Folha de S. Paulo,
25 de
dezembro de 1968
Clarividência otimista e pessimismo dorminhoco
Os
ditadores de Moscou e Pequim hão de estar fazendo, naturalmente, o
balanço do trabalho realizado em 1968. E com júbilo triunfal que bem se
pode imaginar, estarão afirmando, de si para si, que desde os
catastróficos acordos de Ialta não houve ano em que tivessem auferido
maiores vantagens.
Com
efeito, estas foram espetaculares. Tão espetaculares, que o comunismo
internacional – receoso de desencadear uma reação de opinião pública nos
países do mundo livre – se abstém, muito sintomaticamente, de as
trombetear. E é precisamente com o intuito de, quanto está em nós,
despertar essa reação sadia e salvadora, que convido o leitor a fazer
aqui, comigo, o cômputo dos progressos que o comunismo alcançou no ano
que está a findar.
No
Extremo Oriente, o imenso poderio norte-americano vergou ante um
adversário incontestavelmente menos forte. O Vietnã do Sul está sendo
arrastado pelo governo Johnson à mesa das negociações de Paris, como uma
ovelha para o matadouro. Tudo faz recear que, a fim de obter a cessação
das hostilidades, Johnson acabe por exigir que Saigon aceite uma
participação de comunistas no governo. E que, isto obtido, as tropas
americanas voltem para seu país. O que, tudo, importará em deixar os
gloriosos lutadores anticomunistas do Vietnã na boca do lobo.
Só
eles?
Diante da flexão americana, que resistência poderão opôr, a novas
investidas do imperialismo comunista, o Laos, a Tailândia e outras
nações da mesma região? Não tenhamos dúvida: se a catástrofe vietnamita
se consumar, os governos de todas as nações vizinhas começarão a se
sentir pressionados, pelos PCs locais, para aceitar uma "colaboração". E
a fim de prolongar um pouco a agonia, esses governos irão acolhendo, bom
grado, mau grado, comunistas em ministérios "apolíticos" como os da
Educação, Trabalho etc. Com o que acabarão por ruir, como o Vietnã, mais
algumas nações. A simples perspectiva desses fatos vale por um
verdadeiro terremoto político-social a abalar desde já tudo quanto no
Extremo Oriente ainda não é comunista. Os efeitos desse sismo vão
caminhando pela Oceania afora, a ponto de afetar, e a fundo, a própria
Austrália.
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Há
um otimismo demo-"cristão" todo feito de sentimentalidade e falsa
esperteza. Ao escrever estas linhas, estou a ver muito otimista do
gênero PDC, a sorrir, com sua compaixão caracteristicamente azeda, do
meu "pessimismo". O Dr. Plinio não compreende – parece-me ouvir, do meu
otimista – que Johnson está jogando no Oriente um jogo finíssimo.
Entregando às feras o Vietnã do Sul, ele ceva o apetite expansionista do
comunismo. E com isto, ele obtém a paz para o mundo por muito tempo.
Seria fácil retrucar com o exemplo de Chamberlain e Daladier: permitindo
que Hitler se cevasse na infeliz Tchecoslováquia, o que conseguiram eles
senão uns rápidos dias de paz?
Na
realidade, as presentes concessões no Extremo Oriente não alcançarão
produzir nem sequer uns minguados e fugidios dias de paz. É o que o caso
da Coréia torna evidente.
Com
efeito, nos mesmos dias em que vai agonizando tragicamente o Vietnã, a
Coréia do Norte promove a infiltração de sucessivas levas de
guerrilheiros na Coréia do Sul. Assim, uma conquista ainda não está
consumada, e já os comunistas abrem outra frente de luta. E é só para
resignar os americanos a novas concessões, que a Coréia do Norte fala,
enfim, na libertação dos marujos do "Pueblo".
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Ao
mesmo tempo que estes fatos se desenrolam no Extremo Oriente, na Europa
Central os últimos estertores da resistência tcheca vão cessando. Tito,
que no primeiro momento da invasão soviética na terra de São Venceslau
se mostrara combativo, vai, segundo as últimas notícias, tratando de
fazer declarações "cautelosas" à vista das ameaças soviéticas que rondam
agora em torno da Romênia. Em suma, tudo está sob o jugo russo na Europa
detrás da cortina de ferro.
Seria supérfluo lembrar que a retração britânica deixou no Oceano Índico
um vácuo que a Rússia poderá preencher a qualquer momento. É que o
Mediterrâneo, esse antigo "Mare Nostrum" do mundo livre, está mais
ameaçado hoje pelo poderio soviético do que outrora pelo de Mafoma.
Assim, o quadro das venturas comunistas parece completo, no plano
temporal.
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Parece indispensável completar esse quadro doloroso com o que se passa
em um mar incomparavelmente mais importante e mais nobre do que o
Índico, o Mediterrâneo, ou qualquer outro. É o oceano imenso,
espiritual, sacratíssimo, da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.
Neste terreno, o ano de 1968 foi o do estouro. Mil germes de confusão e
de deterioração – que de nossa parte vínhamos combatendo desde os dias
borrascosos de 1943, em que publicamos "Em defesa da Ação Católica" –
chegaram a furo.
A crise
saiu dos bastidores para soprar nas sacristias e nos templos, e daí
ganhar as praças públicas. Sem dó nem piedade, ela vai penetrando até
nos menores recantos, e quem hoje repetisse as frases outrora tão
verdadeiras e tão gloriosas sobre a opinião católica, como dique
inquebrantável diante do comunismo, provocaria risotas ou compaixão.
Esse
o fato mais trágico do ano trágico de 1968.
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Artigo de um pessimista, este? Quem é o pessimista autêntico? É a
sentinela que brada alertando sobre o perigo, na esperança de que a
gravidade da hora galvanize energias ainda capazes de vencer? Ou é quem,
de dentro da cidadela, responde ao brado de alarma: "Não há perigo... –
aliás o inimigo não é assim tão detestável... – e, principalmente, nada
há que fazer; deixe-me dormir até que ele entre, pois tudo está
perdido..."