Folha de S. Paulo,
14 de
maio de 1969
Da
infiltração à subversão
O
leitor inteirado por meu último artigo, da existência de um "movimento
profético" semiclandestino, enquistado na Santa Igreja Católica para a
metamorfosear em uma hedionda Igreja-Nova, panteísta, amoral e
comunistizante, se perguntará por certo quais os meios de ação usados
por essa seita possante e estranha. Toda organização que imerge, mais ou
menos profundamente, na clandestinidade, é obrigada, pela própria
natureza das coisas, a usar meios subtis e complexos. Ao longo da
presente exposição, procurarei tornar tão inteligíveis quanto possível,
as técnicas requintadas usadas pelo "movimento profético". Tomarei
sempre como base o estudo publicado pela revista "Ecclesia", de Madri
(n.º 1423, de 11 de janeiro p.p.), acrescido de algumas observações e
comentários meus.
* * *
Importa definir inicialmente as linhas gerais do tema.
O
"movimento profético" tem em vista agir sobre os católicos. Ora, a
atitude religiosa destes é determinada, antes de tudo, pela Hierarquia,
mas também, depois desta, pelas personalidades de projeção no Clero e no
laicato, bem como pela atmosfera reinante nas múltiplas instituições e
obras católicas. Assim, para atuar sobre os meios religiosos, é
necessário:
1 -
infiltrar-se neles;
2 -
isto feito, recrutar ali o maior número de adeptos;
3 -
em seguida, incutir nestes as doutrinas e o espírito da Igreja-Nova: é a
fase de "formação";
4 -
tomar de assalto, ladinamente, quantos postos de influência ou de mando
consigam; e dar assim projeção às personalidades que lhes convenham;
5 -
isto feito, impor à Igreja, por meio da subversão, as reformas de
doutrina, estrutura e disciplina que a transformem em Igreja-Nova;
6 -
consumar a vitória pelo expurgo, isto é, isolando, silenciando,
difamando e, por fim, excluindo quantos não concordem com essa sinistra
"renovação".
A
infiltração se faz destinando dois ou três ativistas para iniciarem o
"serviço" na instituição ou no ambiente visado. O ativista mais adequado
a este gênero de proselitismo deve ser pessoa de prática regular da
religião, costumes que não choquem, jovial, otimista, e capaz de criar
em torno de si uma atmosfera de inteira aceitação de tudo quanto é
moderno.
Os
ativistas dão início ao recrutamento anunciando debates ou círculos de
estudo sobre temas simpáticos e atuais: a paz, por exemplo. Aparecem
assim os primeiros neófitos. Estes, uma vez doutrinados, trarão outros.
E a bola de neve irá se avolumando.
A fim
de evitar desconfianças, é aconselhável convidar para as reuniões, de
quando em vez, algum eclesiástico benévolo que abençoe e aplauda...
À
medida que se faz o recrutamento, começa a "formação". Esta se deve
fazer, sobretudo no começo, com cuidados infinitos, para evitar que
algum neófito se arrepie e delate o que ouviu. Com uma palavrinha de cá
ou de lá, os ativistas vão aos poucos pondo em ridículo este ou aquele
clérigo, esta ou aquela tradição ou hábito da Igreja, de modo a insuflar
no ambiente o gosto sempre mais desabrido pela crítica e até pela
agitação. Como uma labareda, as críticas e as reclamações acabam
atingindo tudo; a doutrina, os sacramentos, a constituição divina e
perene da Igreja, toda a sua legislação e disciplina. Nada há que não
seja apontado como decrépito, bolorento, inaceitável pelo homem de hoje.
O prurido de reformar e derrubar leva - por etapas - ao anseio de
implantar exatamente o contrário do que hoje existe. E assim, o católico
manipulado pelos "grupos proféticos" terá passado a ser o oposto do que
fora, bem como a aspirar por uma Igreja-Nova que seja o contrário do que
a igreja é, sempre foi... e jamais deixará de ser.
Bem
entendido, alguns membros dos "grupos proféticos" se mostrarão
refratários a essa "formação". Neste caso, devem ser discretamente
deixados de lado. Por cima deles, sem que o percebam, se formará um
grupo de seletos, junto aos quais a "formação" poderá continuar mais
fundo.
Como
resultado, em pouco tempo o ambiente infiltrado ferve de agitações
progressistas. Todas as formas de "desalienação" são impetuosamente
reclamadas: dessacralização, desmitificação, compromisso, engajamento,
são termos que fervilham por toda parte.
Como
é inevitável, os mais ardidos dentre os progressistas são vistos pelos
demais como mestres, líderes e heróis. E um élan da opinião coletiva,
jeitosamente trabalhada, clama porque eles sejam investidos nos cargos
de mando. Estão suscitados os líderes de projeção. E assim começa, em
favor deles, o assalto a todos os cargos, grandes e pequenos. O primeiro
passo é a subversão eclesiástica. Manifestos e desfiles de protesto,
greves, ocupação de catedrais, tudo é feito para intimidar as
autoridades eclesiásticas e os leigos refratários, arrastá-los às
concessões sempre feitas para apaziguar (e que jamais apaziguam), e por
fim para os colocar em situação tal que a única saída seja a demissão.
No clima assim criado, tudo parece clamar pela nomeação, nos vários
cargos de mando da entidade infiltrada, de um progressista. Ou pelo
menos de um inocente útil do progressismo.
O
expurgo final dos antiprogressistas é um golpe de vassoura tão simples
que, para o descrever, basta o que já ficou dito de início.
* * *
Como
vê o leitor, da infiltração inicial à vitória, há todo um processo com
etapas perfeitamente definidas, em cada uma das quais se usam métodos
específicos cuidadosamente estudados.
Ao
longo do processo, a estrutura do "grupo profético" vai tomando a forma
de uma pirâmide com um ápice de dirigentes que sabem tudo, e camadas de
membros que sabem sucessivamente menos.
O que
assegura uma tal unidade de métodos - e tão complexos - à miríade de
"grupos proféticos" ora existentes? A pergunta sugere a suspeita
veemente de uma direção geral.
O
artigo de "Ecclesia" fornece mais um dado que nos leva à convicção da
existência, na sombra, desta direção geral.
Quais
os fins dessa direção? Antes de tudo, estimular, fiscalizar, orientar e
ajudar a atuação de cada grupo no respectivo ambiente. Mas também, é
óbvio, coordenar as atividades deste imenso conjunto de grupos para a
insurreição geral e o ataque supremo à Igreja Católica considerada
também em seu conjunto.
É o
que deseja essa cúpula ignota. Só ela? E os comunistas não o desejam
também? Em tal caso, o que é essa cúpula suprema? Uma cúpula autêntica?
Ou um mero órgão executivo do comunismo, a servir de instrumento para
deteriorar a opinião católica?
A resposta já
extravasaria dos limites deste artigo.