Folha de S. Paulo,
7 de
agosto de 1969
O
porquê da insistência
A
história recente da investida comunista no Brasil consta
fundamentalmente de três lances. A cada lance corresponde uma forma
peculiar de agitação, e a cada agitação um insucesso.
O
primeiro lance foi a tentativa janguista de implantar no Brasil um
populismo à Fidel Castro. Como fundo de quadro da jogada esquerdista,
tentou-se montar uma enorme agitação operária, destinada a explodir as
populações tanto urbanas quanto rurais. As agitações urbanas —
mencionadas por certa imprensa como altamente ameaçadoras — se cifraram,
em última análise, em umas conspiratas de quartel, urdidas por uma
minoria, que a coragem dos elementos responsáveis das Forças Armadas
desarmou. As marchas "da Família com Deus pela Liberdade" mostraram com
quem estava o povo das cidades. A agitação rural foi igualmente um
fenômeno de minoria. E de minoria minúscula. O livro "Reforma Agrária
— Questão de Consciência", apontando o blefe da agitação agrária,
liquidou o agro-reformismo janguista. Em discurso, dias antes da sua
queda, Jango queixou-se até da frieza das massas rurais em relação aos
planos socialistas e confiscatórios com os quais pretendia ele
introduzir a luta de classes em nosso "hinterland". Tanto é verdade que
as massas rurais não tinham o mínimo desejo de se revoltar.
O
segundo lance visava arrastar a juventude inteira para a esquerda.
Vieram assim, mais tarde, as agitações universitárias. Ainda uma vez,
formou-se a propósito delas o fantasma de um perigo iminente. Dir-se-ia
que todo o País estava pegando fogo. Mas os observadores lúcidos não
tardaram em perceber que a quase totalidade dos brasileiros via com maus
olhos a mazorca, e que até dentro da própria classe estudantil, a
maioria se mantinha imune em relação à demagogia de um punhadinho de
colegas. A agitação universitária cessou com alívio para todo o Brasil.
Veio
então o terceiro lance, que é o de impor o comunismo à força. Surgiu,
assim, a agitação terrorista. De início, pode esta criar nos ingênuos a
impressão de que os terroristas surgiam das profundidades das massas
populares inconformadas. Seriam como os representantes arquetípicos de
um estado de alma popular todo feito de revolta. Mas a censura maciça de
todos os brasileiros aos atentados foi tal que, segundo geralmente se
reconhece, o terrorismo não passa hoje do fruto de alguns extremistas,
os quais, desesperançados de vencer pela persuasão, recorrem à força
para impor ao País as suas idéias.
Assim, o esquema dos fatos é comprovadamente o que mencionamos no início
deste artigo: três lances, três agitações e três frustrações.
Dado
que assim é, um observador criterioso não pode evitar a seguinte
reflexão. O comunismo é indubitavelmente dirigido por gente capaz. Se
essa gente recebe, a cada tentativa, um "não" resoluto do Brasil
inteiro, por que insiste em impor suas idéias? Não seria mais útil para
o comunismo voltar à sua penumbra inicial, desarmar as reações,
reorganizar no sossego seus aparelhamentos de propaganda, e ampliar seus
quadros, antes de tentar novas aventuras? É evidente. Então, que fator
existe, presentemente, que mantém os comunistas em uma insistência, que
já agora começa a parecer ininteligente? A resposta do problema talvez
esteja em uma entrevista impressionante, dada à Folha de S. Paulo no dia
1º de agosto p.p., pelo vice-almirante Acyr Dias de Carvalho Rocha,
chefe do Núcleo de Comando da Zona de Defesa Atlântica. Não faço senão
resumir — na linguagem de um civil — o que declarou esta alta autoridade
militar:
1 — O
Oceano Atlântico teve, na II Guerra Mundial, uma importância maior do
que muitos pensam. Assim, dos navios postos a pique durante o conflito,
70% o foram nesse mar;
2 —
Embora, até aqui, a área atlântica mais importante, para efeitos
bélicos, tenha sido a do hemisfério norte, o restante do mar está
crescendo de alcance militar em razão da facilidade com que o estreito
de Suez pode ser obstruído, hoje em dia, pelos árabes ou pelos
israelitas. No caso de se verificar tal obstrução, o caminho marítimo da
Rússia para a Ásia passará forçosamente pelo Atlântico Sul;
3 —
Nestas condições, o interesse dos soviéticos pelas águas que vão de
nossas praias às da África cresceu de ponto. O que explica, talvez, a
freqüência — recentemente em ascensão — de belonaves soviéticas por
estas paragens;
4 —
Assim como os russos, para garantir a passagem por Suez, quiseram
possuir bases no Mediterrâneo, e as obtiveram largamente na África do
Norte, é plausível que, para facilitar sua passagem pelo Atlântico Sul,
queiram ter bases africanas concedidas por algum dos incipientes Estados
africanos do Atlântico.
Esta
perspectiva, é bem de ver, cria um problema grave e direto para todos os
países americanos fronteiriços à África. E especialmente para o Brasil,
cujo litoral imenso é, por isto mesmo, o mais vulnerável. Tanto mais
quanto o vice-almirante Acyr Rocha esclareceu, em sua entrevista, que a
marinha soviética tem evoluído no sentido de poder desfechar ofensivas à
grande distância de quaisquer bases de terra. Ainda mais empreendedora
será ela quando suas bases estiverem bem em frente de nós.
E
então se impõe a pergunta: o terrorismo, que atualmente atormenta o
País, e que já deve ser considerado um início de guerra revolucionária,
poderá servir de apoio a um eventual cometimento russo contra nós?
O
vice-almirante Acyr Rocha afirma que sim. Tudo quanto me é dado ver
confirma sua tese. E neste caso, a insistência dos terroristas se torna
explicável. Pouco se lhes dá que aqui não encontrem ressonância. Suas
esperanças lhes vêm de fora...