Folha de S. Paulo,
28 de
maio de 1969
Comunismo, matrimônio e extermínio
Nunca
será demasiado insistir sobre este ponto: o comunismo não corresponde
aos anelos do homem contemporâneo; é ele uma ideologia rebarbativa e
indigesta, que os maiores esforços propagandísticos não alcançam
inculcar nas massas.
Sempre que a oportunidade se oferece, lembro este grande fato da
atualidade. Não porque eu pretenda, com isto, demonstrar que a doutrina
comunista é falsa, pois a simples rejeição de uma doutrina pela multidão
não é critério para se julgar de seu acerto. É porque a fama de
invencível constitui uma das melhores armas de propaganda do comunismo
que insisto em lembrar as derrotas dele. Pois desejo, quanto em mim
está, destruir esta arma, a qual não passa de blefe publicitário.
Mas,
objetará talvez alguém, se eu me preocupo tanto com o comunismo, é
evidentemente porque lhe temo o êxito. E se lhe temo o êxito, como
afirmo ao mesmo tempo que ele não tem mostrado capacidade para persuadir
as massas?
A
resposta é simples. A História da humanidade em geral - e a do comunismo
em particular - prova que minorias ideológicas bem organizadas podem
subjugar, em dadas circunstâncias, e sem grande dificuldade, maiorias
inertes, divididas, e minadas pelo derrotismo. Assim, desfazer os
temores da maioria autêntica ante o poder de uma pseudo maioria é um dos
melhores meios para evitar que esta chegue ao poder.
Para
documentar minha tese da alergia do homem contemporâneo em relação ao
comunismo, ponho diante dos olhos do leitor alguns dados de um
recentíssimo relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre a
situação dos Partidos comunistas na América Latina em 1968. Esse
relatório foi difundido pela UPI.
Considere-se preliminarmente que – excluída Cuba – a população da
América Latina é de 243 milhões de habitantes, em sua esmagadora maioria
católicos. E que, em todas as eleições realizadas nos países que a
constituem, os comunistas são derrotados por enorme margem. Pois bem,
dentro deste total, os membros dos Partidos Comunistas - que não passam
de 182 mil (excluídos também os de Cuba) - representam tão só 0,075% da
população, assim distribuídos por país:
Argentina, 60 mil; Chile, 45 mil; Uruguai, 20 mil; Brasil, 15 mil;
Colômbia, 9 mil; Bolívia, 6 mil; Paraguai, Peru e Venezuela, 5 mil cada;
Equador, 1650. (Do México e das Guianas não são fornecidos os dados).
Um
Partido que tem quase tudo para vencer - adeptos fanatizados, dinheiro à
solta, propaganda exímia - e ao cabo de 20 ou 30 anos só obtém a média
de um partidário entre cada mil habitantes, fracassou decididamente.
Uma
observação final, esta sobre a DC. Dado que o Chile conta com 8,8
milhões de habitantes, a porcentagem de comunistas é nele (depois do
Uruguai, que tem 0,73%), a maior da América latina, isto é, de 0,51%.
Ora, no Chile, o governo democristão, explorando os temores de uma
maioria impressionada pelo mito da invencibilidade do comunismo, pratica
em larga escala, face a este, a política do "ceder para não perder". Aí
está o fracasso desta política, aliás intrinsecamente contraditória...
Segundo o mesmo relatório do Departamento de Estado, o número de
comunistas cresceu de 4 mil em toda a América Latina em 1968.
É
curioso que, segundo parece, o relatório do Departamento de Estado
americano se manifesta algum tanto alarmado com a cifra. Faça as contas
o leitor: neste andar (ou mesmo com o dobro de rapidez), e tomada em
conta a expansão demográfica, quantos anos levaria o comunismo para
conquistar a América Latina?
Deixei de mencionar aqui os dados referentes às Antilhas. É que, com
exceção de Cuba, eles são ainda mais desfavoráveis ao PC. E a menção das
várias nações daqueles mares alongaria por demais a nossa lista.
Quanto a Cuba, nada de preciso é possível saber. Pois lá se é obrigado,
à chibata, a ser comunista.
A
Pérola das Antilhas está trancada como uma prisão, à espera de que
nossos inefáveis progressistas - mimados por D. Helder - armem alguma
guerra de libertação contra a violência institucionalizada que ali
campeia...
* * *
Vai
ganhando terreno entre nós uma forma ardilosa de "casamento" de
experiência. Como se sabe, a lei brasileira reconhece a validade do
casamento religioso, desde que, efetuadas as bodas, seja feito no
registro civil a inscrição do ato. Assim, certos casais contraiam o
matrimônio religioso e levavam alguns meses sem efetuar o registro civil
correspondente. Se não se dessem bem, era só omitir definitivamente o
registro. A cerimônia religiosa ficaria sem efeito legal, e o caminho
estaria livre para que os cônjuges se unissem a outras pessoas pelo ato
civil.
A 8ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Guanabara, de acordo com luminoso
voto do desembargador Bulhões de Carvalho, acaba de desfazer a desonesta
manobra. Esclareceu aquele alto órgão judiciário que o casamento
religioso, mesmo quando não registrado no civil, tem de per si o efeito
legal de tornar impraticável que os cônjuges, uma vez separados, se unam
civilmente a terceiros.
É uma
decisão moralizadora e inteligente que não pode deixar de ser aplaudida.
* * *
Voltemos ainda uma vez ao comunismo.
Há
tempos, a propaganda soviética vem inculcando, no Ocidente, a idéia de
que os comunistas de hoje não têm a mentalidade nem o feitio
temperamental dos da primeira hora. De sorte que é possível, com eles,
uma coexistência confiante.
O
extermínio em série de generais prova bem exatamente o contrário. O
hábito de assassinar não desapareceu nos meios soviéticos.
E
note-se que, segundo todas as aparências, são os "pombos" civis que
estão matando os "falcões" militares.
Se assim são os "pombos", como serão os "falcões"?