Folha de S. Paulo,
4 de
setembro de 1968
Cá
e lá, os mesmos tiranos há
Ao
escrever meu último artigo para a "FOLHA", convidei o leitor a uma
posição de vigilância em face do procedimento soviético na crise
tchecoslovaca, crise esta que ia atingindo, então, o seu clímax. Era
preciso não interpretar qualquer eventual aparência de comedimento dos
déspotas vermelhos como manifestação de uma brandura ou de um
desinteresse que nem de longe possuem. As atitudes que eles viessem a
assumir só não seriam brutais na medida em que as conveniências de sua
política a isto os obrigassem. A URSS alcançará inapreciáveis vantagens
políticas afivelando a máscara do pacifismo. Se algo de generoso e
cordato se notasse em suas próximas atitudes, isto só se deveria ao
empenho de não deixar cair inteiramente a máscara que tantos proveitos
lhe trouxera.
Os
acontecimentos da última semana se explicam inteiramente à luz deste
critério. Na aparência, os soviéticos foram cordatos: deixaram à testa
do governo, em Praga, os mesmos dirigentes "liberais" cuja política
tanto os preocupara e agastara. Assim, a Tchecoslováquia continuaria a
ter um governo autenticamente tcheco e eslovaco. Não haveria uma
sujeição do país aos soviéticos, mas uma colaboração destes com as
genuínas autoridades nacionais. E a "prova" disto é que, à hora em que
escrevemos, os tanques soviéticos deixam o centro de Praga, postando-se
discretamente nos subúrbios dessa cidade. Nestas condições, o âmago da
capital, onde se situam os principais edifícios governamentais e
administrativos, já está livre...
Entretanto, essa simulação de respeito aos direitos dos povos mais
fracos é tão grosseira, a brutalidade da conduta soviética continua tão
clara, que não é necessário dar o menor argumento para provar que a
Tchecoslováquia está simplesmente esmagada sob a bota do comunismo
russo.
Em
outros termos, apesar dos artifícios usados, a máscara caiu.
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* *
Para
dar-se conta de que ela caiu, não era necessário dirigir os olhos para
tão longe. A brutalidade fundamental do espírito comunista – seja
soviética, chinesa ou outra qualquer a sua variante – aparece com toda a
nitidez nas várias formas de agressão que a TFP tem sofrido ao longo da
campanha que vem desenvolvendo contra a infiltração esquerdista em meios
católicos.
É
claro que essas agressões não têm sido, todas, de procedência comunista.
Mas o espírito comunista não se circunscreve aos arraiais comunistas.
Ele se irradia para as várias esquerdas que lhe formam em torno como que
círculos concêntricos sucessivos. Neste sentido, refletem tais agressões
a mentalidade comunista, ainda quando seus agentes não sejam senão
socialistas ou progressistas.
É
possível que algum dia a lista destas agressões se publique. Ela deixará
pasma muita gente. Desde já, entretanto, podemos indicar as principais
variantes com que elas se vêm apresentando:
a)
Pela força bruta, isto é, por meio de pancadaria contra nossos coletores
de assinaturas, com o evidente – e aliás vão – intuito de os provocar a
brigas múltiplas, que possam justificar o fechamento compulsório de
nossa campanha, sob o pretexto de que perturba a ordem;
b)
Pela calúnia, por exemplo, atribuindo-nos, sem o menor vislumbre de
veracidade, pichamentos e atos de violência vários. Os acusadores,
intimados a exibir suas provas, calam-se sempre. Mas daí a pouco a
calúnia renasce. "Menti, menti, alguma coisa sempre ficará", disse
Voltaire. Para o nosso caso, a assertiva do cínico de Fernay é falsa.
Ninguém dá crédito à calúnia. Mas, infatigável, ela continua, com a
esperança de voltar contra nós o público, e assim impedir o progresso da
campanha;
c)
Pelo silêncio compulsório. Amigos de uma grande cidade de nosso País,
ainda há pouco me comunicavam sua desolação em face da atitude da
maioria dos órgãos de publicidade locais: acolhida franca para todas as
notícias e comentários desfavoráveis à TFP, e fechamento absoluto para
as informações, retificações e refutações emanadas de nossa entidade.
Em
outros termos, dos arraiais comuno-socialístico-progressistas procede um
sem-número de brutalidades – no sentido físico como no moral – visando
tolher-nos o direito de falar, de agir, bem como de auscultar e de
anunciar o modo de sentir dos brasileiros. Brutalidades que, enquanto
voltadas para impedir a coleta de assinaturas em um abaixo-assinado
endereçado ao Vigário de Cristo, sobre tema de transcendente importância
cívica, violam a liberdade religiosa e a liberdade política de milhões
de brasileiros. E transgridem gravemente a Constituição Federal, em que
essas liberdades se inscrevem.
Este
o furor tirânico dos esquerdistas de todo jaez, em nosso País, contra
uma campanha exercida legalmente e com suma cortesia, por uma entidade
cujo procedimento pacífico é notório aos olhos de todos.
Que
diferença há entre esse furor dos nossos esquerdistas indígenas e a
brutalidade mostrada pelos soviéticos em Praga? No fundo, nenhuma. Pois
procedem da mesma causa e trazem a mesma marca: o espírito comunista.
*
* *
Qual
a utilidade prática deste paralelo?
Parece-nos bem clara. Ele torna fácil entender o que o comunismo quer
quando seus asseclas bradam por liberdade. É implantação do reinado frio
e implacável de uma integral violência.
É
aliás, o que o escrito do pe. Comblin deixa marcadamente claro, nas
seguintes passagens: "Não basta fazer leis. É preciso impô-las pela
força. Para a arrancada, o poder será autoritário e ditatorial. Não se
pode fazer reformas radicais consultando a maioria: que a maioria
prefere "sombra e água fresca", prefere evitar os problemas. (...) será
necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção
contra quem se opõe às reformas.
Os procedimentos
ordinários da justiça são lentos demais".