Folha de S. Paulo,
30 de
outubro de 1968
Dom Helder: 3 êxitos marcantes
Os
brasileiros que andam confusos e apreensivos com a atuação de D. Helder
Câmara têm sérios motivos para se sentirem ainda mais confusos e
apreensivos. Com efeito, nesta semana, três acontecimentos constituíram
para ele êxitos inegáveis.
O
primeiro foi o lançamento de sua "Ação, Justiça e Paz", na cidade de
Propriá, coração de uma zona de Sergipe considerada altamente propícia à
expansão desse movimento.
No
ato, D. Helder não fez cerimônias, e, apesar do apregoado caráter
pacífico de sua ação, acenou com o perigo da violência, para o governo e
o País. E violência com prazo certo: "Cinco anos é o tempo em que, se o
governo não resolver os problemas brasileiros, a violência que se esboça
ganhará campo, e então não haverá forças que possam sustá-la", proclamou
ele. Em outros termos, ou o Brasil se submete humildemente às reformas
exigidas pelo fogoso prelado, ou, segundo ele vaticina, a violência
estourará com o Brasil.
E,
que nos conste, ninguém saiu a campo para apresentar ao fundador da
"Ação, Justiça e Paz" qualquer objeção. Pelo menos, a pequena objeção
que aqui exponho: ou o Brasil está consciente de toda a apregoada
extensão de sua miséria, ou não está. Se está, do que adianta a
"conscientização" promovida com tanto alarido por D. Helder? Se não
está, não é precisamente essa "conscientização" que pode trazer a
violência que D. Helder profetiza? Pois, em última análise, nenhum povo
se revolta contra aquilo que não vê, que ignora, de que não tem
consciência.
Sem
dúvida, o silêncio no qual reboou desembaraçadamente o brado de D.
Helder foi para este um êxito.
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Outro êxito para D. Helder foi o comunicado com que a Comissão Central
da Conferência Nacional do Bispos do Brasil encerrou sua reunião. A
certa altura, o documento externa alegria porque "por toda a parte,
bispos e presbíteros do Brasil" promovem "movimentos destinados a ajudar
a ascensão humana e cristã de imensas massas marginalizadas em nosso
país". Nesta frase evidentemente se inclui, entre outros, o movimento de
D. Helder.
Depois do elogio, vem a defesa daquele órgão episcopal contra os ataques
feitos aqui e acolá a esse movimento: "Alegra-nos ver, é justo proclamar
que tais movimentos não são inspirados por nenhum personalismo ou desejo
de autopromoção nem se armam contra pessoas ou instituições nem visam
criar comoções ou rebeldias. Suas raízes são pastorais. (...) E são
assim uma força contra a violência (a das estruturas e da rebelião) é
uma força (quem sabe das últimas) em favor da paz (...)".
Se
estas palavras são merecidas, sem a menor ressalva ou restrição, pelos
movimentos que, "por toda a parte", bispos e presbíteros estão
promovendo, é claro que incluem Recife, que é uma das "partes" do
Brasil, D. Helder que é o arcebispo daquela "parte", e o movimento que
ele fundou.
Em
suma, achamos impossível não ver, nesses textos, o elogio discreto mas
categórico, a defesa implícita mas firme, da "Ação, Justiça e Paz" pelo
mais alto organismo eclesiástico do Brasil. É o segundo êxito de D.
Helder.
Se
nossa interpretação é inexata, se as palavras não têm mais seu sentido
natural, e a Comissão Central da CNBB pensa o contrário do que aí está,
se ela não acha defensável nem elogiável o movimento de D. Helder, é
aliás só dizê-lo claramente. Incontáveis fiéis se rejubilarão com isto.
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Mas,
ponderará alguém, a TFP, pelo menos, também não está incluída nesse
elogio genérico?
Não.
O elogio se circunscreve claramente a movimentos promovidos por bispos
ou sacerdotes. A TFP é uma entidade cívica que tem amigos bispos e
sacerdotes, mas é promovida e dirigida por leigos.
Ademais, se no comunicado da Comissão Central da CNBB não se fala da TFP,
uma notícia distribuída pelo secretariado desse órgão (baseio-me nesse
texto autêntico, abstração feita do noticiário sensacionalista e algum
tanto confuso de certa imprensa) não nos poupa acusações e vilipêndios.
Tenha o leitor bem em mente que acabamos de promover, com o maior êxito,
o abaixo-assinado suscitado pelo escandaloso escrito do pe. Comblin,
professor do Instituto Teológico de Recife que funciona sob os auspícios
de d. Helder, e leia agora a seguinte notícia distribuída pelo referido
secretariado:
"Sociedade "Tradição, Família e Propriedade".
D. Vicente Scherer ficará encarregado de apresentar este assunto.
Dissertou sobre a história do "integrismo" desde seus primórdios, no
século passado, mostrando que a TFP insere-se nessa corrente. Um dos
aspectos mais graves de sua atividade é a sua interferência na vida das
dioceses. Terminada a exposição de d. Scherer, vários bispos tomaram a
palavra buscando esclarecer melhor a questão e trazendo cada um a
própria experiência a respeito. No final, ficou decidida a constituição
de uma comissão de 3 membros para propor à Comissão Central medidas
práticas à respeito".
A
investida é dura. Haveria vários "aspectos graves" em nossas atividades.
Isto teria ficado provado na reunião da Comissão Central, sem que
fôssemos sequer ouvidos. Quais são estes aspectos? Só se mencionaram
dois. Um é nossa suposta filiação ao integrismo (que não é o
integralismo, com o qual também nada temos que ver). A notícia não dá as
provas, e se contenta em acusar. O outro é ainda mais confuso: o que são
as assim chamadas "interferências na vida das dioceses"? Como pode
alguém defender-se de acusações assim lançadas ao ar? Não obstante o
vago de tudo isto, o público ficou sabendo que a Comissão Central da
CNBB já decidiu, em princípio, tomar "medidas práticas" contra o suposto
mal. Que medidas? Aguardemos.
Nesse repúdio da TFP, nessa rejeição, nessa severidade, como não ver que
ela atinge o milhão e meio de brasileiros que assinaram nossa Mensagem e
cujo clamor a Comissão Central ignora? Com efeito, a Comissão Central
dos Bispos não teve uma palavra de preocupação com a infiltração
esquerdista em meios católicos. Ela não se preocupa com esse mal. Mas
toma atitude contra a entidade que teve a coragem de denunciar tal
infiltração. E como não exultará com isto o pe. Comblin? Nesta vitória
do pe. belga sobre 1.500.000 brasileiros vai um êxito indireto para d.
Helder, que lhe confiou uma cátedra e nunca consentiu em o desautorizar.
Por
fim, uma pergunta melancólica, talvez um pouco à margem do tema: quando
a imoralidade invadiu certos setores do campo católico, quando num
Boletim editado sob os auspícios da CNBB se faz o elogio do nu e da cena
pornográfica no teatro (cf. "Boletim Telepax", nº 125), quando em uma
revista católica se defende a homossexualidade (cf. "Vozes – Revista
Católica de Cultura", setembro de 1967, pags. 792 a 803), e freiras se
exibem em indecentes maiôs de banho (cf. "O Cruzeiro", edição de
20-7-68), por que silencia sobre isto a Comissão Central da CNBB, ao
mesmo passo que elogia o movimento de d. Helder e ataca a TFP?
Leitores talvez haja, que se zanguem com a pergunta. Não adianta zangar,
nem ficar sentido.
Pois ressentimento
e zanga não constituem argumento.