Janeiro de 1979 - Almoço oferecido
pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e
Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do
diretor do jornal, Octávio Frias
20 de
novembro de 1968
Amarga reflexão para os otimistas acomodatícios
Quando de minha estada em Roma, em 1962, encontrei, em vários círculos
influentes e de alta categoria uma atmosfera de franco otimismo quanto
ao curso das coisas além cortina de ferro. Os dois motivos essenciais
desse otimismo eram o "amolecimento" do regime comunista, que estaria
começando a se operar na Rússia, e a atuação, havida por original, sagaz
e patriótica, de Gomulka na Polônia.
Dos
traços essenciais do "amolecimento" do comunismo na Rússia (desconjuntamento
político do bloco das nações sujeitas ao domínio russo, descentralização
de certas grandes máquinas administrativas no interior da Rússia,
"restauração" do capitalismo e da propriedade etc.), tão alardeado pela
propaganda soviética, já me ocupei no artigo anterior. E também já
enumerei as vantagens imensas – para não dizer monstruosas – que o
comunismo com isto auferiu no plano internacional.
O
noticiário telegráfico desta semana me induz a dizer algo sobre Gomulka.
Para compreender a atuação desse líder comunista, é preciso ter em linha
de conta o problema de assimilação que sua pátria, a Polônia, criava
para os soviéticos nos idos do pós-guerra.
Como
se sabe, a Polônia tem duas características: é maciçamente religiosa, e
heroicamente ciosa de sua independência. Ambas estas características
tornavam provável a irrupção de uma intérmina guerrilha religiosa e
nacionalista, caso se prolongasse a ocupação soviética no país. Claro
está que nem por isto os russos retirariam de lá as suas tropas. Mas
essa guerrilha traumatizaria a fundo a Europa e o mundo, e cristalizaria
contra o Cremlim um descontentamento universal, no momento mesmo em que
os sucessores de Stalin começavam a vasta propaganda do seu plano de
"amolecimento". Ora, como convencer o mundo desse "amolecimento",
calcando ao mesmo tempo aos pés uma Polônia ensangüentada e indomável?
Impunha-se, pois, para o Cremlim, a adoção de uma terceira via, que não
importasse para ele nem em perder a Polônia, nem em esmagá-la.
Como
por encanto, surgiu então das fileiras do PC polonês um "patriota", que
se fez eleger Chefe de Estado, estribando-se no seguinte arrazoado, mais
ou menos explícito.
1.
Sou polonês, e outra coisa não desejo senão a independência do meu país.
Por isto, convido todos os poloneses, de todas as tendências, a me
apoiarem;
2.
Bem entendido, sou comunista, quero para meu país o sistema comunista;
3.
Se a maioria católica me apoiar, prometo-lhe – na restrita medida que os
soviéticos tolerarem – a liberdade de culto e a autonomia em relação ao
Cremlim;
4.
Se a maioria católica eleger um presidente anticomunista, os russos, que
a custo tolerariam o pouco de liberdade e autonomia que reivindico,
invadirão fatalmente o país, deflagrarão uma perseguição religiosa e
esmagarão a Polônia sob uma ditadura de ferro.
Que
fazer? Eleger Gomulka? Uma vez ele empossado, até que ponto contar com
sua coerência, com sua força, com sua abnegação e sobretudo com a
sinceridade de seu entusiasmo, para a árdua realização das promessas que
fizera?
É
muito agradável ser otimista. A gente evita insônias e dores de cabeça,
pelo menos até o momento, às vezes remoto, em que se percebe estar no
fundo do abismo. Prevaleceu o otimismo...
Gomulka foi eleito. Um coro de elogios se levantou então, em favor dele,
na Europa. Foi desse coro que ouvi em Roma algumas notas entusiásticas.
Feliz Polônia que engendrara em seu seio homem tão certo, tão evidente,
tão indiscutivelmente sincero em seus arroubos patrióticos quanto
Gomulka – dizia-se enfaticamente.
Aquietada por Gomulka, a Polônia não se rebelou. O regime comunista ali
se impôs pacificamente. De cordiais que haviam sido de início, suas
relações com a Igreja se foram deteriorando dia a dia. Gomulka foi-se
aproximando lentamente do Cremlim e acabou por ser, nas mãos dos
soviéticos, um pró-cônsul tão dócil quanto o da Hungria ou da Alemanha
Oriental. Há pouco, cerrou fileiras com os russos para esmagar a
Tchecoslováquia. E nestes últimos dias, logo depois de se fazer reeleger
secretário do PC polonês (cargo mais alto do que o de Chefe de Estado),
pronunciou um discurso entusiasticamente pró-soviético. Considerada em
seu conjunto, a atuação de Gomulka serviu exatamente os interesses do
Cremlim: sem ter de enfrentar guerrilhas inglórias, conseguiu este
submeter a Polônia à "linha justa" de Moscou.
O
procedimento de Gomulka lança efeitos funestos no quadro da política
mundial. A NATO acaba de avisar à União Soviética que se esta, apoiada
por seus satélites, se atirar sobre a Áustria, a Iugoslávia ou outra
nação européia, graves conseqüências internacionais serão de se temer.
Em outros termos, a NATO receia que a Rússia, e com ela a Polônia e
outras nações do Pacto de Varsóvia, alentados pelo esmagamento da
Tchecoslováquia, estejam preparando algo que dê em guerra mundial. O
que, em outros termos ainda, importa em dizer que Gomulka atua à testa
da Polônia como um fator de guerra, e não de paz.
É
pois à guerra, e não à paz, que levaram, neste caso como em tantos
outros, o otimismo fácil e o gosto pelas acomodações falaciosas.
*
* *
Estas considerações têm uma importância que transcende a Europa central.
No momento em que escrevo, as notícias dão a impressão de que o Vietnã
vai sendo gradual e inexoravelmente reduzido a aceitar negociações nas
quais, como é lícito depreender, triunfará a política do Vietcong.
Ao
mesmo tempo os comunistas da Coréia do Norte começam a acender uma
guerrilha de conquista na Coréia do Sul.
Se
essa incipiente guerrilha da Coréia se consolidar, é forçoso recear que
se transforme a península coreana em um outro trágico e abrasado Vietnã.
E isto no próprio momento em que o heróico Vietnã parece ser obrigado a
fazer ao comunismo os maiores sacrifícios em prol da "paz" naquela
região da Asia. Os recursos bélicos, que a capitulação do Vietnã torna
livres – deve-se também recear – serão empregados dentro em breve pelos
comunistas em outra frente.
Então, para que capitular? Haverá ainda espíritos acomodatícios que,
depois disto, não vejam que capitular assim não é favorecer a paz, mas
eternizar a guerra?