Folha de S. Paulo,
16 de
abril de 1969
Progresso sem tradição: fator da guerra revolucionária
No
discurso que o General Muricy pronunciou por ocasião de sua posse na
chefia do Estado-Maior do Exército, chamou-me a atenção um trecho de
ouro. Falando da "guerra revolucionária em que todos hoje nos
empenhamos", disse o orador: "Nessa luta - como um povo só é
verdadeiramente dominado quando rompe com seu passado, com sua base
cultural e social, com os fundamentos morais herdados dos seus maiores,
e com sua base cultural e social, [com os fundamentos morais herdados
dos seus maiores], e com sua formação espiritual, e como para os
marxistas só é moral o que interessa à realização de seus propósitos -
buscam os inimigos da democracia a destruição desses valores. Assistimos
no momento à tentativa de destruição dos princípios morais,
particularmente no seio da juventude, através de perigosas filosofias
que exaltam o erótico e o perverso e procuram quebrar os laços que ligam
os jovens ao seu passado e à sua família.
"No
aspecto espiritual há forte atuação no sentido de confundir valores,
levando a dúvida aos menos esclarecidos, pregando até o contra-senso de
uma simbiose comuno-cristã, como solução ideal para os problemas
sociais, solução a ser atingida mesmo através da violência. O comunismo
é apresentado como solução para o levantamento do homem e para a sua
defesa contra o que chamam de alienação".
Estes
conceitos merecem ser meditados por todo bom brasileiro. Dentre eles
destacamos especialmente um. Como acabamos de ver, para o General
Muricy, a ruptura de um povo com seu passado é obra ardilosa dos
comunistas para reduzir esse mesmo povo à servidão. Em outros termos, a
preservação da tradição é fator essencial da independência de todo o
país.
Talvez a assertiva do distinto oficial choque muitos leitores, que não
entendem bem o que é tradição. Vamos, para elucidá-los, citar um trecho
lapidar de Pio XII. É o melhor comentário que as palavras do General
Muricy comportam.
Começa o Pontífice por mostrar que a tradição não é estagnação: "Muitos
espíritos, mesmo sinceros, imaginam e crêem que tal tradição não seja
mais do que a lembrança, o pálido vestígio de um passado que não existe
mais, que não pode voltar, e que quando muito é relegado com veneração,
se se quiser, e com reconhecimento, à conservação de um museu, que
poucos amadores ou amigos visitam. Se nisto consistisse e a isto se
reduzisse a tradição, e se importasse em recusa ou desprezo do caminho
do porvir, seria razoável negar-lhe o respeito e a honra, e seria para
se olharem com compaixão os sonhadores do passado, retardatários em face
ao presente e ao futuro, e com maior severidade aqueles que, movidos por
intenções menos puras e respeitáveis, mais não são do que desertores dos
deveres da hora que se mostra tão lutuosa".
Mostra depois que, se o progresso é marcha para a frente, a tradição
constitui um valor inapreciável nesta marcha; ela é o rumo: "Mas a
tradição é coisa muito diversa de um simples apego a um passado já
desaparecido, é justamente o contrário de uma reação que desconfie de
todo são progresso. O próprio vocábulo, etimologicamente é sinônimo de
caminho e marcha para a frente - sinonímia e não identidade. Com efeito,
enquanto o progresso indica somente o fato de caminhar para a frente,
passo após passo, procurando com o olhar um incerto porvir, a tradição
indica também um caminho para a frente, mas um caminho contínuo, que se
desenvolve ao mesmo tempo tranqüilo e vivaz, de acordo com as leis da
vida, escapando à angustiosa alternativa: "Si jeunesse savait, si
vieilleisse pouvait!", semelhante aquele Senhor de Turenne, do qual foi
dito: "teve em sua mocidade toda a prudência de uma idade avançada, e em
uma idade avançada todo o vigor da juventude" (Fléchier, Oração Fúnebre,
1676)".
Em
seguida, ele acentua a profunda harmonia entre o verdadeiro progresso e
a verdadeira tradição: "Por força da tradição, a juventude, iluminada e
guiada pela experiência dos anciãos, avança com passo mais seguro, e a
velhice transmite e consigna confiante o arado a mãos mais vigorosas,
que continuam o sulco já iniciado. Como indica seu nome, a tradição é um
dom que passa de geração em geração; é a tocha que o corredor a cada
revezamento põe na mão e confia a outro corredor, sem que a corrida pare
ou arrefeça de velocidade".
E
conclui, triunfalmente, que a tradição é indispensável ao progresso:
"Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia
que, assim como a tradição sem o progresso se contrariaria a si mesma,
assim também o progresso sem a tradição seria um empreendimento
temerário, um salto no escuro" (Discurso do Santo Padre Pio XII à
Nobreza e ao Patriciado Romano, em 1944, publicado pelo "L'Osservatore
Romano" em 20 de janeiro de 1944).
Um
país que progrida velozmente e sem tradição é como um homem que anda
rapidamente sem caminho e sem rumo! Quanto mais rápida a marcha, mais
louca, mais extenuante. Por fim, o homem se depaupera, se extenua e
cambaleia: então está no ponto de ser subjugado por qualquer salteador
que o encontre.
No
caso, o salteador é o comunismo... com a máscara de progressismo.