Plinio Corrêa de Oliveira

 

Descobrimento e colonização da América:
 
Empreendimento nefasto ou

colaboração grandiosa para o

progresso da civilização?

 

 

 

 

 

 

 

Catolicismo, N° 503, Novembro 1992, Ano XLII, pag. 11-12

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Entrevista

 

Para surpresa de muitos, o ensejo dos 500 anos do Descobrimento da América não é motivo indiscutido de festejos. Em certas publicações da esquerda católica, os conquistadores, de heróis, passam a vilões. Põem elas em realce suas crueldades, não a sua coragem e sua obra civilizadora. E os abnegados e beneméritos missionários, que converteram índios à Fé católica, são apontados, pelos adeptos da Teologia da Libertação, como fautores de um empreendimento nefasto.

Sobre o tema — objeto de acesa polêmica nos ambientes católicos —, o jornalista argentino Horácio Black entrevistou, para emissoras de rádio de países hispano-americanos, o eminente pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP, e professor-emérito de História Moderna e Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dessa luminosa entrevista, destacamos as perguntas e respostas de maior interesse para os leitores do mundo luso-brasileiro.

São José de Anchieta, missionário insigne

Sr. Horácio Black - Qual sua opinião, professor, sobre a ação dos conquistadores na América?

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira - A ação dos descobridores e conquistadores da América tem sido objeto de opiniões muito diversas, e já se nota que, no momento, o ponto de partida de tal divergência é a diferença entre as concepções da Teologia da Libertação e as maneiras tradicionais de considerar essa realidade.

Entretanto, mesmo entre críticos da História que analisam as coisas sob um ponto de vista que não o da Teologia da Libertação, há também desacordos sobre a maneira de apreciar os conquistadores da América.

Para compreender essa diferença, é necessário ter em conta a época em que surgiram na História os gigantes que fizeram as navegações e empreenderam as conquistas.

Esses fatos se deram em fins do século XV e ao longo do século XVI. Exatamente um período em que tiveram curso outros movimentos históricos de grande importância. E não se podem destacar desse quadro as navegações e os descobrimentos, como se eles nada tivessem a ver com os outros fenômenos, pois todos eles constituem um conjunto.

Com efeito, houve movimentos religiosos de grande envergadura nesse período. A Idade Média ainda estava próxima e, em consequência, as preocupações religiosas tinham no espírito humano a importância que deveriam ter e que infelizmente perderam nos séculos ulteriores.

Assim, o século XV, e sobretudo o século XVI, foram marcados pelas agitações religiosas que tiveram como resultado a pseudo-Reforma protestante, com todos os erros, extravios e crueldades que trouxe consigo.

Mas, por outro lado, tais erros encontraram como reação a Contra-Reforma católica, na qual os espanhóis desempenharam um papel brilhante. Os nomes de Santo Inácio de Loyola, de Santa Teresa de Jesus, de São Pedro de Alcântara, bastam para se fazer uma ideia da importância da ação dos espanhóis na Contra-Reforma, ao lado dos quais atuaram com destaque nossos avoengos portugueses.

Como o seu nome indica, a Contra-Reforma foi um movimento religioso de repulsa à Reforma, de defesa, de elevação e, num certo sentido da palavra, de re-purificação dos valores e dos princípios eternos da Igreja Católica. Isso não se fez sem choques. Esses choques, por sua vez, acarretaram, da parte de uns como da parte de outros, crueldades. Mas não se vai dizer, por causa disso, que os grandes homens da Contra-Reforma, como os grandes agitadores da Reforma, não foram senão criminosos. Seria uma visão de conjunto que uma historiografia sã recusaria paladinamente.

Concretamente, na obra das navegações, dos descobrimentos e da colonização, houve ações magníficas, mas houve também aspectos muito censuráveis. Houve crueldades muito grandes, como houve também atos de clemência e de generosidade extraordinários. Deve-se considerar que uns e outros desses aspectos foram praticados por homens que muitas vezes tinham em si mesmos essa contradição.

Sr. Horácio Black - Professor Corrêa de Oliveira, a data de 12 de outubro foi sempre celebrada com júbilo nas três Américas, como sendo o dia em que o continente americano se integrou na grande família de nações que constitui o mundo civilizado. Há, entretanto, uma corrente que conta com o respaldo da chamada Teologia da Libertação, a qual considera o 12 de outubro de 1492 como a data em que começou a opressão dos povos indígenas da América. Qual é sua opinião a respeito?

Prof. Plinio Corrêa de Oliveira - Eu considero que a corrente inspirada pela Teologia da Libertação erra na apreciação histórica, a partir dos erros que ela comete na apreciação teológica. Ou seja, é a partir dos seus erros teológicos que ela cai em erros históricos.

A Teologia da Libertação tem, a respeito da natureza humana e do rumo que deve seguir a História, um modo de ver inteiramente diverso daquele que tem o verdadeiro católico. Para este, o homem deve progredir continuamente, mas este progresso consiste em sujeitar a terra ao serviço do homem. E, por sua vez, o homem deve sujeitar-se ao serviço de Deus, de maneira que Deus reine sobre toda a Criação.

A doutrina católica considera o homem como rei da natureza, a qual existe para serviço do homem. Quando o homem se põe na posição devida face à natureza, ele tem a obrigação de usar dela segundo as necessidades e vantagens de seu próprio desenvolvimento: de suas aptidões intelectuais, de sua vontade e de sua sensibilidade. De maneira tal que chegue, por essa forma, à perfeição moral, que é a santidade, como alcance também a perfeição de todos os outros aspectos da natureza humana.

Se o homem proceder virtuosamente, fa-lo-á com o equilíbrio adequado, que impedirá a destruição da natureza. Mais ainda, ele a aperfeiçoará para o seu próprio benefício. É o que se dá, por exemplo, no campo da botânica, quando, por meio de artifícios técnicos bem conhecidos, se produz o aparecimento de variedades vegetais que não existem senão porque o homem trabalhou a natureza, e não surgiriam jamais pelo jogo espontâneo desta.

Nesta perspectiva se compreende que a obra dos descobridores e dos colonizadores da América seja considerada pelos partidários da doutrina católica, e pela imensa caudal dos historiadores, como uma obra muito boa.

Por quê? Porque o europeu chegou aqui e firmou o seu poderio sobre a natureza, fazendo progredir todo o gênero humano com os frutos da América. Ele deu, assim, uma colaboração grandiosa para o desenvolvimento da Humanidade e, portanto, para a reta marcha da História em direção às finalidades que Deus estipulou ao homem.

Para os adeptos da Teologia da Libertação ou da ecologia, pelo contrário, a obra dos descobridores e colonizadores foi funesta.

Segundo a doutrina da Teologia da Libertação, muito vizinha, nesse ponto, da ecologia, o homem é quem deve estar a serviço da natureza; é esta, nos seus reinos inferiores — animal, vegetal e mineral — , que deve ser subservida e mantida em ordem pelo homem. De maneira tal que, em vez de essa natureza ser vergada e domesticada pelo e para o homem, é o homem que deve viver para conservar incólume a natureza.

A natureza — sempre segundo essa corrente teológica — deveria desenvolver-se na sua espontaneidade. Pois esta seria uma espontaneidade reta, quase se diria uma espontaneidade paradisíaca, da qual haveria de resultar que tudo na ordem natural corresse bem. Como única responsabilidade, o homem deveria exercer uma certa vigilância, de modo a impedir que, em certos pontos, se pronunciasse algum desequilíbrio, alguma desordem. Ele seria o guardião da natureza, tocando-a o mínimo, e vivendo modestamente, na maior medida possível, do que a natureza lhe proporcionasse. E isto num estado verdadeiramente primitivo, selvagem.

Ora, isso é completamente falso!

Segundo essa concepção eco-teológica, chega-se à conclusão de que o estado selvagem é o estado ideal para o homem. Enquanto, segundo a doutrina católica, o estado perfeito para ele é o de ser civilizado.

É inegável que, em nossa civilização atual, os defeitos são múltiplos, e precisam ser corrigidos. Entretanto, enquanto civilização, ela deve ser conservada em muitas de suas linhas gerais, e também em vários de seus pormenores.

Contudo, para a Teologia da Libertação, trata-se de caminhar rumo ao estado selvagem. Em tal concepção, é claro que os índios, por terem sido civilizados, foram prejudicados.

A partir daí — concluem os eco-teólogos — é claro que a América não deveria ter sido descoberta, que ela nada lucrou em ter sido descoberta por europeus, e que estes erraram querendo adaptar àquela civilização as maravilhas do Novo Mundo. O que é uma aberração.


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