Folha de S. Paulo,
3 de
setembro de 1969
Aspectos sui generis de uma campanha gloriosa
Chegou virtualmente a seu termo a campanha de difusão do número de
abril-maio do prestigioso mensário de cultura "Catolicismo", levada a
cabo pela TFP em todo o território nacional.
Já
tratamos aqui do
conteúdo dessa edição de "Catolicismo". O
boletim católico de Londres "Approaches" publicara uma larga exposição
sobre as atividades do IDO-C, superpotência publicitária de envergadura
internacional, empenhada em difundir veladamente o ateísmo na Igreja. O
órgão oficial da Ação Católica espanhola "Ecclesia", por sua vez, dera a
lume um estudo profundo sobre o chamado "movimento profético",
constituído por uma imensa rede de células de infiltração, votadas à
disseminação, nos meio católicos — por via oral, de cochicho em cochicho
— da mesma doutrina atéia a cuja propaganda, por via escrita, o IDO-C se
entrega. "Catolicismo" traduziu então ambos os textos, o londrino e o
madrilenho, comentou-os e os ilustrou com valioso documentário
fotográfico a fim de alertar nosso público para este tremendo perigo.
A
campanha de difusão do número de "Catolicismo" especialmente consagrado
a esta matéria esteve a cargo dos jovens da TFP — universitários,
estudantes secundários, comerciários e operários — os quais começaram
por vender a folha em Brasília, e em capitais de Estado, como o Rio, São
Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza,
Curitiba, Florianópolis etc.
Apesar de ser vendido a dois cruzeiros novos o exemplar, e ser denso o
conteúdo doutrinário do jornal muito diverso da matéria em geral
publicada pelas revistas de larga tiragem, a acolhida do público excedeu
às expectativas mais otimistas. E isto, principalmente, nas camadas mais
modestas da população. Escoaram-se, assim, rapidamente, quatro tiragens
sucessivas do jornal, num total de 55 mil exemplares. Tal êxito levou a
direção de "Catolicismo" a preparar uma quinta tiragem do número duplo,
esta então de apresentação popular, que por suas características pode
ser vendida a 50 centavos o exemplar. Para a venda dessa tiragem, a TFP
organizou uma imensa campanha de difusão pelo interior do País. Em
conseqüência, dezenove caravanas de nossos jovens percorreram, em 40
dias, 480 cidades localizadas no Sul, Centro e Nordeste do País.
Oportunamente, publicarei pormenores sobre a acolhida triunfal dada pelo
nosso Interior a essas caravanas. De momento, basta-me mencionar o total
de exemplares vendidos: foram 163 mil. E aí aparece um dos aspectos
absolutamente peculiares de nossa recente campanha: creio que, em toda a
História de nosso País, jamais um órgão, marcadamente consagrado à alta
divulgação doutrinária teve tal saída.
Eis
assim o que há de mais imediato a noticiar sobre o grande empreendimento
da TFP contra a infiltração atéia na Igreja. Superou ele
incontestavelmente os já relevantes feitos anteriores.
* * *
Isto
posto, desejo tratar aqui de dois contratempos que tivemos. Por esta
forma terá o leitor o conhecimento de outras peculiaridades de nossa
campanha.
Já
escrevi, nestas colunas, sobre a oposição apaixonada do sr. secretário
da Segurança Pública de Minas à realização pacífica e legal de nossas
atividades em praça pública. Pensava eu que ele fosse o único, pois, com
exceção de Minas, vendemos os jornais em todo o território nacional,
recebendo, da parte das autoridades, as garantias necessárias para o
exercício das liberdades que a Constituição nos assegura. Exceção feita
do caso de Minas, oposição violenta, só a tivemos fora da esfera do
Poder Civil. Procedeu ela, quase sempre, de curas progressistas, a
capitanear magotes de arruaceiros fanatizados. Diga-se de passagem que,
também do ponto de vista das investidas que sofreu, nossa campanha se
revelou única nas crônicas nacionais, pois não conheço outro caso de uma
propaganda contra o ateísmo, cerceada pela Polícia, como em Minas, e —
um pouco por toda a parte — combatida aos brados por sacerdotes no
paroxismo da cólera.
Minha
ilusão de que só em Minas o Poder Público nos coarctara a ação, se
desfez à última hora, pois há poucos dias, na Bahia, na querida,
gloriosa e tradicional cidade do Salvador, o secretário da Segurança
Pública — não me enviaram de lá o seu nome — nos opôs os mesmos óbices
que seu fogoso colega mineiro. E isto apesar da magnífica acolhida
popular que vínhamos obtendo na linda capital dos vice-reis.
À
guisa de argumento, aquela autoridade só declarou o seguinte: a TFP
representa, no panorama brasileiro o extremo oposto do comunismo; logo a
TFP é tão autenticamente extremista como este; b) em conseqüência, não
deve ter inteira liberdade de ação, pois que não a têm os comunistas.
Assim, em Salvador, como em Minas, fomos proibidos de usar estandartes e
capas, bem como de atuar em praça pública. Só o que se nos "concedeu"
foi irmos de porta em porta vender os jornais, com evidente diminuição
de nossa capacidade de ação.
Eu
gostaria, a este propósito, que aquela autoridade baiana me respondesse
à seguinte argumentação:
1 —
Todo erro doutrinário é a negação total ou a deformação — para mais ou
para menos — de uma verdade;
2 —
Assim, em presença de um erro, há duas atitudes possíveis. Exemplifico
com o ateísmo. Em face de um ateu, ou se sustenta a verdade inteiramente
oposta ao erro dele, e se afirma que Deus existe; ou então se afirma um
erro inteiramente oposto ao do ateu, e se diz que existem — não um Deus
— mas muitos deuses;
3 —
Isto posto, pergunto qual é a posição extremista simétrica com o
ateísmo:
A) é
a afirmação de que há um só Deus onipotente, criador de todas as coisas
visíveis e invisíveis? Neste caso, todo católico é extremista. E então
deveria ser proibido em Minas e na Bahia ser católico. O que,
evidentemente, é absurdo;
B) ou
a posição extremista simétrica ao ateísmo consiste em afirmar que há
muitos deuses? Se este é o extremismo antiateu, então, pergunta-se o que
é um extremismo. Obviamente é a afirmação de um erro oposto a outro
erro. Assim, a TFP só será o extremismo simétrico com o comunismo, se
sustentar erros opostos aos deste.
4 —
Pois bem: pergunto então ao sr. secretário da Segurança da Bahia que
erro encontra no número duplo de "Catolicismo", ou em qualquer dos
numerosos livros difundidos pela TFP? Se julga ter encontrado tal erro,
peço-lhe que o mencione de público. Se não o encontrou, a que título nos
tacha de extremistas e nos coarcta a liberdade?
Previno a S. Exa. que, até o momento, nem d. Helder, nem os curas
progressistas pretenderam ter encontrado tal erro. Como será
interessante ver um secretário da Segurança Pública dar um quinau, em
matéria de doutrina religiosa ou social cristã, em todo o clero
brasileiro, mostrando a este, de pinça na mão, um erro doutrinário que
não souberam descobrir nem os bispos e sacerdotes que nos aplaudem, nem
os que de nós discordam!
Será
de todos, o episódio mais surpreendente de nossa campanha, essa
descoberta teológica feita por uma autoridade civil... em um país em que
o Estado é separado da Igreja!
Aqui
ficam estas ponderações, como um convite — cheio de expectativa — feito
a S. Exa., para que se manifeste.