Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 30 de abril de 1969

Desconcertante!

Num mesmo jornal, duas notícias me caíram quase ao mesmo tempo sob os olhos.

A primeira dava conta de que o Episcopado paraguaio está em franco conflito com o governo. As coisas parecem caminhar para um embate entre o Poder Espiritual e o Temporal, que talvez será o maior ocorrido na história daquele país. Uma das razões mais agudas da crise parece ser que os presos políticos estariam sofrendo maus tratos insuportáveis. Dos arraiais do clero já têm partido protestos. E o arcebispo Mons. Aníbal Porta dirigiu uma carta aberta ao Chefe do Estado, na qual denuncia "as desumanas condições reinantes nos presídios".

A notícia desperta naturalmente simpatia, pois é conforme ao papel da Igreja tomar a defesa dos desvalidos. Está aí um belo gesto, desses que nada têm do ressaibo de esquerdismo, e que por sua nobreza descansa o espírito de tantas decepções a que vem sujeitando a atormentada vida religiosa de nossos dias.

Entretanto, o gesto não tem mesmo tal ressaibo? A dúvida me passou pela cabeça quando me lembrei de que o governo paraguaio costuma deter freqüentemente agitadores comunistas. Esses presos políticos, pelos quais tanto se interessam os srs. bispos do Paraguai, não serão, pelo menos em bom número, comunistas? As dúvidas e as objeções começaram a me invadir o espírito. Não seria de elementar justiça, por exemplo, que, no momento em que ataca o governo por maltratar comunistas, o Episcopado elogiasse a firmeza com que o marechal Stroessner reprime as tramas vermelhas em seu país?

Já vejo alguém a objetar enfurecido: nunca, é uma aberração elogiar no que quer que seja o chefe do governo paraguaio: ele é um fascista!

Não conheço o marechal Stroessner, e estou pouco informado sobre sua atuação. Suponhamos que ele seja realmente um fascista. Esta razão escusará a omissão do Episcopado paraguaio? Então, para os comunistas clemência, e para um fascista nem sequer justiça? Não é isto desconcertante?

Como me agradará saber que em alguma próxima publicação os srs. bispos do Paraguai saibam remediar essa contradição, colocando ao lado de seu pedido de clemência, palavras de caloroso apoio à vigilância e à firmeza do governo na repressão ao comunismo! Confesso, porém, que neste sentido minhas esperanças são fracas...

* * *

Razões para este desalento não me faltam. Uma delas está precisamente na outra notícia sobre a qual caíram os meus olhos. O Episcopado cubano está com uma pastoral coletiva pronta, a ser lida em todas as igrejas, protestando em termos violentos contra o bloqueio estabelecido pelos Estados Unidos em torno da ilha.

Uma vez que notoriamente, o governo de Fidel Castro utiliza o território cubano como entreposto soviético e chinês de exportação de idéias subversivas e de guerrilheiros para toda a América, vejo no bloqueio de Cuba uma medida justa, e indispensável para a defesa do nosso continente. A atitude do Episcopado cubano me parece, pois, exatamente o contrário da que deveria ser. Se nesta matéria alguma coisa pusesse pasmar hoje em dia, eu diria que esta é pasmosa.

Não quero, entretanto, deter-me neste ponto. Como se sabe, Fidel Castro fez de "La Cabana" um dos lugares mais sinistros de nossos dias. Ali são detidos, maltratados e trucidados quantos agem contra o comunismo. De algum modo, toda Cuba é uma "La Cabana", uma imensa prisão onde os cubanos de ambos os sexos, que não foram mortos ao pé do "paredón" ou que não conseguiram escapar para o exterior, são sujeitos a arbitrariedades de toda ordem, a trabalhos forçados nas propriedades agrícolas do Estado etc. Ora, se os bispos do Paraguai são tão solícitos na proteção de presos comunistas, por que os bispos de Cuba são tão frios na defesa das vítimas da tirania comunista?

Com estas palavras, não indago somente por que na projetada pastoral - que já deve ter sido publicada domingo - não figura, ao menos segundo parece, nenhuma palavra de comiseração para com as vítimas de Fidel Castro. Minha pergunta vai mais fundo. Os bispos cubanos sabem perfeitamente que, pleiteando a supressão do bloqueio americano, trabalham para consolidação do governo Fidel Castro. Isto é, para a permanência do carrasco no poder. Mais uma vez pergunto: não se compadecem eles de seus compatriotas?

Estes prelados imaginarão talvez, com atitudes tais, aproximar da Igreja os comunistas? Se for assim dão provas de uma falta de tino desconcertante. Ao mesmo tempo que se põem eles a pastorear lobos como se fossem ovelhas, vão perdendo com rapidez vertiginosa sua influência sobre suas verdadeiras ovelhas, os católicos fiéis, sempre mais chocados com atitudes tão censuráveis.

Vendo tanta desorientação em hora tão grave, fico a me perguntar com que termos um historiador realmente católico, daqui a cem anos, há de comentar fatos tais.


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