Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 5 de março de 1969

Ó vós todos que passais pelo caminho...

Nas folhas do "Diário Ilustrado" de Santiago do Chile, acabo de ler um episódio desolador. Julgue o leitor.

Dezoito sacerdotes, professores da faculdade de Teologia da Universidade Católica daquela capital, publicaram uma declaração peremptória contra a Encíclica "Humanae Vitae" de Paulo VI. O fato é insólito por muitos lados. Antes de tudo porque aquele documento faz jus a todo o acatamento dos fiéis. Seria escandaloso que contra ele se levantasse qualquer católico leigo: a fortiori, é berrante que contra ele se insurjam professores de uma Faculdade de Teologia. Nessa pirâmide de agravantes, há mais. É que o professor de Teologia não é responsável pela formação doutrinária do povo fiel. Esta pertence aos bispos. Incitando o povo contra a "Humanae Vitae", os 18 teólogos criaram para os bispos conscientes de seu dever uma situação intolerável. Por fim, dado que a esses teólogos está confiada a formação religiosa de grande parte do Clero chileno de amanhã, é muito de se temer que este saia tão rebelde quanto seus mestres, ou até mais. Por onde tudo, neste episódio, é escândalo, revolta e perigo.

O leitor estará a imaginar que a Cúria de Santiago desautorou de público os eclesiásticos insubordinados, e lhes tirou as funções docentes. Não. O Episcopado chileno, todo ele, se manteve mudo e de braços cruzados...

E depois? Prepare-se o leitor para mais. Inconformada com o silêncio dos bispos chilenos a Santa Sé, por meio do cardeal Garronne, prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica - escreveu ao Núncio em Santiago, exprobrando seriamente o silêncio dos bispos (na carta o purpurado afirma, de passagem, um fato aliás ainda mais chocante: alguns Episcopados europeus também se insurgiram de público contra o documento papal). A mando do cardeal Garronne, o Núncio comunicou aos bispos a grave censura do Vaticano, e lhes incumbiu de tomar medidas próprias a reparar o mal feito pelos 18 teólogos insubordinados.

Onde público fora o escândalo, seria normal que publica fosse a reparação. Qual. Os bispos chilenos nada deixaram filtrar, do pronunciamento romano, para o público desconcertado e desedificado. Foram tão benignos, tão mansos, tão doces para com os rebeldes, que se limitaram a lhes cochichar em segredo a merecidíssima advertência.

Neste ínterim, o "Diário Ilustrado" do dia 19 de fevereiro publicou a carta do Núncio contrária aos 18 rebeldes. O que fez a Cúria de Santiago? Abandonou sua linha de mutismo e doçura, e fulminou uma nota violenta contra o jornal, afirmando que era lícito aos bispos não publicar a carta do Vaticano, e o jornal violara, portanto, um direito episcopal.

Balanço: face ao crime gravíssimo de incitar o público à desobediência para com a Encíclica, mansidão total e requintada...; face à incorreção, muito menos grave, de publicar um documento reservado, furor, estrépito e vitupérios.

Que contradição poderia ilustrar melhor o triste caso que se vai generalizando em ambientes católicos cada vez mais extensos?

Escrevendo estas palavras, penso no Brasil.

Com efeito, acabo de ler, em um diário sério - cujas notícias, salvo sólidas provas em contrário é forçoso ter por verídicas - que o Clero de Belo Horizonte, reunido sob a presidência do arcebispo d. Rezende Costa, indicou o pe. Michel Le Ven e mais outro padre para as funções de "conselheiro espiritual" do Clero. O pe. Le Ven é um dos missionários franceses presos em Belo Horizonte como comunista. Caberá ao pe. Le Ven, sempre segundo a notícia, ter "encontros periódicos com os padres das várias paróquias para esclarecer dúvidas que surjam sobre o exercício do Sacerdócio". Como se vê, não há função melhor para espalhar o comunismo na Igreja.

Pois bem: que significa essa eleição? Todos os jornais noticiaram a instauração do processo contra o missionário. Nenhum - que me conste - publicou a conclusão do inquérito. O público tem pois, o pe. Le Ven por suspeito de comunista. Nesta emergência, confiar-lhe tal função não é deixar o público atemorizado, chocado, confundido?

Com que objetivo foi feita essa desconcertante indicação?

Quem desvendará este mistério? Quem responderá a esta pergunta?

* * *

"Ó vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há dor semelhante à minha dor". Estas palavras trágicas de Jeremias exprimem toda a aflição dos verdadeiros católicos ante o moderno drama da Igreja.

Não é bom que essa dor se publique e frutifique em outras preces?

P. S. - Estava concluído este artigo, quando chegaram os resultados quase completos das eleições no Chile.

Diante de um avanço comunista considerável, Eduardo Frei se apresentara candidato à Presidência da República propondo a via demo-cristã "intermediária" entre os adeptos e os adversários do comunismo: fazer algumas das reformas sociais desejadas pelos comunistas, para os contentar e lhes abrandar o ímpeto. Tratava-se da "luta" anticomunista clássica do PDC no mundo inteiro, capitulada na fórmula "ceder para não perder". Por esta fórmula, quanto maiores as concessões ao comunismo, tanto maiores as vitórias contra ele. Em rigor de lógica, conceder tudo ao comunismo seria matá-lo...

Frei enveredou resolutamente por este caminho. E as eleições de domingo deveriam testar seu êxito. O teste revelou um fracasso. Os comunistas ganharam: tinham 18 cadeiras na Câmara anterior e obtiveram mais 5. O Partido Nacional, que é anticomunista, teve um progresso espetacular; de 8 cadeiras passou a 34. O eleitorado não confia, pois, nos suspeitos emplastros de Frei. O PDC sofreu um recuo impressionante, de 82 deputados que tinha, passou para 56.

Verificou-se, pois, que o eleitorado se vai afastando do programa pedecista, que quer apagar a fogueira comunista com jatos de gasolina, isto é, capitulações. E está de parabéns Fábio Vidigal Xavier da Silveira, que previu o fato em seu "Frei, o Kerensky chileno".


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