Plinio Corrêa de Oliveira

 

Entrevista para a Associated Press

 

 

 

 

 

 

25 de julho de 1980

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(Correspondente da AP, Sr. Kerry Fraser) – Como o Sr. está vendo a situação sócio-político aqui no Brasil?

Plinio Corrêa de Oliveira – Eu vou responder ao Sr. explicando antes de tudo o ponto de vista em que, como Presidente do Conselho Nacional da TFP, eu me coloco. A TFP é uma entidade extra-partidária; não que ela tenha oposição ou antipatia aos partidos políticos, mas porque a natureza dela é diferente, ela não entra no campo partidário.

Assim sendo, a minha resposta não pode ser a respeito do futuro partidário do Brasil – qual é o partido que vai tomar preeminência – mas eu acho que a sua pergunta deve ser respondida por mim debaixo de outro ângulo de vista: quais são as possibilidades que o Brasil tem dentro da atual conjuntura mundial e que perspetivas há de que o povo brasileiro use bem dessas possibilidades? Nós dividiríamos, portanto, a minha exposição nessas duas partes.

No que diz respeito às possibilidades do Brasil, eu tenho a impressão de que as possibilidades  abertas pelos aspectos geopolíticos do Brasil são tão evidentes que quase não vale a pena falar. Em última análise, o Brasil está densamente  povoado e aproveitado nos seus recursos na orla litoral. Na parte interior, há penetrações importantes, mas há uma grande parte do hinterland brasileiro que não está aproveitado e que tem possibilidades de aproveitamento e de progresso mais os meus indefinidas.

A expansão, ao contrário do que acontece com outros povos, a expansão para o povo brasileiro não é para fora das fronteiras, mas é para dentro das fronteiras. Nós temos uma espécie de imperialismo legítimo e sadio a praticar, que é a posse e conquista do uso e aproveitamento inteiro do nosso próprio solo.

Esse aproveitamento, uma vez verificado, não há dúvida nenhuma que o Brasil é uma grande potência mundial emergente, para o fim desse século e para o século futuro.

Qual é a natureza econômica desses recursos  que assim podem aparecer?

Tal é a quantidade deles e tal é a parte não conhecida do território nacional que qualquer previsão me parece prematura. Mas vê-se, já simplesmente a olho nu, que a soma de riquezas a serem aproveitadas é enorme.

Agora poder-se-ia perguntar qual é o valor do povo que habita esta terra, e está para conquistá-la, para  ocupá-la inteiramente.

Eu gostaria dizer que embora suspeito para falar – porque eu sou brasileiro dos mais autênticos porque não tenho em minhas veias senão sangue português e sangue índio, portanto sou inteiramente brasileiro – , eu devo dizer, entretanto, que eu acho o povo brasileiro dos mais inteligentes da terra. Se bem que de uma forma de inteligência “sui generis”: o brasileiro é muitíssimo intuitivo, ele apanha a realidade desde logo num primeiro olhar e com os seus vários matizes, e tem uma forma de inteligência que lhe permite muitas combinações – o brasileiro tem o espírito muito combinante – de maneira que isto dá ao espírito brasileiro uma possibilidade de ação, de descortínio, de jogo, que me parece privilegiado.

A nação é nova, ela não tem atrás de si as vantagens de uma grande e longa cultura, mas ela tem recursos intelectuais, por assim dizer, também para serem explorados, não menores do que os recursos materiais. Um grande povo, uma grande terra, é um grande futuro para um grande país. Assim eu vejo as possibilidades do Brasil.

O Sr. me objetará, talvez, que sendo o Brasil uma terra de imigração e especialmente o é São Paulo, onde nós conversamos, eu simplifico um pouco o problema ou o assunto, falando a respeito de um Brasil tão brasileiro. Qual é o papel que faz aqui a imigração? Aqui se vê bem um dos aspetos do espírito brasileiro. O brasileiro recebe de braços abertos, e sem preconceitos, todas as imigrações, mas uma vez que o imigrante chega aqui, há um imponderável da atmosfera brasileira, que penetra nele, e que....

AP – Eu posso testemunhar isso...

PCO - ...de tal maneira, sem tirar as caraterísticas nacionais que ele trouxe, nele implanta alguns valores peculiares, que eu costumo comparar este embrasileiramento do imigrante vindo ao Brasil à ação de uma mancha de azeite sobre uma folha de papel: não rasga o papel, não faz barulho, mas se difunde lentamente por uma parte da folha de papel. Assim também a influência brasileira sobre o europeu, o asiático, o africano, o australiano que venha parar aqui. Ele continua o que ele é, mas entra a tal gota de azeite brasileira que se conjuga com as caraterísticas de qualquer nacionalidade, mas em que a nota brasileira fica preponderante.

E é exatamente isso que assegura a assimilação do estrangeiro no Brasil. A dificuldade, para não dizer a impossibilidade, de formar quistos estrangeiros verdadeiramente consistentes e que constituam perigo para a unidade nacional, a suavidade do temperamento brasileiro engloba, assimila e articula tudo isso rumo ao futuro nacional. Por isso também o Sr. não tem aqui o conflito entre as colônias estrangeiras aqui estabelecidas.

Por exemplo, os povos da Europa se tem entredegladiado de todos os modos em guerras sem fim. Os descendentes deles no Brasil não brigam entre si. Os árabes e o israelenses residentes no Brasil não brigam entre si. Reina aqui uma “pax brasiliensis” parecida com a velha “pax romana” que fazia do Mar Mediterrâneo um lago. E é evidente - o Sr. está vendo nas palavras com que eu falo - que eu registo essa característica nacional com enorme simpatia.

A isso corresponde também – e eu dou a esse fator uma grande importância – a unidade religiosa do Brasil. Nós somos um bloco enorme, todo ele muito prevalentementecatólico, e essa unidade religiosa assegura a unidade da alma nacional. E se tornou bem evidente com a  vinda de João Paulo II ao Brasil.

A esses vários  fatores favoráveis ainda se junta um outro fator que é o seguinte: nos países de outros  continentes, as diferenças regionais se acentuam muito, e com alguma freqüência derivam em incompatibilidades e dissecações internas. No Brasil, essas diferenças regionais existem, mas são vistas e vividas com uma tal suavidade, que entre um brasileiro do norte do Pará, do fundo do Amazonas ou da fronteira do Rio Grande do Sul, com a Argentina ou com o Uruguai, a diferença é muito menor do que por exemplo entre nascidos em províncias vizinhas do mesmo país.

De maneira que tudo isso assegura a coesão do Brasil e o futuro do Brasil.

AP - Desde o governo Geisel tem havido na sociedade...

PCO - Daqui a um pouquinho eu vou falar disso. O Sr. me pediu, disse que era para falar bastante... (sorrisos), me deixe completar meu panorama...

Na América do Sul, o Brasil tem a vantagem da desproporção do seu território e o território dos países vizinhos. O Brasil é muito maior e ele tem limites com quase todos os territórios, com todos os países da América do Sul. Isso faz dele, naturalmente falando, uma potência facilmente. Ele está, portanto, comodamente instalado no continente ao qual pretende. Agora, como é que o brasileiro vai aproveitando essas transformações, essas situações?

Não é com a rapidez do progresso norte-americano. Se o Sr. compara a conquista do solo norte-americano com a  conquista do solo brasileiro, a nossa  é mais  lenta e não tem a dramaticidade de muitos dos lances da história da ocupação dos Estados Unidos pelos norte-americanos. Porque o modo de fazer nacional é lento, é gradual, o brasileiro é ativo mas não é dessas ações explosivas e impressionantes. O Brasil caminha passo a passo, com crédito. E eu me felicito por esse fato. Porque não foram cometidos aqui, senão numa pequena parte do território, os erros do século XX. E o Brasil, em muitos dos seus aspectos, é ainda uma página em branco para o século XXI, onde os erros do século XX poderão ser evitados. Enquanto em outros países, não: o território está todo ocupado, os erros estão cometidos e é preciso agora sair de dentro dos erros. Isso não é coisa fácil.

Agora vem a questão das situação sócio-econômica do país, a situação política do País, que o Sr. tratava há pouco.

Eu acredito que se exagera entre nós a gravidade da questão social. Eu gostaria de que a pobreza não existisse no Brasil, ou de que ela existisse pelo menos – não sendo possível eliminá-la de todo – que ela existisse em proporções muito menores. Isso não impede de olhar que ela não existe na proporção tão trágica quanto habitualmente se afirma. E que, portanto, se bem que o Brasil precise evoluir e caminhar, a  caminhada não deve ser precipitada, nem rápida, nem caólica, como muitos desejam.

O Sr. preste atenção no que se publica sobre a pobreza no Brasil. Poucas são as estatísticas verdadeiramente objetivas que aparecem.  O Sr. veja por exemplo a questão agrária. Eu me reporto ao documento dos Bispos intitulado “Instrução pastoral sobre a Terra”, aprovado em Itaci. Eu li esse documento com toda atenção, e ele determina a orientação da CNBB, que é  uma das maiores forças nacionais. Força muito mais ponderável, a meu ver, do que qualquer partido político. Muitíssimo mais ponderável, sobretudo, do que o Partido comunista que entre nós é insignificante.

Eu coloquei minha atenção nesse documento. Quais são as estatísticas? O que prova que no Brasil a terra  é verdadeiramente mal aproveitada? O que é que prova que o homem do campo padece, em via de regra, de modo geral uma miséria tão grande quanto o documento deixa entender? Nada. São afirmações de caráter genérico, sem provas, e onde tudo é genérico, não há provas, não há base para se calcular uma verdadeira política de reforma ou de conservação. Em conseqüência, eu considero, por exemplo a reforma agrária pleiteada pela CNBB, unilateral, prematura e irrefletida. As palavras são muito categóricas, partindo de um católico como sou eu. Mas é o que eu penso. Ela é unilateral porque ela,  arbitrariamente, toma como modelo ideal para a estrutura da terra no Brasil, a pequena propriedade de dimensões familiares. Ora, o que prova que este é o modelo ideal para o Brasil?

Nós temos condições geográficad tão diferentes, um solo tão enorme, plantamos tantas coisas diferentes, o que prova que esta seja a única ou seja a suprema perfeição da propriedade rural para o Brasil? Mesmo no que diz respeito às propriedades médias e pequenas, elas devem, toda a estrutura num país grande, devem ter todas as variedades dessas propriedades. Por que razão é que se há de estabelecer que o Brasil deve ter um tipo  só de propriedade ideal? É uma afirmação gratuita. Quais são as análises de produção a respeito dessa lavoura, dessa pecuária? São Análises favoráveis: a agricultura está  batendo os seus próprios recorde cada ano, a pecuária também. A meu ver, (a Reforma Agrária como é pleiteada) é  precipitada e calculada no mundo da lua, de acordo com padrões de pensadores europeus e alguns norte-americanos... e mais nada.

No que diz respeito ainda às reformas. O documento episcopal fala das reformas  urbanas e promete uma reforma para o ano que vem, um projeto de reforma para o ano que vem.

As nossas cidades se expandem: por toda pare aonde se vai se encontra casa para alugar. É verdade que há miséria, há miséria de habitação na favela, a qual miséria nem sempre corresponde à falta de víveres, nem à falta de algum conforto dentro da própria favela. É o crescimento rápido demais de certas cidades, é o hábito que tem o homem do interior brasileiro de viver em cabana e que se projeta pela cidade.  Quando ele vem para a cidade, ele não estranha a choça. Tudo isto produz a favela. É preciso combater a existência de favelas, é preciso ajudar os favelados. Isto justifica uma reforma urbana global com parece querer a CNBB? A meu ver não. Há precipitação dentro disso. Há mimetismo de modelos estrangeiros e a imitação de que existem aqui problemas que talvez existam no exterior, que certamente existem nos livros que tratam de matéria, mas que aqui não existem.

Bem, no que diz respeito à condição operária, dos trabalhadores de fábrica. Evidentemente queremos a melhoria destas condições indefinidamente. Agora, essa melhora será uma melhora que exija medidas tão drásticas como alguns propõem? Por exemplo, a participação compulsória dos operários na propriedade, na direção, nos lucros da empresa? Em princípio, essa participação é aplicável para várias situações, mas que ela possa ser imposta compulsóriamente, por lei? Me parece ilegítimo e desnecessário. Desde que convenha para ambas as partes pode ser interessante. Mas compulsoriamente, não vejo base para isso.

O Sr. está vendo, portanto, que eu não tenho o espírito fechado a transformações sociais, mas eu quero objetivas, baseadas numa realidade bem estudada e calculadas  com senso prático e não por poesia, no ar. Este é o ponto de vista em que me coloco.

Há evidentemente uma  alta do custo de vida aqui.

AP – Falando dos operários, temos visto um desenvolvimento muito grande dos sindicatos. Eu estou pensando principalmente no Lula. Como o Sr. está vendo? Esta é uma nova força? Inclusive força política que está gerando o partido político. Como o Sr. vê este desenvolvimento?

PCO - Eu vejo da seguinte maneira: se a arregimentação operária for feita num espírito de cooperação, de defesa dos direitos dos operários, mas concebidos estes direitos no espírito de cooperação com todo corpo social, pode ser uma força positiva. Se deixar intoxicar pelo prurido da luta de classes e pela infiltração comunista, eu vejo uma força perigosa e negativa.

AP - Como até agora tem sido a atuação do movimento?

PCO - Ele não tomou ainda um rumo bem definido. Também não vejo claro até que ponto este movimento está impressionando a massa operária, ou até que ponto os operários se mantém mais ou menos indiferentes a ele. De maneira que a própria possibilidade de futuro desse movimento não é claro.

É certo que os jornais fazem muito barulho em torno desse movimento, mas se esse barulho corresponde à realidade, é coisa que eu gostaria de ver muito mais claramente. O Sr. quer me fazer mais alguma pergunta, estou à sua disposição.

AP - Na última greve – estou pensando na greve no ABC – como o Sr. vê a atuação dos empresários?

PCO - Eu achei que toda essa luta de classes que a propaganda procura criar no Brasil encontra um povo inapetente para isso, para essa luta, queira entre os operários, queira entre os empresários. E por causa disto eles vão se deixando inserir no processo de luta de modo meio ambíguo.

Os empresários tomaram também uma atitude ambígua. Alguns querendo favorecer claramente concessões crescentes e fazer portanto o papel de empresários modernos, outros muito inertes e fazer a indiferente posição do operariado indefinida, como do  patronato indefinido também. Porque acho que a questão está mal introduzida e mal atuada entre nós. De onde o bom senso brasileiro evitar instintivamente de pegar fogo na questão. Essa é minha impressão.

AP - As mudanças do movimento sindical são reflexo de um movimento maior chamado “abertura” que está tendo um reflexo na sociedade inteira. O Sr. vê isto com bons sonhos ou está  preocupado?

PCO - Eu acho que a abertura, o regime anterior, autoritário, tem uma certa influência sobre o curso dos acontecimentos. Mas é uma influência muito mais moderada, muito mais limitada do que se põe. Nem o regime autoritário evita tanta coisa quanto se pensa, nem a abertura consegue participar tanto nas coisas quanto outros esperam. A massa do país é calma, vagarosa e cordial. Se ela é abertura de fato, valerá o que valer o aproveitamento que se der a ela, abertura. Quanto a mim, se os elementos do outro souberem aproveitar a abertura combatendo energeticamente o comunismo, mas ao mesmo tempo pleiteando uma sociedade aberta, eu acho que o Brasil pode realizar as suas vias dentro da abertura.

Se, pelo contrário, o centro for dominante e inerte e a influência sobre o operariado for entregue portanto aos comunistas, a abertura pode dar num desastre. Mas o mal não terá sido a abertura, terá sido o mal uso que se terá feito dela. A abertura não tem efeito automático, depende de como for usada. Não sei se estou me exprimindo claramente.

AP – Acho que sim. Na última semana, tivemos um desenvolvimento desses atentados; o mais grave seria o seqüestro de Dalmo Dallari. Como o Sr. entende isso? quem está atuando? Quais seriam as razões?

PCO –  Eu acho que, como eu não tenho senão as notícias dos jornais e pelos jornais não se chegou a nada de conclusivo, eu não sei quem está atuando atrás disso. Eu deveria, para conjeturar quem está atuando disso,  eu deveria imaginar quem lucra. Porque é a pergunta, é a  pergunta clássica. Quando não se conhece os autores de algo, pergunta-se quem lucra com esse algo.

Eu acho que essa pergunta me levaria a uma resposta que seria aproximada e que, portanto, não quero dar nestes termos.... que ela está lucrando e quando as organizações de direita estão perdendo. Mas eu não acho que esta razão é suficiente para inculpar a esquerda. Eu constato apenas o fato.

Por que ela está lucrando? Porque o brasileiro detesta a violência. É um dos traços do caráter nacional que eu há pouco elogiava. Quem usa a violência entre nós fica antipático e aquele que é  vítima de violência fica simpático, de um lado.

Agora, de outro lado a preservação que o brasileiro tem contra o esquerdismo, é que o esquerdismo é tendente à violência. Se ele aparece como vítima, ele por assim dizer se resgata da desconfiança de violência que existe contra ele. Por outro lado, eu creio que para a Comissão Justiça e Paz tem sido muito proporcional a repercussão desses atentados, que eu censuro.

Agora, eu volto a dizer, seria temerário deduzir daí que são eles que estão fazendo. Eu constato apenas que o lucro está do lado de lá.

O Sr. pergunta: esse lucro importa numa suspeita? Eu digo: não, é apenas uma constatação, é um dado que eu ponho no panorama.

Quanto à TFP. A TFP nunca praticou a violência, nós temos 20 anos de existência e habitualmente pelas cidade onde passamos, olha, parou o seu gravador, não quer....

AP –  Não, quer dizer que chegamos à metade. Tenho outra fita...

PCO –  Ha-ha-ha...! pelas cidade aonde passamos costumamos pedir às autoridades um certificado de conduta pacífica dentro da lei e temos mais de 2 mil atestados de autoridades brasileiras certificando a conduta invariavelmente cortês e pacífica da TFP. Esses atentados estão completamente fora dos hábitos da TFP e, a meu ver, se forem praticados por alguém de direita, será por parte do grupo menos político e menos capaz de compreender a verdadeira conjuntura na qual nós estamos.

AP –  Quando o Sr. falou quem está lucrando, eu achei um coisa importante: é a intimidação, os jornaleiros que estão tirando aqueles jornais das bancas. Então, de um lado a esquerda (perde), mas de outro lado estão recuando. Não sei se vai recuar muito tempo, mas eles pensem duas vezes.

PCO –  É verdade. Mas era preciso, para isto, se apurar quem está lucrando ou perdendo, era preciso fazer um balanço entre o que cada um perde ou que cada um lucra. Eu acho que o que a esquerda perde com leitores que não compram os jornais que não podem circular por medo da violência é muito menos do que ela ganha com a promoção que ela tem de grandes quotidianos como vítima. Não sei se me exprimi bem?

AP –  Sim, sim. Olhando um pouco para o futuro, como o Sr. o está vendo? O Sr. está preocupado?...

PCO –  Tenho várias preocupações. Eu acho que nas condições de hoje um homem lúcido não pode estar despreocupado. Essas preocupações vem de que nós estamos em presença de uma crise moral enorme, o mundo inteiro está diante dessa crise, lançando em crise a própria Igreja Católica.

AP –  Pode definir a crise moral? A característica.

PCO –  Daqui a pouquinho. Lançando em jogo portanto a própria Igreja Católica, Paulo VI disse que a fumaça de satanás penetrou na Igreja – foram palavras textuais dele – e de onde existe a crise moral e a crise religiosa. As outras crises, no meu modo de entender, partem em cadeia. Para mim, este é o principal fator das múltiplas crises que existem no Ocidente e especificamente do Brasil, do qual estamos tratando no momento.

Agora, o que eu defino como crise moral? É, nós tínhamos uma moral tradicional, que é a moral cristã. Esta moral foi sendo contestada e transgredida  cada vez mais ao longo de um processo que vem mais ou menos do século XV até nossos dias, e hoje o processo é de abandono desta moral em larguíssima escala, por uma população que entretanto na sua maioria continua a considerar-se cristã, processando uma contradição entre certas convicções do indivíduo e o procedimento dele. Isto configura uma situação de crise.

AP – Seria uma promiscuidade sexual, o desrespeito dos valores  espirituais?

PCO – Uma coisa e outra e outra e mais ainda. O tipo do que deve ser o homem inteiramente ordenado segundo a sua própria natureza, o tipo de perfeição humana foi definido de um certo modo pela Igreja Católica. De outro modo algum tanto diferente pelas religiões ou confissões que foram-se destacando dela. Este tipo de perfeição é  largamente contestado, ora em tese ora na prática, pelos homens contemporâneos. Como aspectos desta contestação do tipo de perfeição entra o problema de austeridade dos costumes, entra a honestidade em matéria de negócios, entra o problema de correção no trato internacional, enfim, quase todo o procedimento humano que fica questionado em função dessa crise originária.

Eu escrevi sobre isso um livro intitulado Revolução e Contra-Revolução que é a bem dizer o livro de cabeceira da TFP, que tem várias edições internacionais e que define bem o procedimento de nossa entidade sobre a matéria.

AP – O Sr. está preocupado nesta conjuntura, crise moral e uma crescente confusão política, que pode acabar numa situação caólica, até anárquica?

PCO –  O Sr. pergunta se pode chegar até lá?

AP –  O Sr. está preocupado com essa possibilidade?

PCO –  Eu acho que essa possibilidade existe.

AP –  Grande?

PCO – A palavra “grande” precisa ser graduada. Ela não é “grande” de imediato. Mas eu acho que o processo de desagregação da civilização cristã, que começou no século XV, já trazia consigo os (fermentos) do anarquismo e que esses fermentos tem crescido cada vez mais e começam a aproximar-se do anarquismo categórico. E é  claro que um processo assim preocupa muito.

AP – Nos próximos meses, até uns dois anos, como o Sr. está achando o desenvolvimento político do Brasil político, social...? Um aumento da violência social, de problemas assim?

PCO – O Sr. verá isto como uma constante desta entrevista, que os problemas religiosos enquanto repercutindo no terreno no terreno sócio-economico ocupam um grande papel no pensamento da TFP, e volto portanto a esse ponto.

Eu acho que a maior força organizada do Brasil é a  Igreja. E que depende de saber como a Igreja agirá em face disso. Para saber como Ela agirá é preciso saber como agirá João Paulo II, que tem no momento a direção suprema da Igreja e que encontra a Igreja num estado de divisão  notório. Para onde penderá ele? Que fórmula tem ele em vista? Eu não sei ainda e portanto acho que daqui depende em grande medida o rumo que tomará o pensamento brasileiro, e portanto o Brasil.

O Sr. me perguntará se eu, no panorama internacional, vejo apenas a Igreja, se não vejo também os Estados Unidos e a Rússia. Não sei se a resposta a esta pergunta interessa?

AP –  Sim.

PCO – É evidente que eu considero o comunismo. A  Rússia – uma potência imperialista de caracter de caracter ideológico que faz o possível para se meter no Brasil –, não a temo!... na medida em que ela não consiga levar consigo simpatias dentro de Igreja. Temo tudo dela na medida em que consiga essas simpatias.

AP –  Está havendo uma simpatia dentro da Igreja para a  ideologia comunista?

PCO – Simpatias há e até manifestas. João Paulo II no discurso que fez em Puebla falou disto claramente. Além da simpatia contra o comunismo definido pode haver também simpatias, e há, para formas de socialismo incompatíveis (com a doutrina católica, mas) aceitas por muitos católicos, o que deu no nosso país origem a uma polêmica entre católicos que data de mais de 20 anos e dentro da qual está a TFP a largas.

AP – Qual, na sua opinião, o papel da TFP no desenvolvimento brasileiro?

PCO –  A TFP, a pergunta, o que o Sr. entende por ela: o que a TFP visa ou o que ela consegue?

AP –  Tem duas partes: o que visa e como deve atuar.

PCO – Sei. A TFP visa o seguinte: defender contra esse processo de desagregação da tradição luso-católico-brasileira, mais especificamente a família e a propriedade individual.

A TFP não acha que basta fazer isto para que o país ande bem. Ela não se considera a única força responsável pelo Brasil. Ela é uma componente dentro do panorama brasileiro. Outros farão outras coisas necessárias. A TFP chamou a si uma parte necessária. Uma parte que lhe parece que não estava tão cuidada quanto conviria e que ela tomou o encargo no campo civil.

AP –  Que parte seria isso?

PCO –  A defesa da Tradição, da Família e da Propriedade.

Agora, como que ela atua? Ela atua menos procurando persuadir os que são contrários à tradição, à família e à propriedade de que devem defendê-la, do que estimulando nos que são favoráveis à tradição, à família e à propriedade, o senso de que estes valores estão em perigo e que é preciso defendê-los.

Por que isso? Porque os que são contra estes valores ainda são minoria. O problema é de dar força de atividade à maioria inerte. De maneira que isto é que a TFP faz.

AP –  Como deve ser feita a defesa?

PCO – Da tradição, da família e de propriedade, por via de persuasão. Persuasão doutrinária que se faz pela publicação de livros, de folhetos, de um  jornal “Catolicismo” que se edita na diocese de Campos, mas que a TFP difunde, de conferências, de círculos de estudo, de manifestação pública, todas elas de caracter pacífico. Isto é como tem sido feito. Nós temos caravanas que tem percorrido o Brasil de ponta à ponta. Qual é a  estatística quando ao caminho de lua?

(Assessor do Serviço de Imprensa: Eu não tenho bem certeza, mas parece que é  duas vezes ida  e volta à lua)

PCO –  Já fizemos o total de trajeto no Brasil correspondendo a duas vezes ida e volta à lua, tomando contato com todas as classes sociais. Isto é o que ela deve fazer. Nunca se fez à TFP uma acusação que tivesse sido de longe demostrada de uso da violência. Tem-se feito acusações gratuitas, sem demonstração. Nós temos increpado a que provem e nunca  saiu prova nenhuma porque não tem prova nenhuma. Ninguém prova o absurdo.

AP – Eu tenho ouvido que tem processo de treinamento para o pessoal da TFP que ensina táticas de defesa pessoal, karatê. É verdade?

PCO – Ha-ha-ha!... O karatê foi muito utilizado, muito aprendido entre nós no tempo em que havia terrorismo no Brasil, em que os membros da TFP estavam eles mesmos sujeitos a ataque terrorista. Como a lei não permite que o indivíduo porte a não ser um revolver e como é sempre ingrato fazer uso do revolver, por espírito pacifista nós aprendemos o karatê; para nos defender que o indivíduo aprende karatê.

No seu Canadá, por exemplo, que eu não tenho o prazer de conhecer, no seu Canadá deve haver muita gente treinada em karatê; é um esporte universal como boxe, como qualquer outro. Isto é verdade. Que isso fosse feito com intuito paramilitar ou que isto fosse feito acompanhado de mentiras, sempre desafiamos a que dessem provas e nunca ninguém deu provas.

Mais ainda: no Rio Grande do Sul, em 1975 organizou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para verificar se a TFP praticava esses treinamentos, entre outras coisas verificar isto. O Secretário da Segurança Coronel Portinho compareceu à CPI e declarou que tinha feito uma investigação em todo o Estado e não tinha encontrado indício nenhum a respeito disso.

AP – Quem foi?

PCO – O Coronel Portinho, Secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Por outro lado ainda, ele declarou que interrogou o SNI (Serviço Nacional de Informação) em Brasília e que o SNI declarou que não tinha nenhum elemento para afirmar isto.

AP – Bem, eu não sou teólogo, mas entendo que São Tomás de Aquino disse que, em última instância, quando não resta alternativa, a violência  é aceitável chegar a esse ponto.

PCO – Mas a questão é que eu acho que nós ainda não chegamos. É claro que para nossa legítima defesa que nós ainda não chegamos. É claro que se para nossa legítima defesa nós tivemos que usar de armas legais, seremos uns cretinos se não usarmos. Mas, nós não chegamos até essa necessidade.

AP –  Não chegou no tempo do terrorismo, 68-70 por aí?

PCO - Houve até uma bomba que explodiu numa das nossas sedes. Mas este foi um fato isolado e nós sempre tomamos medidas preventivas de maneira a evitar que o fato se repetisse. Quer dizer, nós soltamos cães de guarda nas nossas sedes, etc. Nunca mais tivemos atentado. De maneira que não sentimos necessidade disso.

Desde que foi fundada a TFP até hoje é o papel suasório, de palavras, de conversa. O Sr. pode perguntar que resultados obtivemos. Isto é outra questão. Se quiser eu trato disto agora.

O resultado que nós obtivemos se gradua assim: a TFP é uma organização conhecida hoje no Brasil inteiro. Discutida hoje no Brasil inteiro e se o Sr. olha para a burguesia alta, na burguesia ala nós temos bons amigos, mas sobretudo temos truculentos adversários. Quando vamos fazer campanha nos bairros ricos de São Paulo, são nestes bairros em que as manifestações de desagrado são mais categóricas.

Já na burguesia média o número de adversários é menor e o número de amigos é maior. A classe onde nós temos mais entusiastas é a pequena burguesia. E estamos com um setor operário que está em franco desenvolvimento. Este moço que está aqui, é um dos que estão atuando com êxito no setor operário.

AP – Não se encontra  um conflito de interesse, a classe operária não está em conflito com a idéia da propriedade por exemplo?

PCO - Na nossa experiência não. Nós fazemos...

AP – Não? Ele quer a propriedade para ele, quer tomar propriedade dos outros para aumentar...

PCO – Isto é uma espécie de operário-fiction dos agitadores. O operário brasileiro em concreto não é assim. Nós fazemos propaganda franca nos bairros operários, somos muito bem recebidos, cordialmente. Haverá uma minoria contra nós, mas não é essa a realidade. Um pequeno episódio mostra o que é que é o operário  brasileiro, o episódio do anel de João Paulo II. O Sr. leu isto ou não?

AP – Sim, que ele deu o anel para a favela do Vidigal.

PCO - É, mas o Sr. leu o resto ou não? Os favelados não quiseram vender o anel para ficar com a lembrança. Isto é o brasileiro na sua cordura, na sua bondade. Talvez em algum outro país vendessem imediatamente o anel com finalidades práticas. Eles fizeram o contrário: eles quiseram conservar o anel.

Se eu fosse um homem rico, eu teria comprado o anel, teria dado a eles o dinheiro para eles distribuírem entre si e depois teria dado o anel. É o que deveria ter sido feito.

Se eu fosse um homem muito rico, eu teria construído uma capela para guardarem o anel e teria dado a eles o preço do anel. Os nosso ricos deixaram passar esta ocasião, de um “beau geste” como se diz em francês.

AP – A candidatura do Reagan nos Estados Unidos mostra talvez uma mudança no pensamento americano, uma mudança para conservadorismo. Como o Sr. está vendo isso?

PCO – É como um fato muito auspicioso. Eu considero que a política dos norte americanos inaugurada em Yalta e com maior ou menor intensidade prosseguida até Carter, que representa a exasperação disto; é uma política que pressupõe que os dirigentes comunistas são sensibilizáveis e podem ser enternecidos, humanizados pelo bom trato, pela confiança e pela cordura. Ora, quanto aos dirigentes comunistas eu não acredito nisso. Eu acredito que isto pode ser com o povo russo, mas não acredito que possa ser que a classe dirigente, a categoria dirigente da Rússia. A própria mentalidade comunista, quando vivida germinamente, é uma mentalidade de oposição irredutível e inflexível ao que não é comunista. É uma mentalidade imperialista no sentido doutrinário e político da palavra e não se pode desmobilizar esta mentalidade por meio de concessões.

A meu ver, portanto, a política inaugurada em Yalta foi uma série de erros que desfecharam na política de Carter. O povo norte-americano parece-me que está abrindo os olhos para estes erros e exigindo da parte dos Estados Unidos maior realismo político, abandonar certas quimeras humanistas em favor de uma consideração mais exata da realidade.

AP –  Por exemplo...

PCO - Esta quimera no fundo exprime-se assim: que todos os homens são bons e que quando eles agem mal é só porque a gente foi inábil. Então se a gente for hábil eles se transformam de tigres em pombos. Isto é falta de realidade, é falta de noção da realidade. A realidade enquanto homem não é esta. O homem pode ser bom ou pode ser mau de acordo com as convicções que ele tenha e com sua fidelidade a essas convicções. Não se poder agir  com o homem nem como se ele fosse sempre bom, nem como se ele fosse sempre mal. Há nisto uma unilateralidade que os Estados Unidos e o mundo estão pagando caramente porque foram unilaterais com a Rússia, deixaram-se levar por uma quimera. O povo norte-americano está abrindo os olhos para isso.

AP –  Custo muito grande.

PCO – Custo sem nome, sem nome. Eu acho que os Estados Unidos dão um belo exemplo a todo o Ocidente se, elegendo o Reagan, eles afirmarem a sua vontade de paz, mas não da paz do homem utópico, mas do homem realista.

AP – O Reagan, parece, que está prestes a dar apoio a governos anticomunistas, qualquer que seja, pode ser até uma ditadura que despreza completamente os direitos humanos, mas se combate ou se vai combater o comunismo, terão apoio do Reagan. Isto não é até conflitante com a filosofia da TFP?

PCO –  Eu acho que se deve esperar que o Reagan veja as coisas da seguinte maneira: se houver um povo que esteja trabalhado pela guerra psicológica comunista de tal maneira que haja um perigo grave de ele cair na pior das ditaduras, que é a ditadura comunista, os Estados Unidos auxiliarão a parte mais sadia da população a se defender contra isto e a restabelecer a normalidade. Então, eventualmente, num ou noutro país seria necessária uma transitória ditadura. Seria um mal menor do que a ditadura totalitária comunista. Mas eu creio que o Reagan agirá com muito mais inteligência se ele souber evitar estas circunstâncias para a América do Sul, para a América Latina de um modo geral. Porque eu não poso ser simpático à idéia de uma nação tutora, seja ela qual for, que esteja intervindo habitualmente nos processos políticos e sociais dos países da América do Sul e do Brasil. Nosso futuro é nosso! Se nós pedirmos em alguma eventualidade o apoio de algum vizinho, eu espero que este vizinho dê. Mas se eu acho que posso apagar um incêndio na minha casa, eu não vejo com boa vontade que o vizinho esteja trepando pelos meus muros para entrar para apagar o incêndio. Nenhum dos nossos países é menor de idade para estar sendo filosofado em Washington se se deve ou não deve intervir nele ou não. Isto eu não vejo com simpatia, nem posso ver!

AP – Uma última pergunta.

PCO – Pois não.

AP – No processo de abertura, não se sabe ainda...

PCO –  Não tem uma fita? O Sr. tem fita aí?

AP – A abertura deve incluir uma redistribuirão de poder entre as classes ou grupos políticos?

PCO –  O Sr. me desculpe a insistência na resposta que estou dando. O Sr. é canadense e está habituado a raciocinar em padrões diferentes um pouco dos padrões brasileiros.

O problema não é saber... nós não estamos diante da seguinte situação: uma classe que não tem poder e que portanto está marginalizada e querendo poder, e outra classe que tem todo poder para si. O contrário é verdade. Há um desinteresse de todas as classes pela vida pública, e a posse do poder não é uma preocupação constante para elas. Não há, da parte da massa do operariado uma vontade de conquistar o poder, como não há da parte da burguesia uma vontade de ter o monopólio do poder. O campo político atrai insuficientemente a atenção de todas as classes e eu quisera que elas estivessem muito mais voltadas para essa preocupação.

Um certo desinteresse político é o nosso problema; é uma inapetência política e não um conflito entre apetites políticos. Essa é a realidade brasileira, pelo menos como eu a vejo.

AP –  Então o que significa a abertura?

PCO – A abertura significou praticamente isso: havia a proibição para certos setores da opinião nacional de fazerem subversão. Nunca houve - tanto quanto eu saiba - proibição de difusão de idéias, mesmo durante o regime anterior à abertura, as livrarias estavam cheias de livros comunistas. A ação política do comunismo estava proibida, não podiam constituir um partido. A ação subversiva estava proibida. Eles não podiam fazer conspirações etc., etc. Bem, isso em princípio.

A ação das oposições se encontrava coarctada por força de conexão, quer dizer, ainda que as oposições não fossem comunistas, e havia uma grande parte da oposição que não era comunista, encontrava-se coarctada na sua liberdade de movimento. Porque com ou sem razão se entendia, no regime anterior, que isso era necessário para manter a ordem do País. A abertura foi a cessação disso e a volta para a normalidade democrática. Mas não é um resultado da pressão de uma classe. No movimento a favor da abertura eu vi mais ou menos representadas todas as classes e todo o Brasil. Como de outro lado também...

AP – O Sr. considera a abertura um progresso?

PCO – Eu vejo a abertura como uma possibilidade de progresso se ela for bem utilizada.

AP – Até o momento tem tido progressos?

PCO – Eu acho que nossa experiência ainda não é bastante rica para fazermos um afirmação a esse respeito. Os fatos tem sido muito agitados, muito polimórficos.

AP – Muito obrigado.

PCO – Esta é uma entrevista sem graça.

AP – Por que?

PCO - Porque em vez de eu dar opiniões sensacionais, bonitas para uma manchete, eu estou o tempo inteiro apelando para a realidade, para posições moderadas, equilibradas etc. A TFP mesmo é uma organização tida como reacionária, mas de fato é conservadora. Ela não tem feito outra coisa sem conservar o que existe. Nós publicamos há pouco um livro “Meio século de epopéia anticomunista”. O Sr. vai ver pelo que a TFP tem lutado, tem sido exclusivamente para conservar. A conservação é a menos sensacional das atitudes, porque o que muda causa sensação. O que conserva pode causar bocejo. Eu não lhe disse nada de flamante, não disse nada de alarmante, não disse nada de sensacional.

AP – Até resistiu às minhas tentativas de colocar o Sr. em posições de dizer.... ( sorrisos).

PCO – Eu notei... O Sr. procurou tirar um pouco de fogo, para a sua entrevista. E o Sr. encontrou um entrevistado inteiramente diferente do que o Sr. imaginava.

AP – É exatamente...

PCO – O Sr. imaginou encontrar uma espécie de homem desconfiado, que olharia para o Sr. com meus olhos procurando más intenções no que o Sr. diz, e desejoso de usar a violência contra tudo e contra todos. Encontrou um homem tranqüilo e que apela para a tranqüilidade.

AP – Eu nunca imaginei que o Sr. apelaria para a violência. Isto seria esperar uma estupidez. Eu achei que o Sr. tomaria posições mais fortes frente à abertura, por exemplo.

PCO – “Dedo duro” contra a abertura, heim...? (sorrisos) O que é que eu posso fazer? Eu tenho que ser positivo. Eu não tomo a sério como força política a esquerda brasileira. Acho que ela não pega. Ela só pegará se ele contar com o apoio da Igreja. E os problemas internos da Igreja não podem ser resolvidos com leis civis. É inútil a lei civil querer intervir em coisas da Igreja. De maneira que isso somos nós católicos e sobretudo João Paulo II quem tem que resolver.

AP – Será que ele tem poder para resolver? Será que ele pode controlar a CNBB?

PCO – É a primeira vez que o Sr. me verá “dedo duro”. Eu acho que, em nossos dias, um Papa que tome uma posição bem categórica controlará facilmente qualquer coisa entre católicos, em qualquer parte do mundo.

Ele poderá perder um certo número de adeptos, mas ele fará conversões muito numerosas, porque, isso eu explicaria por uma série de outras razões. Enfim, eu sou professor de História. A meu ver a História mostra que os Papas que fazem o uso  cabal de sua autoridade sempre avançam e nunca perdem terreno.

AP – Qual a sua opinião sobre D. Paulo Evaristo Arns?

PCO – Eu tenho opiniões diferenciadas a respeito dele. Como indivíduo e como orientação sócio-económica.

Como indivíduo, eu só tive com ele um ou dois contatos. Foram extremamente cordiais e pronunciou-se entre nós uma abertura de alma e uma afinidade da qual eu guardo uma recordação profunda. Fiquei muito sensível quando em 1975 eu sofri esse desastre de automóvel, cujos efeitos eu ainda estou suportando, uma das primeiras visitas que eu recebi no Sanatório foi o Cardeal Arns.

Sendo que em uma ou duas vezes que eu estive com ele, eu não ocultei a ele nenhum os pontos em que nós estávamos em desacordo. Ele foi muito compreensivo, muito ameno, muito correto! Eu volto a dizer: eu guardo uma recordação imperecível desse contato com ele.

Agora, a orientação sócio-econômica dele – o Sr. vê bem – que é diversa da minha. Também devo dizer que, apesar disso, nunca sofri um ato de hostilidade da parte dele. Esta é a realidade. Como seria bonito que eu falasse mal dele. Então, o jornal pudesse publicar: “Plinio ataca Arns”. Eu sei... Eu, pelo contrário, estou dizendo ao Sr...

AP – Isto seria para um jornal brasileiro (risos). No meu caso, no exterior, eu teria que gastar a matéria inteira explicando quem é Arns...

 PCO – Quem é Plinio. Claro! (risos) Mas o que que eu posso fazer? Eu sou obrigado a dizer a verdade. A verdade é essa. O Sr. é canadense francofônico ou anglofônico?

AP – Anglofônico.

PCO -  Mas o Sr. entende um pouco de francês, não?

AP – Um pouco.

PCO - O Sr. conhece a expressão francesa “la verité est dans les nuances”. Eu estou fazendo uma entrevista “nuancée”... O que é que posso fazer?

Agora vamos ao caso concreto: o Sr. vai publicar tudo isso?

AP - Não, eu vou ver, eu vou ler o que o Sr. disse...

PCO - ...E vai tirar o que lhe interessar mais.

AP – Sim. Quando eu comecei, eu esperava posições mais fortes, mais radicais, em termos políticos. Então o Sr. está me forçando a pensar um pouco mais, que é sempre um pouco doloroso. No momento, eu não sei exatamente como vou usar o material. Porque o Sr. falou sobre muitas coisa...

PCO – O Sr. me perguntou sobre muitas coisas... (risos)

AP – Eu não sei como vai ser. Eu pretendo usar. Eu teria que fazer várias matérias de cunho político...

PCO – É, eu espero bem que nós não tenhamos conversado uma hora e meia em vão, não é? Ee que alguma coisa disso saia.

AP – É

PCO – Mas então?

AP – Mas não sei exatamente como vai sair.

PCO – Sei. Agora, eu estou conversando com uma pessoa que eu vejo que aprecia muito o trato agradável e os “gentlmen agreement” e fiz esta entrevista no pressuposto de que mesmo resumindo o que eu disse, acabe aparecendo a fisionomia verdadeira das minhas idéias e de nossa linha geral. Não é isso?

AP – Sim, sim. Exatamente.

PCO – Porque é muito fácil, apresentando apenas uma parte de uma idéia que tenha dois aspetos, a gente não exprimir fielmente a realidade. E eu espero do Sr., como pressuposto de nossa conversa, que o que o Sr. exprima a realidade total do que eu penso do ponto tratado.

AP – São duas coisas que gostaria de ter do Sr.: gostaria de ter a liberdade de entrar em contato de novo, talvez ter a sua opinião para qualquer acontecimento.

PCO – Pois não, com muito gosto.

AP – E também gostaria de uma recomendação do Sr. a outro pensador conservador, porque eu gostaria de falar também com outras pessoas.

PCO – Sim, não tem dúvida. Eu vou pensar um pouco, porque infelizmente no Brasil os sacerdotes conservadores falam muito menos do que os que não são conservadores.

AP – Este é o problema que eu tenho encontrado...

PCO – Eles se esquivam...

AP – É muito fácil encontrar quem quer expor as idéias do centro até à extrema esquerda. Encontrar do outro lado, do centro ao mais conservador, é difícil.

PCO – Eu vou pensar um pouquinho em quem apresentar, mas certamente apresento ao Sr. as pessoas das quais eu possa esperar que exprima um pensamento conservador idôneo.

AP – Muito obrigado.

PCO – Tive muito prazer em conhecê-lo e estou à sua disposição.

AP – Muito obrigado.

PCO – Foi uma satisfação.


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