Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 4 de dezembro de 1968 

De outra religião... 

Frei Japi, do Convento de São Domingos, oficiou, há pouco, uma cerimônia nupcial segundo um texto litúrgico original. Tal texto foi publicado – no todo ou em parte, não sei bem – por um vespertino digno de crédito. Pretendo comentar hoje essa inovação litúrgica, usando ainda uma vez o processo dos quadrinhos.

Os tópicos que comentarei apresentam, como verá o leitor, algumas características salientes:

a – eles abstraem inteiramente de Deus, cujo nome nem sequer é pronunciado; b – proclamam o amor livre, asseverando que o vínculo conjugal só deve durar enquanto persistir o amor que lhe deu origem; c – em coerência com este princípio, adotam uma terminologia ambígua, que tanto pode referir-se ao casamento quanto a uma união "livre" qualquer; d – se o texto tem referências à multiplicação da espécie, à educação dos filhos, é sob forma de charada; e – em suas referências à questão social, deixa ver a influência do reformismo à Comblin.

Passemos ao quadro, não sem notar que, muito laica e igualitariamente, o folheto se refere ao sacerdote chamando-o simplesmente "Japi".

"Liturgia" de Frei Japi:

1) – Japi – Amigos. A. e M. querem comunicar o amor que os une e pedem a mim que presida esta cerimônia. Aos amigos presentes, que sejam testemunhas e que com eles se solidarizem.

2) – Noivo – A., hoje venho contente. Minha procura de uma vida autêntica para conhecer o mundo e o homem, o que aspiro criar e comunicar, meu trabalho e a busca do verdadeiro e do justo, quero fazê-lo com você.

3) – Noiva – M., eu acredito em nós, e sabendo que existe uma força de expansão e de relação chamada amor, impelindo o homem a sair de si para se construir um grupo, confirmo minha vontade clara de viver junto de você.

4) – Todos os presentes – Sabemos das dificuldades que toda união acarreta e aspiramos à solidariedade e à compreensão, para podermos crescer em felicidade.

5) – Padrinhos – Nós os conhecemos e esperamos que a união de vocês seja um reforço no trabalho de libertação dos homens, um reforço no trabalho de construção de uma estrutura social que reflita melhor a dignidade do homem.

6) – Noivo – Eu tomo a você, A., para minha amada mulher e estarei com você em companhia do mundo, durante todo o tempo em que o amor nos mantiver unidos.

7) – Noiva – Eu tomo a você, M., para meu homem amado  e quero estar com você em companhia do mundo durante todo o tempo em que o amor nos mantiver unidos.

8) – Japi – Perante todos os presentes, em nome da Igreja, confirmo-vos, M. e A., marido e mulher.

Comentários:

1) – Estas palavras do sacerdote indicam a finalidade que os nubentes devem ter em vista na cerimônia nupcial: "comunicar o amor" que os une. Se a cerimônia nupcial é só isto, não se vê no que se diferencia do ato em que um jovem e uma jovem reúnem amigos para lhes dizer que vão começar a coabitar extramatrimonialmente.

2) – Nestas palavras, o que o noivo enuncia de modo inteiramente explícito é o mero desejo de instaurar um convívio, seguido da menção de alguns dos reflexos deste convívio na sua futura existência.

3) – "Viver junto de você": a ambigüidade continua. O casamento se reduz então a um "viver junto" para efeitos de amor? E o que é esse charadesco "sair de si para construir em grupo"?

4) – "Toda união": o casamento não é senão uma união como outra qualquer?

5) – Aqui vem expresso o que a sociedade tem o direito de esperar dos noivos. A fraseologia – como dissemos – é própria do reformismo vago, tendencioso e demagógico do tipo "Comblin". De família, de prole, de educação, nenhuma palavra, desde que o texto se entenda sem interpretações charadescas.

6) – Neste trecho, a amoralidade do folheto litúrgico aflora por inteiro. Esta fórmula importa na aceitação do amor livre, segundo as mais audaciosas teorias comunistas. Pois ela faz depender a estabilidade do casamento do mero fato da constância do "amor". Ou seja, qualquer das partes, a qualquer momento, pode dar por findo o casamento, alegando que o "amor" cessou.

7) – Comentário análogo ao anterior. É de se notar a expressão "meu homem", tão pouco usual no Brasil, para indicar o esposo, e tão própria para caracterizar uma situação irregular e extramatrimonial.

8) – Um casamento religioso efetuado nestes termos terá realmente a consistência jurídica de casamento? Japi parece persuadido de que tem. Mas a cláusula expressa de não aceitarem os cônjuges o vínculo conjugal indissolúvel impede o ato de ser verdadeiro casamento.

Como é fácil ver, estes textos não se ajustam de modo algum à doutrina católica. Correspondem talvez a qualquer outra religião... Ou irreligião.

Mas, dirá alguém, quem sabe se o folheto é mais amplo, e a par destes contém alguns trechos bons? É forçoso responder, então, que se os tais possíveis trechos bons correspondem à doutrina católica, nem por isto os que aqui citamos deixam de aberrar dela.

*   *   *

Uma ressalva final é necessária. De nenhum modo, envolvemos nesta crítica os nubentes, seus padrinhos e familiares. O vespertino que transcrevemos não lhes menciona os nomes. Mas por certo leram desprevenidamente o estranho formulário sem se dar conta de seu real alcance. As dúvidas, naturalmente, só depois lhes ocorreram.


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