Folha de S. Paulo,
1º de
outubro de 1969
Para
não assustar a família...
"Nós,
José Humberto Quintero, cardeal presbítero da Santa Igreja romana, pela
graça de Deus e da Santa Sé, arcebispo de Caracas, ao clero e fiéis da
arquidiocese, saudação no Senhor". Com essas palavras — cujo timbre
nobre e paterno nos descansa, por um minuto, da vulgaridade e dos
alaridos dos sacerdotes progressistas — o preclaro purpurado venezuelano
inicia uma recente carta pastoral sobre as devastações que o chamado
"movimento profético" vem produzindo na Igreja Católica. Como veremos,
merece este documento, de tão solenes expressões liminares, a nossa
melhor atenção.
Incontáveis são, naturalmente, os brasileiros de todas as latitudes, que
já conhecem a sinistra empreitada de ateisação da Igreja, empreendida —
em escala mundial — por dois organismos semiclandestinos, o IDO-C e os
"grupos proféticos". De Norte a Sul do país, as caravanas de
universitários, comerciários e operários da TFP venderam mais de cento e
cinqüenta mil exemplares do número em que o prestigioso mensário de
cultura "Catolicismo" denunciou e analisou a trama que aqueles
organismos levam a cabo.
Se
bem que no decurso dessa campanha ninguém tenha ousado negar a
existência, o poder, e os intuitos anticatólicos do IDO-C e dos "grupos
proféticos", não faltou quem dissesse a nossos jovens, aqui e acolá ao
longo de sua imensa e vitoriosa jornada, que "Catolicismo", denunciando
a trama sinistra, deixava em má postura muitos sacerdotes e leigos
progressistas, e produzia ipso facto um trauma perigoso nas
fileiras católicas. A objeção é fácil de responder. O ateísmo é, pela
natureza das coisas, o inimigo máximo da Igreja. Se esse inimigo
encontrou meios eficazes de se esgueirar nela, é preciso alertar para o
fato os católicos. Omitir o alerta por medo de traumatizar a opinião
católica seria como não bradar contra o ladrão que se vê entrar em uma
casa, por medo de assustar a família...
Não
partilharam dessa frívola objeção contra nossa campanha vários bispos
brasileiros, que por escrito se solidarizaram com nossos ataques aos
dois já citados organismos de infiltração atéia: Dom Orlando Chaves,
arcebispo de Cuiabá, Dom Antônio de Almeida Morais Jr., arcebispo de
Niterói, e Dom Antônio Mazzaroto, bispo de Ponta Grossa. A essas vozes
autorizadas vem juntar-se agora a do cardeal-arcebispo de Caracas, que
em sua Carta Pastoral de 30 de julho p.p. (quando nossa campanha já ia a
meio), não temeu traumatizar toda a Venezuela, mas, pelo contrário,
julgou fazer-lhe um grande bem, alertando os católicos contra os "grupos
proféticos".
* * *
Quais
são as increpações daquele Príncipe da Igreja contra esse organismo?
Encontram-se todas em "Catolicismo". Citamo-las na ordem em que as
apresenta a Pastoral:
1 —
Os membros do "grupos proféticos" "se dizem favorecidos pelo Espírito
Santo com o dom profético, e pretendem, segundo afirmam, apresentar "o
verdadeiro rosto da Igreja", adaptada ao mundo e às exigências de um
laicato amadurecido";
2 —
Os "grupos proféticos" acusam a Igreja institucional e hierárquica de
estar "corrompida e necessitar de uma transformação radical, a ser
realizada pelos leigos, já que não se pode esperar que a própria
hierarquia a faça";
3 —
Os "grupos proféticos" propagam que desde Constantino, no século IV, a
Igreja começou "a se corromper, fazendo-se ‘triunfalista’,
‘paternalista’, ‘jurisdicialista’, ‘clerical’";
4 —
Os "grupos proféticos" desfiguram a história da Igreja para dar
aparências de verdade a suas acusações;
5 —
Apresentam a Igreja de hoje como "arbitrária e despótica no uso da
autoridade, e aliada dos ricos e poderosos";
6 —
Querem transformar a Igreja em um instrumento da revolução social,
"ainda que violenta, se necessário";
7 —
Os "grupos proféticos" afirmam que ante essa missão revolucionária, a
Igreja deve tratar "como coisas de menor importância o conceito de Deus
e da Religião, o culto, os sacramentos e os preceitos da moral";
8 —
Os "grupos proféticos" reivindicam que "para dar testemunho de pobreza,
a Igreja terá que se desprender de suas catedrais e templos, que não
devem considerar-se como "Casas de Deus", mas "Casas do Povo de Deus", e
servir, portanto, também para usos profanos; de suas universidades,
colégios e escolas, que, por terem um cunho religioso, se opõem à
fraternidade universal; e de suas obras de assistência, a menos que
estas prescindam de toda ingerência religiosa";
9 —
Os "grupos proféticos" querem que a igreja sofra uma "democratização
radical", a qual leve os leigos a participar, na mais larga medida do
governo espiritual.
O
cardeal Quintero, como já dissemos, julga que, denunciando essa
tenebrosa conspiração, não abala a Igreja em seu país, mas a consolida.
Merecida lição para os que deixam agir à vontade o ladrão, receosos de
assustar a família...
Esse
valioso argumento de autoridade, a juntar-se ao depoimento de ilustres
bispos brasileiros, e às mais sólidas razões doutrinárias, prova que foi
de grande benefício para a Igreja e o Brasil o brado de alarma contra
infiltração atéia, dado pelo mensário de cultura do preclaro bispo de
Campos, d. Antônio de Castro Mayer.