Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 20 de março de 1969

Importância da tradição no século XX

Um conhecido me interpelou, um dia destes, na rua: "Vá lá. Você provou bem, na FOLHA de quarta-feira, que a tradição é uma sobrevivência indispensável do passado no presente. Mas a tradição é tão importante que você a tenha posto antes da propriedade e da família no trinômio da TFP?" a pergunta me espantou. Mas de relance percebi que ela ocorreria a muita gente. Por isto, resolvi respondê-la hoje.

* * *

Sim, a Tradição constitui um altíssimo valor de espírito, e merece em princípio - sob alguns aspectos, é claro - preceder a família e a propriedade. Em nossas circunstâncias concretas, ademais, a Tradição tem um papel de tal maneira importante que, a meu ver, só uma palavra a poderia preceder. É a palavra Religião.

Com efeito, a Tradição defende hoje os próprios pressupostos da civilização, e máxime da civilização perfeita que é a cristã.

Explico-me. Para não alongar por demais as coisas, consideremos só as décadas que se seguiram à II Guerra Mundial. Incontáveis mudanças se têm produzido, nesse período, no modo de pensar, de sentir, de viver e de agir dos homens. Consideradas essas mudanças em seu todo - e descontadas as exceções - é inegável que elas rumam para uma situação violentamente oposta a todas as tradições espirituais e culturais que recebemos. Essas tradições ainda estão vivas, mas a todo momento alguma modificação as debilita. Logicamente, se ninguém se levantar em favor delas, acabarão por perecer. Ora, o perecimento dessas tradições importa, a meu ver, no maior naufrágio da História.

Passarei a dar alguns exemplos. Mostrarei com ele como tradições das melhores vão sendo corroídas pela torção sofística de alguns conceitos, aliás de alto valor:

- "Bondade": segundo o sofisma moderno, quem é bom jamais faz sofrer os outros. Ora, o esforço faz sofrer. Logo, só é bom quem não pede esforço a outrem. A civilização cristã, pelo contrário, modelou os povos do Ocidente conforme o princípio de que o esforço é condição essencial para a dignidade, o decoro, a boa ordem e a produtividade da vida. Se "bondade" é, em todos os campos, abolir o esforço, não é implicitamente privar a vida de valores sem os quais ela não é digna de ser vivida? E então, esta hipertrofiada "bondade" não constitui o pior malefício?

- "Amor à criança": segundo essa "bondade" adocicada e desfibrada, o amor à criança consiste em dispensá-la de todo esforço. Isto se pretende conseguir por mil técnicas, cujo efeito seria instruir e formar a criança sem nenhum sacrifício para esta. O aferramento a esta idéia vai a ponto de se condenar as punições escolares porque fazem sofrer os culpados, e a condenar os prêmios porque podem dar complexos aos vagabundos. Dado que, segundo a tradição cristã e o simples bom senso, um dos fins essenciais da educação é formar para a luta da vida através do hábito do esforço e do sacrifício, o que é esse "amor à criança" senão uma cruel deseducação?

- "Simplicidade", "despretensão": simples seria quem prefere as coisas que não exigem muito gosto, nem muito esforço. Despretensiosa seria a pessoa que sente bem-estar em ser vulgar. A "simplicidade" e a "despretensão" vão invadindo mais e mais os costumes de jovens e adultos. As regras da polidez e do trato, o modo de organizar uma casa, de receber, de se vestir, de falar, vão ficando sempre mais "simples" e "despretensiosos". Decoro, brilho, qualidade, classe, prestígio, são valores do espírito dia a dia menos aceitos. Ora, eles encerram muito do que a tradição nos legou de mais precioso. Com isto, a vida vai ficando desbotada, os estímulos nobres fenecem, os horizontes se encurtam, e a vulgaridade invade tudo. Sob pretexto de "simplicidade" e "despretensão", é o mais refinado comodismo que triunfa. Sim, comodismo refinado: o único "raffinement" que nos resta.

- "Espontaneidade", "naturalidade", "sinceridade": estas disposições de alma levariam a evitar outra forma de esforço, o de pensar, de querer, de se coibir. Induziriam a dar largas à sensação, à fantasia, à extravagância, a tudo enfim. A televisão, que excita, vai assim matando o livro, que convida à reflexão, as idéias se vão empobrecendo, e com elas o vocabulário também. Falar se reduz, em certas rodas, a narrar em alguns tantos vocábulos básicos alguns tantos fatos elementares. Divertir-se é pular e dar gritos sem eira nem beira. E rir. Rir muito, mas sem muita razão de rir. Claro está que em matéria sexual, mais ainda do que nas outras, qualquer contenção é rejeitada. A "moral sexual" de certa gente consiste em legitimar todos os desmandos para evitar complexos. O pudor seria, assim, o grande inimigo da moral. A libertinagem o caminho para a normalidade.

- "Idéias largas": quem as tem, deve pactuar com tudo. Bispos ou governantes, professores ou pais que não sancionem todos os disparates que acabo de alinhar, são déspotas de idéias estreitas, que querem manter o jugo de preconceitos já hoje insustentáveis.

Mas, dirá alguém, tal modo de ser não é o de uma minoria de extravagantes e não o da maioria? Não é verdade que esta assiste desolada e chocada a tais excessos? Desolada e chocada, sim, concordo. Mas acrescento logo: também esmagada e submissa. Pois a história de todos os "progressos" desta década tem sido esta: a) uma minoria lança uma extravagância "louca"; b) a maioria se arrepia e protesta; c) a minoria faz finca-pé; d) a maioria se vai habituando, adaptando e sujeitando; e) entrementes a minoria prepara novo escândalo; f) e este escândalo terá igual sucesso.

Assim, a maioria vai entrando nesse mundo novo, fascinada, arrepiada, hipnotizada, como o passarinho entra na boca da cobra.

De tanto diminuir a polidez, ela morrerá. De tanto encurtar os trajes, eles desaparecerão. De tanto silenciar sobre valores fundamentais da cultura e do espírito, eles desertarão a terra. De tanto estimular e desencadear desordens, estas acabarão por invadir e submergir tudo.

Haverá algum meio de evitar isto senão lutando por nossa Tradição, portadora de todos os valores autenticamente cristãos, ou mesmo simplesmente humanos, que este furacão vai destruindo?


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