Folha de S. Paulo,
16 de
julho de 1969
Basear-se em um autor não é falar em nome dele
Antes
de tudo, as boas notícias.
Causou-me real alegria - que desejo partilhar com os leitores - uma
carta da qual transcrevo o seguinte tópico:
"Tendo-me sido dado hoje o prêmio correspondente ao "operário n.º 1" de
São Paulo, em 1969, desejo agradecer à querida TFP o muito que lhe devo.
Pois a fidelidade no cumprimento do dever, o amor ao trabalho, eu os
devo principalmente à formação social que a TFP me deu".
A
carta é assinada por um membro dedicado do nosso setor operário, o jovem
cooperador Albertino Coutinho, eletricista da indústria farmacêutica "Squibb".
A qualificação de 1º operário de 1969 lhe foi conferida no VI Concurso
"Operário Bandeirante", promovido pela "Folha de S. Paulo" e patrocinado
pela Light - Serviços de Eletricidade S.A.
Não é
bem verdade que palavras como estas compensam de sobejo a contrariedade
que o coaxar das calúnias pode por vezes produzir?
* * *
A TFP
argentina, sob a direção do seu brilhante presidente, o jovem Cosme
Beccar Varela Hijo, vem alcançando vivo sucesso na campanha que, através
da revista "Tradición, Familia, Propiedad", desencadeou contra o IDO-C e
os "grupos proféticos", organismos de infiltração ativa na Igreja. Os
índices de venda da revista são altamente estimulantes, em Buenos Aires
como no interior. Muito estimulante, também, é a carta que a nossos
irmãos argentinos enviou Mons. Alfonso Buteler, arcebispo de Mendoza.
Dela transcrevo estas corajosas palavras: "A atitude do sr. e de seus
colaboradores é reconfortante. Nem todos os filhos da Santa Madre Igreja
voltaram-lhes as costas. Ainda há quem sinta o santo orgulho de lutar
por Ela. O sr. e seus companheiros compreenderam que é um honroso dever
lutar e defender a verdade, desmascarando os inimigos emboscados dentro
das próprias fileiras dos fiéis. Não abandonem a luta. A Virgem Mãe, que
esmagou tantas heresias, fará sentir a sua intervenção nesta campanha
pela verdade e a honra da Igreja. Do meu posto de velho Pastor,
acompanho-os com a minha pregação, minhas orações e minha benção".
* * *
Agora, ao mudar de assunto, uma névoa de tristeza me passa pela mente.
Toca-me dizer uma palavra sobre declarações feitas à imprensa, a
propósito de nossa campanha contra o IDO-C e os "grupos proféticos",
pelo Emmo. Cardeal Rossi.
Eis a
primeira parte dessa declaração: "Esclareceu (o Cardeal) que é essa (a
TFP) uma sociedade civil; não é organização eclesiástica. Ele reconhece
aos católicos a liberdade de se associarem; no entanto, nega-lhes o
direito de insistirem no seu empenho de identificar a Igreja com a sua
posição associativa ou partidária: 'Tradição, Família e Propriedade'
fala por ela própria e não tem correspondência com a palavra e a ação da
Igreja".
Embora com pesar nosso, somos obrigados - não só pelo teor dessas
palavras, como pelo alcance que lhes dá a alta autoridade de quem as
disse - a nos defender. Diga-se, antes de tudo, que não parece preciso o
conteúdo da imputação. No que consiste o (a TFP) "identificar a Igreja
com a sua posição associativa ou partidária”? Permito-me notar que
estamos muito longe de ser um partido: não temos eleitores nem
candidatos, e não pretendemos cargos públicos. Quanto à mencionada
"identificação", o sentido mais plausível dela talvez seja que a TFP se
arroga autoridade para falar oficialmente em nome da Igreja. É só
folhear qualquer das numerosas obras que difundimos, para se ver que
jamais o fizemos.
Aliás, se o houvéssemos feito, teríamos agido à maneira dos "grupos
proféticos", que desejam reduzir ou eliminar os poderes da Sagrada
Hierarquia, e proclamam o advento da era da emancipação total do
laicato. Em outros termos, seríamos sequazes dos próprios erros que
estamos denunciando à custa de tanto trabalho, tanto sacrifício e tantas
incompreensões.
Nossa
posição, quando citamos documentos da Igreja, se resume no seguinte: 1)
todo católico que trate de questões cívicas, deve fazê-lo à luz dos
ensinamentos da Igreja: é a própria Igreja que lho preceitua; 2) assim,
se um católico trata, por exemplo, dos aspectos morais da lei do
inquilinato, deve inspirar-se nos documentos do Magistério Eclesiástico,
pois a Igreja é a mestra da Moral; 3) cumprindo esse dever, o católico
não fala em nome da Igreja; ele apenas se baseia nos ensinamentos desta:
basear-se em um autor é coisa bem diversa de falar em nome dele.
Entretanto, os problemas de natureza cívica não se reduzem a meros
princípios morais. Cada um deles tem também todo um conteúdo concreto,
ao qual os princípios morais se devem aplicar.
Na
análise dos aspectos concretos de tais problemas, a TFP tem tomado
várias vezes posição, é bem verdade. Mas o tem feito sob sua exclusiva
responsabilidade. Assim, data venia, não vejo no que as referências de
S. Emcia. se nos possam aplicar. É de se presumir que S. Emcia.,
sobrecarregado de afazeres, não tenha tido tempo de ler nossas obras.
Algum assessor não o terá, pois, informado exatamente. Isto esclarecido,
S. Emcia. nos relevará que nos defendamos da severa e desagradável
acusação de, não só agirmos contra nosso direito, mas de "insistirmos"
nesse agir errado.
O
outro tópico contido na entrevista de S. Emcia. é este: "Rememorou-nos
(o Cardeal) o nobre lema da Igreja de Cristo: "Unidade nas coisas
essenciais; liberdade nas acidentais e caridade em todas as coisas".
Possivelmente haja comunistas no grande e espalhado mundo do Clero
brasileiro. Mas à Igreja não cabe o papel (frisou o Cardeal Rossi) de
apontar, com o dedo, a ovelha negra, numa denúncia. Ela é a primeira a
condenar e a censurar, mas condena e censura como a Mãe e como a
Mestra".
Queremos crer que o repórter tenha ouvido mal. Não nos parece crível que
S. Emcia. considere descaridoso "apontar com o dedo" clérigos comunistas
- e ipso facto apóstatas - no mesmo momento em que "aponta com o
dedo" a TFP, por motivos que, a serem fundados na realidade, seriam bem
menos graves.
A
isto, seja-nos lícito acrescentar uma consideração. A infiltração
comunista em meios católicos é incontestável em nosso País. Para o
provar, basta o testemunho de 1.600.368 brasileiros, entre os quais
arcebispos, bispos, sacerdotes, religiosos de ambos os sexos, ministros
de Estado, altas patentes das Forças Armadas, professores universitários
e magistrados, que contra ela pediram, em 1968, providências ao Papa
Paulo VI, em abaixo-assinado promovido pela TFP.
S.
Emcia. sabe, sem dúvida, que tão notória infiltração não se poderá ter
dado sem a participação de clérigos comunistas. É, pois, inadmissível
que o Purpurado as tenha referido à existência de padres comunistas como
uma hipótese vagamente possível. Como dizíamos, o repórter deve ter
ouvido mal.
É o
que, sobre a entrevista de S. Emcia., e com todo o respeito devido à
Sagrada Púrpura, nos sentimos no dever de ponderar.