Folha de S. Paulo,
18 de
setembro de 1968
Badernas e balelas
Discorrendo na sessão de encerramento da triunfal campanha de
assinaturas da TFP, tive a ocasião de analisar os aspectos positivos e
negativos da realidade nacional, postos em evidência pelas reações do
público em face da infiltração esquerdista em meios católicos.
O
grande fato, eloqüente em sua simplicidade, é que, em uma coleta que
durou apenas 58 dias, efetuada pelos nossos militantes em 176 cidades,
1.500.000 brasileiros de todas as classes sociais se manifestaram
alarmados com essa infiltração, e pediram ao papa Paulo VI medidas que a
sustem.
A
isto, que exprime com clareza a mentalidade da grande maioria dos
brasileiros, e denota um estado de sanidade da opinião pública
verdadeiramente alentador, se contrapõe, como aspecto negativo da
realidade nacional, o gênero de reações que nossa campanha suscitou por
parte de uma irritada minoria:
a)
Em nenhum lugar encontramos adversários que dessem mostras de desejar um
diálogo sereno e elevado;
b)
Pelo contrário, quase por toda parte, nossos militantes, sempre
exemplarmente corteses e serenos, foram visados por arruaças e agressões
físicas de pequenos punhados de baderneiros. Tinha essa gente o intuito
de dispersar as nossas bancas e afugentar o público que as procurava;
c)
Ao mesmo tempo, uma verdadeira onda de calúnias foi lançada contra a TFP,
por certa imprensa, para confundir o povo e impedi-lo, assim, de assinar
a mensagem a Paulo VI.
Expondo estes fatos aos mil e quinhentos paulistanos que lotavam o
auditório da Casa de Portugal, concluí que a referida minoria pensa
exatamente como o pe. Comblin. Com efeito, esse agitador de batina (ou,
talvez, de clergyman) afirma, em seu famoso escrito, que a maioria dos
brasileiros é incontaminável pelo esquerdismo, e que incumbe à minoria
impor-lhe um regime populista, à viva força. Como, à viva força –
comentei eu então – a União Soviética acabava de impor sua tirania à
Tchecoslováquia.
Estas reflexões, acolhidas por palmas estrepitosas e intérminas – que
indicavam quanto aquele numeroso público sentia a procedência das minhas
afirmações – sou obrigado, a contragosto, a reproduzi-las hoje neste
artigo.
Com
efeito, à maneira de fogo de artifício final, foram postas em
circulação, nos últimos dias de nossa campanha, algumas calúnias
reunidas em uma só notícia, à qual se deu larga divulgação pela
imprensa. Não sei que órgão irresponsável a publicou em primeira mão. O
fato é que ela foi, a seguir, reproduzida por vários jornais dotados de
um prestígio que os torna dignos de toda a atenção.
Não
cremos que essa investida "in extremis" haja causado impressão no
público. O ódio de tal maneira carregou as tintas, nessas calúnias, que
ultrapassou todo limite da verossimilhança. "Tudo o que é exagerado é
insignificante", disse certa vez Talleyrand. Por essa razão, nada há de
mais insignificante do que a mentira exagerada e mirabolante. A TFP
negligenciaria, pois, normalmente, de dar resposta a esse feixe de
inverdades.
Mas
há uma circunstância que nos obriga a falar. É que, como base dessas
mentiras, foi mencionado o nome de uma dama, o da primeira Dama do País.
O cavalheirismo nos obriga, pois, a esclarecer o assunto.
A
calúnia-base é que a TFP teria obtido ardilosamente de da. Iolanda Costa
e Silva que assinasse um manifesto contrário ao presidente Frei. A
partir desse fato, a polícia, alertada, teria instaurado um inquérito
sigiloso sobre nossa organização. Esse inquérito, por sua vez, teria
revelado que nossos militantes, sujeitos a uma disciplina nazi-fascista,
ganham da TFP 20 cruzeiros novos por dia, para atuar na campanha, e que
a entidade gasta um milhão e quinhentos mil cruzeiros novos por mês.
Ora,
o fato que teria originado o inquérito pura e simplesmente não existe. A
TFP jamais lançou um manifesto contra Frei. Jamais, portanto, pediu para
ele a assinatura de da. Iolanda. A esposa do chefe de Estado assinou,
isto sim, nossa mensagem pedindo a Paulo VI medidas contra a infiltração
esquerdista em meios católicos do Brasil. Mas esta mensagem, cujo texto
está nas mãos de todos, não contém a menor referência a Frei.
E seria
estapafúrdio que contivesse.
É
notório que um dos membros do nosso Conselho Nacional, o sr. Fábio
Vidigal Xavier da Silveira, publicou, há 14 meses atrás, um volume
contendo sagaz e brilhante reportagem sobre o governo Frei. E que nessa
reportagem há várias críticas à linha política do chefe de Estado do
país amigo. Mas é absurdo dizer que quem assinou nossa mensagem a Paulo
VI implicitamente afirma conhecer e aplaudir aquela reportagem. Como se
quem aprova um gesto de alguém, num ponto muito definido, lhe aprovasse,
ipso facto e necessariamente, todas as atitudes que tomou em
outros terrenos inteiramente diversos.
Julgamos o presidente Frei inteligente demais para ter levantado, a este
propósito, qualquer objeção.
Aguardamos que Frei deixasse nosso território para publicar este
desmentido. Aqui está ele, para os inúmeros leitores da "Folha de S.
Paulo", e, pois, por fácil osmose, para os de todo o Brasil.
O
resto das calúnias cai por si. Se da. Iolanda não foi ludibriada (e sua
notória capacidade intelectual impediria que o fosse), não pode ter
havido inquérito sobre o fato. E se não houve inquérito, o inquérito
nada pode ter apurado contra a TFP.
O
que dizer do mérito das restantes acusações? "Quod gratis datur gratis
negatur". Afirmou-se que são verdadeiras. Negamo-lo rotundamente. Quem
tem provas, que as produza.
Sobre a acusação de nazi-fascismo, apenas uma palavra. No período em que
o totalitarismo de direita representou um perigo real e próximo para o
País, bom número dos atuais dirigentes da TFP colaborava no hebdomadário
católico de São Paulo, "Legionário",
do qual eu era diretor. Nas folhas desse órgão está documentada nossa
campanha contínua, valente, intransigente, contra o nazi-fascismo em
todas as suas variantes. De lá para cá, algumas vedetes da
extrema-direita totalitária se deslocaram para o progressismo, à procura
de novas formas de vedetismo. Mas isto, muita gente gosta de calar.