sacral do sacerdócio. Não posso
afirmar se este privilégio ainda existe na mais recente legislação
canônica. Mas o certo é que, vigente durante séculos, ele modelou a
fundo a sensibilidade religiosa do povo cristão. A esquerda católica,
muito sabidamente, sempre que as autoridades civis tomam ou ameaçam
tomar medidas contra eclesiásticos, começa a apontar o Poder civil como
violador dos direitos da Igreja. E daí uma situação que um homem público
pode julgar mais cauteloso não enfrentar, para não coligar em torno dos
clérigos esquerdistas a opinião católica. Daí resulta, concretamente, a
impunidade de Comblins de toda a casta...
* * *
Dita
assim, com coragem, qual a situação, cumpre sugerir para ela um remédio.
Ora,
tal remédio só pode ser um. O Poder civil exponha ao país, em toda a
extensão, qual é a magnitude da infiltração comunista em meios
católicos, de forma que mesmo nos últimos rincões não paire dúvida a
este respeito. Pari passu, peça à Autoridade Eclesiástica que
remedeie desde logo a situação. Peça-o à CNBB, sempre tão disposta a
recomendar soluções para problemas da esfera temporal. Peça-o ao Santo
Padre, a quem já se dirigiram neste sentido, por iniciativa da TFP,
1.600.368 brasileiros.
Feitos estes pedidos com publicidade, com decisão, com respeito, motivos
não haverá para que a Hierarquia deixe de atender, com providências
imediatas e inteiramente eficazes, os anseios do Brasil.
Não
há outro caminho adequado. A contemporização, como vimos, de nada
adiantou. As tratativas de bastidor — é absurdo supor que não as tenha
havido — deram no que se vê. O bolsão esquerdista na Igreja continua
bojudo e pronto a derramar sua peçonha sobre o País na primeira ocasião.
Na "hora da verdade", só atuações públicas e diretas são oportunas.
Neste sentido, os anos de contemporização deram um resultado precioso.
Pois provam que, neste caso, o compasso de espera é inútil.
* * *
Mas,
dirá algum cético, as providências da Hierarquia não virão... — Julgo
que este pessimismo sombrio não nos exime de recorrer a elas.
Apenas para argumentar, imaginemos que pouco ou nada se conseguisse.
Creio que, então, o direito do Brasil à legítima defesa — direito
inalienável e decorrente do mais fundo da ordem natural — inspiraria aos
detentores do Poder Público outros meios de ação: prudentes e
respeitosos sempre, mas também inteiramente decisivos.
E
então essas medidas não feririam mais a opinião católica. Pois a
doutrina católica não justifica que, à mingua de medidas, se deixe arder
indefeso, um país inteiro.
O
direito à legítima defesa — falo em tese — tem bastante amplitude para
isto, segundo a moral cristã.
É o que qualquer
moralista sério sabe.