Folha de S. Paulo,
9 de
abril de 1969
150
Padres face à trama para destruir a Igreja
Sim,
nada menos que 150 sacerdotes, pertencentes ao Clero Secular ou a Ordens
Religiosas, publicaram há pouco, em Paris, um corajoso Vade-mecum
contendo esclarecimentos e conselhos para uso dos católicos franceses,
expostos às investidas furiosas do progressismo.
Entre
os sacerdotes, são numerosos os doutores em Teologia e Direito Canônico.
Quase todos se dedicam ativamente, como Párocos ou Capelães, à cura das
almas. Nem todos são franceses: timbraram em apoiar, com suas
assinatura, o precioso Vade-mecum, sacerdotes da Holanda, Bélgica,
Suíça, Itália, Espanha, Inglaterra, Canadá, Argélia e Dahomey. Noto
alguns nomes da Argentina e um do Brasil. Até na Iugoslávia esmagada sob
a bota de Tito, um sacerdote valente quis inscrever-se nesta gloriosa
lista. O opúsculo também contém palavras de firme aprovação do ilustre
arcebispo francês Mons. Marcel Lefèbvre.
O
objetivo do Vade-mecum está bem definido nas seguintes palavras,
inscritas à maneira de subtítulo na própria capa: "Em vista da tramada
destruição da Igreja, 150 padres lembram os princípios essenciais da
vida cristã". Qual - segundo o Vade-mecum - o objetivo dessa sinistra
trama demolidora? É esgueirar velhacamente dentro da Igreja uma
"Religião Nova" (precisamente como quer o Pe. Comblin). Com efeito, os
150 Padres falam textualmente de uma "Nova Religião", a qual "por toda a
parte estende suas devastações", tentando arrastar os católicos. Essa
trama, essa "Religião Nova", essa "Grande Heresia" (as palavras são
também do Vade-mecum), em quanta coisa deste mundo a fora fazem
pensar...
Sigamos rapidamente o itinerário da preciosa pequena brochura.
Começa ela - e quão sintomaticamente - por recomendar certas devoções
que já em 1943, em meu livro "Em Defesa da Ação Católica",
denunciei estarem sendo astutamente combatida em certos ambientes
religiosos de esquerda: o Rosário, a meditação da Paixão, a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, e as visitas
ao Santíssimo Sacramento. Ao folhear das páginas, vão aflorando os erros
da "Religião Nova" que os 150 Padres denunciam formalmente. Mencionarei
alguns:
1 -
Deve-se rezar sem sinais externos de adoração: assim, por exemplo,
deve-se omitir até mesmo uma simples genuflexão antes ou depois de ter
recebido a comunhão;
2 -
Deve-se abolir inteiramente o latim na Missa. O Vade-mecum lembra,
contrariamente a esse erro, as palavras incisivas do Concílio de Trento:
"Se alguém afirma que a Missa deve ser celebrada só em vernáculo, seja
anátema” (Sess. XXII, Can. 9);
3 -
Os fiéis são obrigados a dialogar a Missa em alta voz, e portanto nenhum
tem o direito de conservar um recolhido silêncio durante o Santo
Sacrifício.
4 -
É-se obrigado a ir cantando à Mesa eucarística, e é proibido
conservar-se em mudo recolhimento nessa ocasião.
O
Vade-mecum é prático. Ele não se contenta com denúncias, mas sugere
atitudes. Por exemplo: nas igrejas em que a aplicação de máximas
errôneas, como as acima indicadas, perturbar a legítima liberdade dos
fiéis, estes "se acham dispensados de dar seu óbolo" para a manutenção
do Culto.
* * *
Entretanto, o ponto capital do Vade-mecum parece-me estar nesse tópico,
que peço vênia ao leitor para transcrever na íntegra:
"1 -
Se, no decurso de uma Missa ou ofício religioso, os fiéis se sentirem
chocados por afirmações inadmissíveis, revolucionárias ou ímpias, ou por
ritmos inconvenientes ou blasfematórios para o recinto sagrado,
cumpre-lhes o dever de protestar ou retirar-se ostensivamente. Mais vale
faltar à Missa, mesmo em dia de Páscoa, do que acumpliciar-se com o que
ofende à honra de Deus. Neste caso extremo, o fiel deverá compensar a
privação da Missa com orações particulares.
"2 -
Os fiéis que se hajam sentido perturbados em sua fé, e a fortiori
se hajam escandalizado, com as homilias de certos pregadores, têm o
dever de, nessas Paróquias, só chegar à Missa depois da homilia. Cumpre
a cada qual preservar, a todo o preço, a sua fé e a de seus filhos.
"3 -
Nenhum fiel é obrigado a assistir a uma missa que, por razões
teológicas, seja provavelmente inválida".
E o
opúsculo acrescenta: "Cerrai fileiras, quanto possível em torno dos bons
Padres, desertai as igrejas do Clero modernista, não hesiteis diante
consideráveis sacrifícios para ir aos ofícios celebrados dignamente".
Ainda
mais adiante, o Vade-mecum acusa o "Fundo obrigatório" catequético de
"falsear para todo o sempre, no espírito das crianças, certas verdades
de nossa fé", e menciona a título de exemplo a Santíssima Trindade, a
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Virgindade de Maria, a
Maternidade Divina, o pecado original, o pecado mortal, a graça, o juízo
final, o inferno, o purgatório, os Anjos, a Presença real, o sacramento
da Ordem, a Extrema Unção etc.
O
Vade-mecum acusa também o "Fundo obrigatório" catequético de apresentar
a Fé "como uma pesquisa orientada para o mundo, a Religião como uma
experiência sensível ou uma forma de humanismo, a Salvação como a
realização progressiva do homem na construção do mundo" etc. E, depois
de acrescentar que "nenhuma autoridade humana, ainda que eclesiástica,
pode impor um catecismo que não seja conforme a Fé", conclui que, quando
uma instituição eclesiástica adota um tal catecismo, é melhor que os
próprios pais se incumbam da instrução catequética no lar.
* * *
Por
estas palavras se entrevê a que extremo chegaram, na França, os
atrevimentos do erro. É compreensível que, ipso facto, se tornem
ali necessárias, ao mesmo tempo, tão nobres e santas audácias da Fé.
A
atitude destes 150 denodados sacerdotes de Jesus Cristo honra a Igreja e
é sumamente proveitosa à França. À França, sim, dizemos, à França
enquanto Nação. Pois a um país, considerado em sua natureza
essencialmente temporal, nada é mais nocivo do que as pregações
revolucionárias que o Vade-mecum denuncia...