Folha de S. Paulo,
8 de
janeiro de 1969
Sucesso internacional de um brasileiro
Segundo me parece, a repercussão, no exterior, dos gestos e feitos de
brasileiros, é muito irregularmente noticiada em nosso país. Os
telegramas vindos de fora nos dão a conhecer a acolhida de alguns
artistas letrados, principalmente quando são homens de esquerda. Ou de
D. Helder, o que é natural, pois desde Getúlio não houve brasileiro que
dispusesse de serviço publicitário comparável ao seu. Mas tenho motivos
para supor que, fora do número desses eleitos, muita gente alcança fora
do Brasil êxitos inegáveis, que aqui não são contados. Eu, pelo menos,
conheço um caso concreto que é característico. O caso merece ser
narrado.
* * *
O
advogado Fábio Vidigal Xavier da Silveira, membro jovem e dinâmico do
Conselho Nacional da TFP, é fazendeiro nos arredores de Amparo. Como
tal, interessou-se a fundo pela luta contra a reforma agrária socialista
e confiscatória, e participou da comissão de peritos que D. Sigaud,
arcebispo de Diamantina, D. Mayer, bispo de Campos, o economista
Mendonça de Freitas e eu consultamos para a elaboração da "Declaração do
Morro Alto", isto é, do programa positivo de reforma agrária (e, pois,
anti-socialista e anticonfiscatória) que a TFP adotou por seu.
Levado pelo interesse da matéria, Fábio Xavier da Silveira foi ao Chile
estudar a reforma agrária. Estava ele em meio a suas indagações quando o
governo de Frei, de modo arbitrário, deu a nosso patrício 48 horas para
abandonar o país. Nada dissera ou fizera o diretor da TFP, que merecesse
a medida brutal. Mas dir-se-ia que a polícia de Frei usa a telepatia.
Pois é bem certo que no íntimo da alma o visitante acumulava observações
e reflexões contrárias à política social e econômica de Frei. Chega ao
Brasil, confiou ele ao papel suas impressões. E daí se originou um
livro, publicado em primeira mão pelo prestigioso mensário
"Catolicismo", que a Editora Vera Cruz editou depois em um volume de 202
páginas. "Frei, o Kerenski chileno" é o título da obra. Constitui ela
uma reportagem robustamente documentada, enobrecida em seu conteúdo por
uma crítica sócio-econômica, filosófica e moral de envergadura. O autor
sustenta que Frei está realizando (ressalvada a intencionalidade, sobre
a qual não há provas evidentes) uma obra análoga à de Kerensky na
Rússia. Isto é, a aplicação cabal do programa de Frei que fará do Chile
uma república popular muito "avançadamente" socialista.
À
obra não faltou, no Brasil, invejável repercussão, com duas edições num
total de 10 mil exemplares, acompanhadas de ácidas invectivas na tribuna
da Câmara federal e na imprensa esquerdista, bem como de vibrantes
manifestações de apoio (inclusive dos ministros da Marinha, do Interior
e do Trabalho, do arcebispo de Diamantina, dos bispos de Campos e
Bragança Paulista, e de numerosas outras personalidades do mundo
político e militar).
Pois
bem, tudo isto é pouco, em comparação com o êxito fulgurante do livro na
Hispano-América. Na Argentina, traduziu-o a conhecida "Editorial
Cruzada", e tal foi o interesse que suscitou, que em 4 meses foram
feitas quatro edições, num total de 18 mil exemplares. Em seguida, o
"Grupo Tradicionalista de Jóvenes Cristianos Venezuelanos" publicou em
Caracas duas edições, também de grande efeito. Nas vésperas das últimas
eleições venezuelanas, o grande diário de Caracas, "El Nacional", editou
200 mil exemplares de um resumo da obra.
Isto
quanto à publicidade, indiscutível sintoma de interesse e simpatia.
Vamos agora à controvérsia, sinal da atualidade e do porte da obra. A
exemplo de seus congêneres brasileiros, os opositores hispano-americanos
do livro não produziram contra este um só argumento. As apreciações
sobre a reforma agrária chilena são objetivas ou não? Sobre isto,
silêncio. As increpações não passaram de vozerio. No Chile, o jornal
oficioso democristão "La Nación", o jornal comunista "El Siglo", os
jornais socialistas "Clarín", "Ultima Hora" e "La Tarde" se uniram para
defender o regime "ameaçado". O próprio governo Frei sentiu em tal grau
o alcance do livro, que lhe proibiu a circulação. Foi inútil.
Pelo
correio, os exemplares chegavam de Buenos Aires aos milhares. O governo
confiscou então os exemplares que entravam. Mas a revista "7 Dias", de
Santiago, noticiou que a curiosidade dos chilenos a respeito de "Frei, o
Kerensky chileno" era tal, que o livro circulava largamente de mão em
mão, solicitado com sofreguidão e lido com delícias por um extenso
público. No aeroporto de Buenos Aires, o sr. Krauss, Subsecretário do
Ministério do Interior do Chile, perdeu a cabeça e exigiu da polícia a
prisão de jovens da TFP local, que vendiam o livro. É claro que não foi
atendido! A imprensa situacionista chegou a falar em incidente
diplomático. Mas em vão.
Dada
a candidatura de um democristão, o Sr. Rafael Caldera, à presidência da
Venezuela, com um programa ainda mais radical que o de Frei, a obra de
nosso patrício se converteu ali em um dos trunfos de prélio eleitoral.
Apresentado na televisão, discutido pelos jornais, o livro passou a ser
o assunto do momento.
Da
Venezuela, o livro repercutiu na cidade do México, onde o sr. Agustin
Navarro o elogiou em "El Sol", e a brilhante revista "Vertice" lhe
consagrou entusiástica reportagem. Na cidade de El Salvador, o padre
Fuentes Castellano dedicou-lhe vários artigos. A diplomacia chilena
contra-atacou vigorosa: o embaixador chileno em Caracas publicou uma
nota contrária ao artigo laudatório do deputado Baldó Casanova.
Os
embaixadores chilenos em Lima e El Salvador também investiram contra o
livro. Em suma, a polêmica ferveu, envolvendo grandes órgãos e altos
personagens. O mundo eclesiástico não ficou alheio ao tema. Na
Argentina, o cardeal Fasolino e o Arcebispo de Mendoza o aplaudiram.
Também o fez, no Uruguai, o bispo de Punta del Este. Tenho em mãos um
dossier com mais de 500 recortes sobre a obra.
O que
representa isto? Um sucesso estrepitoso e incontestável, diria o homem
de hoje, afeito à polêmica, à controvérsia e ao diálogo, no vento
impetuoso da grande publicidade... - ao contrário do homem de ontem,
para o qual o grande sucesso eram os aplausos convencionais e unânimes
de pequenos cenáculos selecionados.
Pois
bem, sucessos como este, é preciso que o Brasil os conheça.
E é para isto que
escrevi o presente artigo.