Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 12 de março de 1969

TFP - Tradição

Quando se fala de tradição, o que logo ocorre a grande número de pessoas é a Inglaterra atual, com a Rainha, a Câmara dos Lordes, as Rolls-Royce, os chapéus-côco, a distinção e a fleugma britânicas. Como fundo de quadro, a palavra evoca reminiscências brasileiras de tempos mais remotos. Assim os patriarcais casarões de fazendas com seus terreiros, suas palmeiras e as senzalas próximas. Ou a quinta da Boa Vista, as barbas brancas de D. Pedro II e o sorriso afável de Da. Teresa Cristina. E ainda o Rio plácido e galhofeiro da 1ª. República bem como a São Paulo aristocrática e circunspecta, familiar e divertida, da alta do café. Tudo isto sem esquecer a Bahia vivaz e indolente, gulosa e musical, que ostentava, mais ou menos na mesma quadra, as galas antigas dos tempos dos governadores Gerais e as fulgurações, então ainda recentes, da nomeada de Rui Barbosa. E a Minas incomparável do Aleijadinho, cuja expressão máxima são, a meu ver, os profetas majestosos e coléricos da escadaria de Congonhas do Campo.

Todas estas impressões, vistas em seu conjunto, causam nos espíritos reações desencontradas.

Para inúmeras pessoas, a tradição - assim entendida - é algo que vai mudando de colorido ao longo dos dias, em função das impressões sucessivas que o estilo de existência de nosso tempo lhes vai causando. Há horas em que a trepidação das megalópolis modernas fascina essas pessoas, e as entusiasmam as organizações colossais, os planejamentos ciclópicos e as técnicas de hoje, que vão transformando em realidade a "science fiction". Nestas horas, a tradição parece a tantos de nossos contemporâneos um triste atraso. Diante da ventania que vai derrubando todas as hierarquias e soprando para longe todos os trajes, sentem a tradição como se fosse jugo e abafamento. Nas ocasiões, pelo contrário, em que a vulgaridade ovante de um mundo sempre mais igualitário, os ritmos estrepitosos, frenéticos e atravancados da existência atual, a instabilidade ameaçadora de todas as instituições, de todos os direitos e de todas as situações causam neuroses, angústias e extenuações a milhões de nossos coevos, a tradição se lhes apresenta como um remanso de elevação da alma, bom senso, boa educação, boa ordem e, em suma, de sábia arte de viver.

Assim sendo, como julgar então a Tradição? O que pensar desses momentos de apetência e dos longos dias de fastio um e outro excessivos, como o são os acessos de fome e de inapetência de certos doentes?

Muitos são os que não sabem como resolver o conflito de alma fugidio e subtil, que, a este propósito, por vezes os dilacera. E porque não sabem, fogem do tema.

Esta fuga cria, sem dúvida, uma zona de silêncio em torno do assunto. Mas tal silêncio não significa, em geral, indiferença. Pelo contrário, resulta, a um tempo, de perplexidade e de hipersensibilidade. O assunto dói demais. Não é melhor, então, esquivá-lo e beber um whisky?

* * *

Para não fugir mole e desanimadamente do problema, mas resolvê-lo; para adquirir, assim, uma paz interior que a verdade dá por inteiro e todos os whiskies do mundo não podem proporcionar; é para isto que convidam "subliminarmente" os estandartes rubros com o áureo leão heráldico que a TFP levanta em tantas cidades do Brasil.

* * *

Mas, então, que significa esse estandarte? Que o passado deveria ter ficado imóvel? Que tudo no presente deve ser aceito?

O estandarte da TFP não foge ao problema: recusa-o. Ele nega que a tradição seja só passado, e portanto não caiba no presente. A verdadeira tradição não é - em princípio - só pelo passado enquanto passado, nem só pelo presente enquanto presente. Ela pressupõe dois princípios:

a - que toda ordem de coisas autêntica e viva tem em si um impulso contínuo rumo ao aprimoramento e à perfeição;

b - que, por isto, o verdadeiro progresso não é destruir, mas somar; não é romper, mas continuar para o alto.

Em suma, a tradição é a soma do passado com um presente que lhe seja afim. O dia de hoje não deve ser a negação do de ontem, mas a harmônica continuação dele.

Em termos mais concretos, nossa tradição cristã é um valor incomparável que deve regular o que é hodierno. Ela atua, por exemplo, para que a igualdade não seja entendida como o arrasamento das elites e a apoteose da vulgaridade. Para que a liberdade não sirva de pretexto ao caos e à depravação. Para que o dinamismo não se transforme em delírio. Para que a técnica não escravize o homem. Numa palavra, ela visa impedir que o progresso se torne desumano, insuportável, odioso.

Assim, a tradição não quer extinguir o progresso, mas salvá-lo de desvarios tão imensos que o transformam em barbárie organizada. Essa barbárie contra a qual se levanta outra barbárie, esta descabelada e furibunda: a do marcusianismo.


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