10 de setembro de
1985
Entrevista à TV Capital (de Brasília) – Programa “Mensagem ao
Presidente”
Repórter: Boa noite. O programa “Mensagem ao Presidente” está de
volta e hoje vamos tratar de um assunto bastante polêmico: a reforma agrária.
Está aqui ao meu lado o professor Plínio Corrêa de Oliveira, que foi o mais
novo constituinte em 1934. O mais novo e o mais votado do Brasil. O professor
Plínio Corrêa de Oliveira é pensador e escritor católico tradicionalista,
professor universitário além de ex-constituinte
federal. E é o presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de
Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Desde os anos 60 foi um dos
mais destacados defensores da propriedade rural e da livre iniciativa face ao
agroreformismo. O professor Plínio Corrêa de Oliveira é autor, com o Sr. Carlos
del Campo, do recentíssimo
livro lançado pela TFP: a reforma agrária socialista e confiscatória.
O
professor Plínio Corrêa de Oliveira, como já perceberam, é uma pessoa contrária
à reforma agrária e nós vamos perguntar para ele: por que o Sr. é contrário à reforma agrária, professor?
Por uma razão muito simples. É que a reforma agrária
colide com a livre iniciativa e a propriedade individual. Do ponto de vista da
propriedade individual por que eu sou tão favorável a ela? Por duas razões. A
primeira razão é porque a propriedade individual decorre da ordem natural das
coisas. Como o homem é dono de si mesmo, ele é dono do produto do seu trabalho.
Como dono do produto do seu trabalho, ele tem o direito não só de trabalhar
para se manter no dia de hoje mas tem o direito de fazer um pecúlio para o dia
de amanhã. E tem o direito de acumular este pecúlio para os seus filhos e para
os seus netos. Este pecúlio é exatamente a propriedade. Leão XIII, o grande papel
social da Igreja, no século XIX, dizia que a propriedade é salário acumulado.
Realmente, é o que se dá. Então, se eu sou favorável a que o trabalhador seja
dono do seu salário, eu tenho que ser favorável que ele seja dono das suas
economias. Aí está a propriedade individual.
Repórter:
Mas professor, como é que se resolveria no Brasil o problema dos sem-terra, essas pessoas que querem trabalhar e que não tem
terra, sem uma reforma agrária?
Eu tenho a impressão que esta pergunta, meu caro amigo,
posta por exemplo a um estadista japonês, faria sorrir. Porque, realmente, no
Japão não há terra, é uma ilha. É um arquipélago. Os japoneses vivem acumulados
ali em quantidade incrível. Mas nós, brasileiros... o maior latifundiário do
Brasil é o poder público.
Repórter:
Mas, professor, como o Sr. encara esta questão do latifúndio improdutivo? Porque
há um grande número de pessoas, e o Sr. não ignora isso, são pessoas que
compram propriedades e as deixam inativas para aguardar a valorização. Como o
sr. acha que isto poderia ser resolvido no país?
A meu ver, se se demonstrasse
que estas propriedades ficam improdutivas com prejuízo para o erário público,
para o bem do país, para a economia do país para me exprimir melhor, se se demonstrasse isto, realmente precisaria ser coibido. Mas
daí não haveria razão para entrar nas propriedades cultivadas. Ora, quem lê o
Estatuto da Terra e quem lê o projeto do Plano Nacional de Reforma Agrária, do
ministro Nelson Ribeiro, não tem dúvida nenhuma de que a reforma agrária atinge
também as áreas cultivadas.
Repórter: Professor
Plínio, por que a TFP acha que a reforma agrária proposta pelo presidente José
Sarney é socialista e confiscatória?
Ela é socialista porque visa transformar as propriedades
rurais não propriamente transformar de grandes para pequenas, mas visa criar um
tipo novo, que ela não define e que é o assentamento.
Repórter:
Tipo novo? O que o sr. entende por tipo novo?
Tipo novo de relações entre o homem e a terra. Quer dizer,
hoje nós temos como relação, entre o homem e a terra, a propriedade. O que é o
assentamento? O projeto Nelson Ribeiro quase não fala de propriedade privada,
fala uma vez ou duas, o resto do tempo ele fala em assentamento.
Repórter:
O Sr. acredita que a propriedade deixaria de ser privada com esse assentamento?
Com este assentamento, o que acontece? Cada assentamento,
quer dizer, cada parte de terra deve ter a extensão trabalhável
por uma família. Não deve ter assalariados. Nesta extensão o indivíduo e a sua
família tem de encontrar o necessário para viver. Evidentemente não há meios de
aproveitar intensamente uma extensão de terra pequena assim, sem capital, a não
ser unindo-se a cooperativas. Estas cooperativas de gente pobre têm que ser
cooperativas subvencionadas pelo Estado...
Repórter:
Não há plano do governo desapropriar estas áreas reformáveis, vamos dizer, e
indenizar os proprietários?
Não. Me permita concluir. Então estas propriedades assim
precisam ficar dependentes de cooperativas. Estas cooperativas são dirigidas
pelo Estado. O que é um homem que tem um assentamento que trabalha com sua
família ali mas que está dependendo de uma cooperativa dirigida pelo Estado?
Ele é um colono do Estado. Isto é socialismo.
Repórter: Sei...
e o Sr. acha mal o socialismo ?
Acho mau o socialismo... a experiência tem mostrado por
toda parte. O Sr. encontra ainda há algum tempo uma onda de derrotas
socialistas na Europa.
Repórter: O
Sr. é contra a existência de partidos comunistas no Brasil?
Eu acho que teoricamente falando, doutrinariamente
falando, não deveriam existir. Mas praticamente falando eu absolutamente não me
oponho, porque acho que o grande erro deles foi saírem à luz. Todo mundo
percebeu que são esqueletos.
Repórter: Esqueletos?
O sr. quer dizer que eles não teriam muita consistência?
Ah, não tem. A grande...
Repórter:
Quer dizer que o comunismo no Brasil não assusta a TFP?
Não, como perigo não. O que assusta a TFP é a chamada esquerda-católica.
Repórter: (com
tom de voz de quem estivesse encafifado) O que é a esquerda católica?
Ah! Ah! Ah! São os católicos de esquerda...
Repórter:
o que eles pregam, o que eles fazem, para deixar assustada a TFP?
Por exemplo, a reforma agrária, a reforma urbana...
Repórter:
O Sr. acha que esta reforma agrária tem a inspiração da esquerda-católica?
Acho não, é um fato histórico, sabido. Há dois anos atrás
o Episcopado se reuniu em Itaici, a CNBB, e fez um documento que exatamente
propunha a reforma agrária mais ou menos nos termos em que está proposta pelo
ministro Nelson Ribeiro.
Repórter:
O Sr. acredita que a iniciativa do presidente José Sarney está calcada neste
trabalho?
Acho que sim e aliás os jornais disseram largamente que o
presidente Sarney está em íntima conexão com a CNBB. A CNBB hipotecou público
apoio à reforma agrária.
Repórter: Eu
não quero ser advogado do diabo, professor Plínio, mas Deus não disse que o
mundo pertence a todos e que...
Sim, Deus disse isso, mas dizendo que o mundo pertence a
todos Deus disse mais ou menos assim: o ar pertence a todos, mas cada um
respira o ar para os seus próprios pulmões. Deus [disse a] terra pertence a
todos, cada um se apropria de uma parte para usar, não é uma coisa para ser
possuída coletivamente. A humanidade...
Repórter:
Mas que as pessoas que possuem mais do que necessitam como o Sr. encara este aspecto?
Eu acho que é uma coisa legítima para os que possuem tanto
quanto necessitam não pararem de produzir. É preciso estimular a iniciativa.
Repórter:
Como é que o sr. faria, sem a reforma agrária, para que este país produzisse
mais e que os sem-terra tivessem terras?
Eu faço notar ao Sr. o seguinte: que o Brasil é hoje o
terceiro exportador de produtos alimentícios do mundo. O que representa uma
posição invejável. Isto em virtude do atual sistema agrário. O sr compare isto com o sistema agrário dos países
comunistas, o sr. vê que eles vivem dos grãos, vivem dos víveres mandados pelos
Estados Unidos e pelo Ocidente.
Repórter:
A União Soviética importa grãos dos EUA, mas a China...
Importa e não paga.
Repórter:
Não paga?
Não paga. Ou pagam incompletamente. Aliás, todas as
exportações em geral dos países comunistas, deixam a desejar como qualidade e
deixam a desejar como pontualidade de pagamento etc.
Repórter:
Eu particularmente sinto que a doutrina comunista pode ter um interesse assim
como doutrina política mas economicamente ela não prosperou em lugar nenhum do
mundo.
Nada.
Repórter: Aqui
no Brasil o Sr. vê alguma possibilidade de algum dia ocorrer uma mudança neste
sentido?
Quer dizer, depende de nós, porque quem faz a história de
um país são os que constituem o país. Se nós tivermos critério, tivermos
princípios firmes, não acontecerá; se não tivermos, acontecerá.
Repórter:
Eu gostaria também, professor Plínio, que o sr. me dissesse o que o Sr. acha do
governo José Sarney.
Eu acho que é um governo que subiu em condições muito
difíceis e que tem que ter um certo tempo para a estabilização e para se
equilibrar. Neste período de estabilização ele tem estado sujeito a vagalhões
também perigosos. Eu gostaria de dirigir ao presidente Sarney um apelo aqui...
Repórter:
Então, este nosso programa se chama Mensagem ao
Presidente, então, qual é a sua
mensagem ao presidente?
Presidente, a minha mensagem é a seguinte: nunca o Brasil
esteve aos bordos de uma transformação sócio-econômica tão importante quanto
esta que a reforma agrária acaba pondo nas suas mãos. Com efeito, depende única
e exclusivamente de sua assinatura que o Brasil entre num verdadeiro caos, ou
que conserve a sua atual produtividade agrária. O povo brasileiro, presidente,
não deseja a reforma agrária.
Eu lhe faço um apelo: para certificar-se disso, o Sr.
ordene um plebiscito geral, promova por meio das forças políticas que têm em
suas mãos, uma consulta geral à nação. Sim e não, o povo deseja uma das três
coisas: a manutenção do atual statu quo,
com intenso aproveitamento das terras de que o Estado é o grande latifundiário,
o prodigioso, o nababesco latifundiário, é uma sugestão. Outra sugestão: que o
governo aplique e reforma agrária integralmente e já; e uma terceira sugestão:
que o governo faça experiências agrárias em várias partes do país, mas
experiências formuladas, controladas e dirigidas por uma comissão de muito alto
nível da qual participem em larga medida aqueles que se poderiam chamar os
homens do métier. Quer dizer, os agricultores.
E permita dizer: menos os agricultores de capital, os
agricultores de cúpula, do que os agricultores do interior, os agricultores de
base, o fazendeiro, o trabalhador rural, que têm contato direto com a terra e
que tem as dificuldades, que luta com as dificuldades reais da agricultura de
todos os dias. Consultar estes homens sobre algumas experiências para verificar
em última análise se a reforma agrária posta em aplicação em vários pontos do
nosso território tão diversificado, dá ou não dá os resultados que o Sr.
espera.
Em todos os países do mundo onde ela tem sido aplicada, os
resultados são muito desfavoráveis. Eu pergunto, então, por que lançar o Brasil
nisto que é um pulo no escuro, é uma aventura sem antes fazer experiências?
Consulte, presidente, consulte o povo brasileiro para perguntar destas três
hipóteses qual é a que o povo prefere.
Repórter: Muito
bom, professor. Eu queria dizer ao Sr. que a TV Capital é uma televisão muito
democrática porque o Sr. veja: eu sou a favor da reforma agrária e o sr. é
contra, mas estamos aqui conversando amistosamente...
É verdade.
Repórter: Agora
as pessoas em geral, não é o meu caso, favoráveis à reforma agrária, rotulam de
reacionários todos aqueles que defendem uma posição antagônica. Como é que a
TFP encara isto?
Bem, eu acho que isto é tão demagógico quanto de rotular
pura e simplesmente de comunista todos aqueles que tem uma posição oposta à
nossa. Quer dizer, o que quer dizer um reacionário? Ao menos a palavra
comunista é uma palavra de sentido definido. O que é um reacionário? É um
sentido de quem quer reagir?
Repórter:
É quem é contrário ao desenvolvimento...
Ohhhh, não pode haver uma
definição mais pejorativa. O contrário do desenvolvimento... quem pode ser
contrário ao desenvolvimento? Seria um caso de manicômio! Reacionário é aquele
que quer reagir contra uma certa onda, contra um determinado impulso dado às
coisas. Como é que se chama esta onda, como é que se chama este impulso?
Repórter:
Me desculpe interromper, professor, a TFP no Brasil quantas pessoas existem,
onde é a sua sede e o que elas fazem?
A sede da TFP é na cidade onde ela foi fundada. Ela foi
fundada em São Paulo por volta de 1960. Ela aglutinava elementos da direita
católica, sem nenhum compromisso político partidário e que se alarmavam diante
do esquerdismo católico que vinha nascendo. Ela tem lutado de lá para cá e se
tem espalhado largamente pelo Brasil. Ela tem hoje entre sócios, operadores e
correspondentes, está disseminada mais ou menos por 300 das mais importantes
cidades do Brasil. Há pouco nós fizemos...
Repórter:
Quantos são os filiados?
Ao todo com correspondentes etc., fizemos há pouco um
encontro que teve a presença de 2000 pessoas. Agora, é preciso dizer que com
delegações também de fora do Brasil. Havia delegações mais ou menos do mundo
inteiro. De maneira que isto não é o total absoluto. O total da TFP é menor.
Repórter:
Eu gostaria de dizer que infelizmente estamos chegando ao final do programa eu
embora tenha pensamentos diferentes do Sr., eu passaria o resto do dia aqui
conversando...
Eu também com muito gosto.
Repórter:
O sr. expõe suas idéias com muita clareza e elas merecem todo o respeito mas
infelizmente o nosso programa chega ao fim e agradecemos ao Sr. pela presença,
e grato pela atenção, boa noite e até a próxima vez.