Folha de S. Paulo,
6 de
novembro de 1968
Sempre em foco a TFP
D.
Antônio de Castro Mayer ascendeu, a custo de talentos múltiplos e
autênticos, ao lugar de destaque que tem nas fileiras do Clero
brasileiro. Doutor pela Universidade Gregoriana de Roma, ocupou em São
Paulo cargos de relêvo: professor no Seminário do Ipiranga, Assistente
Eclesiástico do "Legionário", cônego, e vigário geral para a Ação
Católica. Eleito bispo de Campos, salientou-se por uma ação apostólica
bem sucedida e modelarmente ortodoxa, pela fundação de um excelente
Seminário e do tão famoso mensário de cultura "Catolicismo". Foi ele um
dos co-autores de "Reforma Agrária – Questão de Consciência". Escreveu
também importantes Cartas Pastorais. Toda essa bagagem literária lhe
assegurou renome internacional, acrescido pela sua participação no
Concílio Vaticano II.
Desse prelado, tive a alegria de receber a missiva seguinte:
"Campos, 30 de outubro de 1968. Muito prezado Dr. Plinio: Com pesar,
tomei conhecimento de um comunicado distribuído pelo serviço de imprensa
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a propósito dos assuntos
ventilados na reunião de sua Comissão Central, realizada neste mês. Há
nele um julgamento sobre a natureza e as atividades da Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, de cujo
Conselho Nacional o prezado amigo é digno e eficiente presidente, que
não corresponde à realidade. Diz o comunicado que a TFP insere-se na
corrente "integrista" do século passado. Diz além disso, que um dos
aspectos mais graves de sua atividade é a sua interferência na vida das
dioceses. Tal julgamento, sem diminuir em nada a consideração e o
respeito que devo aos ilustres membros da Comissão Central da CNBB, em
consciência, devo reprovar.
"É
verdade que o comunicado relaciona-se com a reunião da Comissão Central,
da qual não faço parte. Não obstante, nas atuais circunstâncias, meu
silêncio poderia parecer uma tácita aprovação concedida ao ato da
Diretoria da CNBB. É, pois, no cumprimento de um dever de consciência,
que venho manifestar ao prezado amigo meu pesar e meu desacordo com
relação ao julgamento que a Comissão Central da CNBB fez da natureza e
atividades da TFP. "Non dicas malum bonum aut bonum malum", adverte o
Pontifical ao Bispo, quando ele se sagra. Foi a advertência que ditou
esta carta.
"De
fato, sei que a TFP não tem qualquer ligação nem real nem ideológica,
com o chamado "integrismo", aliás, tão misterioso que pode um escritor
francês intitular um de seus livros "L'integrisme cet inconnu" [O
integrismo este desconhecido, ndc]. É certo que a TFP fez campanhas
contra a reforma agrária socialista e confiscatória, que combateu a
implantação do divórcio no projeto do novo Código Civil, que despertou
no povo a repulsa contra a infiltração comunista nos meios católicos.
Tachar de integrismo a oposição a tais reformas é fazer abstração de
princípios fundamentais da doutrina católica. Com efeito, são pontos
líquidos da lei natural – campo em que age a TFP – o direito de
propriedade e a indissolubilidade do matrimônio. Por isso mesmo, a
Igreja sempre os ensinou e defendeu, numa tradição ininterrupta: um,
contra o socialismo invasor; outra, contra os assaltos da sensualidade.
Assim também o comunismo, desde que apareceu ela o considerou
intrinsecamente mau na definição clara da Encíclica "Divini Redemptoris"
de Pio XI. E para que não houvesse dúvida sobre o alcance doutrinário
desse documento papal, Pio XII declarou que é em virtude da doutrina
cristã que se deve rejeitar o sistema social do comunismo (al. Natal,
1955).
"Deduzir das campanhas da TFP que ela é integrista, é concluir demais. A
não ser que – hipótese de excluir-se – se queira, como em certos
círculos da França, tachar de "integristas" todos e só aqueles que
combatem o comunismo e o relaxamento dos costumes entre os fiéis.
"Também não vejo como se possa censurar a TFP porque faz uso do direito,
que lhe assegura a Constituição do País, de externar suas idéias e
realizar suas campanhas, pacificamente – como sempre tem feito – em
logradouros públicos. Pacificamente, digo, porque não se podem atribuir
à TFP as agressões de que ela tem sido vítima. Seria uma impudência.
"E
não venham acusar esta carta de "divisionismo". A união não é coisa que
se possa impor na base de um julgamento falso. Seria, aliás, ilícita.
Tanto mais quanto se toleram divergências nada menos do que na aceitação
de um documento do Papa, como é a Encíclica "Humanae Vitae", publicado
precisamente com a intenção de reunir os católicos em torno da doutrina
e da prática relativas ao ponto delicado do controle dos nascimentos.
"Resta-me felicitá-lo e a toda a TFP, pelos brilhantes êxitos das
campanhas realizadas contra o agro-reformismo socialista e confiscatório,
contra o divórcio e contra a notória infiltração comunista em meios
católicos.
"Que
Nossa Senhora continue a proteger a TFP, como tem feito até o presente,
são meus votos, os mais ardentes".
É
este um pronunciamento altamente autorizado, que insiro no arquivo da
TFP, ao lado das valentes declarações de apoio que deu à mesma entidade,
durante a recente campanha, esse outro Prelado brasileiro – célebre no
âmbito nacional e internacional – que é d. Geraldo de Proença Sigaud,
arcebispo de Diamantina.
*
* *
E
passo agora a outro assunto: uma entrevista que d. Vicente Scherer,
arcebispo de Porto Alegre, e vice-presidente da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, concedeu ao "Correio do Povo" de 29 de outubro. Dentre
as declarações do ilustre Prelado, destaco duas.
A
primeira se refere à criação, dentro da Comissão Central da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil, de uma comissão mais reduzida, destinada,
segundo o entrevistado, a "fazer pronunciamentos e agir oficialmente em
nome do Episcopado Brasileiro". D. Scherer diz que a medida foi tomada
por duas razões, uma das quais é esta: "em vista de possíveis atritos ou
desentendimentos com autoridades públicas".
Como
brasileiro desejoso de que se conservem as relações tradicionalmente
cordiais entre a Igreja e o Estado, confesso que a assertiva me deixou
perplexo. Pois nada vejo, nem no Chefe do Estado nem nos altos
detentores do Poder Público, que seja de molde a pôr a Igreja em estado
de alerta. E de tanta alerta que tenha sido necessário instituir como
que um órgão especial para agir em face dessa perspectiva lúgubre.
Em
outro trecho da mesma entrevista, d. Scherer verbera fortemente o
ministro do Interior, Albuquerque Lima, por declarações – a meu ver
lúcidas e corajosas – que este fez contra o chamado esquerdismo
católico. Disse d. Scherer que o ministrou acusou instituições
católicas: a) "sem nenhuma espécie de provas"; b) sem "verificação
anterior sobre o fundamento da acusação". E daí conclui que ele agiu
contra um "elementar axioma jurídico e moral".
Ora,
d. Scherer foi quem presidiu a recente reunião em que a Comissão Central
da CNBB tomou posição contra a TFP, sem sequer ouvir esta. Permito-me
uma pergunta: o colendo órgão não merecerá reparo muito semelhante?