Folha
de S. Paulo, 8 de fevereiro de 1970
TFP condena a sensualidade pagã
nas diversões
Sentado num sofá, tendo ao lado o
estandarte da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade
– TFP – e a bandeira do Brasil, o advogado e professor Plinio Corrêa de
Oliveira, presidente da entidade, diz que está preocupado com a onda de
sensualidade que invadiu o carnaval brasileiro.
Embora procure desfazer a imagem de homem
misterioso que venceu as campanhas contra o comunismo e o divórcio, é bastante
difícil o acesso a seu gabinete.
Na entrada da sede da TFP de São
Paulo, um rapaz, de gestos suaves, exige uma identificação; depois há uma sala
de espera e uma ante-sala, onde vinte militantes da Sociedade, de cabelos
curtos, terno e gravata dirigem, todos ao
mesmo tempo, um gesto de saudação convencionado a qualquer visitante que
apareça.
O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira
teme que o sentido de suas palavras seja alterado, por isso faz questão de
receber as perguntas por escrito e respondê-las ditando até mesmo os
parágrafos, vírgulas, ponto e vírgula e ponto final.
P. Sr.
Plinio, como um leigo católico vê o Carnaval, que é uma festa pagã?
R. O Carnaval tem uma razão de ser na alma popular.
Podem-se distinguir dois aspectos dessa razão de ser: de um lado é o desejo do
maravilhoso que leva muitas pessoas a adotar fantasias magníficas que parecem
tiradas das páginas das mil e uma noites, ou a reproduzir em todo seu fausto
personagens históricos de grande envergadura. Grande parte do povo se
entusiasma com tais mostras de aparato que elevam o espírito acima da
vulgaridade pardacenta do cotidiano.
Esta aspiração ao maravilhoso, profundamente digna de
respeito ao meu ver, é de tal maneira inextirpável da
alma humana que o próprio comunismo – o qual é bem exatamente o contrário do
maravilhoso – se serviu da exibição do que havia de mais feérico no velho
cerimonial czarista, para empolgar e atrair
recentemente o público parisiense. Quando Bolshoi
exibiu há pouco, em teatro da capital francesa, "Ivan, O Terrível",
um desfile do "czar" com todo esplendor de sua corte arrancou gritos
de entusiasmo no público. Não era o comunismo que este aplaudia, era o
esplendor da velha tradição moscovita.
Ao lado deste veio "maravilhoso", o carnaval
apresenta também um aspecto de comicidade, em que o bom humor popular procura
expandir-se saindo algum tanto da monotonia da vida comum. Também isto é –
dentro das devidas medidas – compreensível.
Contudo, haveria tola ingenuidade em imaginar que
esses aspectos preponderam no carnaval de hoje.
A agressão sexual desfechada contra o Ocidente por
certa propaganda penetrou profundamente nos folguedos carnavalescos, dando-lhes
uma nota de sensualidade pagã a qual como católico não posso deixar de verberar
energicamente.
P. O carnaval é
uma festa orgíaca?
R. O carnaval como ele se passa hoje tem pouco ou nada
a ver com o de há 30 anos atrás.
Em outros termos, havia outrora ao par de um carnaval
depravado, um carnaval familiar que se desenrolava em um ambiente de recato e
compostura, muito difícil de encontrar hoje. O mais das vezes o carnaval de
hoje, desenfreando a sensualidade, cria uma atmosfera destrutiva da instituição
da família e contrária à verdadeira tradição brasileira.
P. O
carnaval brasileiro não é uma festa tradicional? Por que então a TFP não
defende a sua realização?
R. O Carnaval se exprime pelo gosto e pelo esplendor
de muitas fantasias nos desfiles de rua. Infelizmente, entretanto o aspecto
orgíaco se vai tornando sempre mais marcante tanto no carnaval dito de salão
como no de rua.
P. O
pessoal da TFP está proibido de pular o carnaval?
R. Os estatutos não me conferem, nem seria cabível,
que conferissem poderes para uma proibição desse gênero. Entretanto seria uma
incoerência com os princípios da sociedade que eles se associassem a festejos
geralmente tão opostos aos objetivos da TFP.
P. Acha
que eles observam esta coerência?
R. Trata-se de rapazes admiráveis precisamente por sua
coerência. Desinteressadamente e com risco de vida
afrontam eles cansaço, sol, chuva e bombas em nossas campanhas. Não tenho,
portanto, o direito de imaginar que eles procedam sem coerência em relação ao
carnaval ou qualquer outra circunstância.
A TFP é uma sociedade cívica que tem por fim valorizar
três pilares da ordem natural e da civilização cristã no Brasil: Tradição,
Família e Propriedade. A sociedade entende esses valores de ordem natural
segundo nossa tradição cristã sempre as entendeu. Os seus membros se empenham
em levar a todas as suas conseqüências a fidelidade a esses valores.
Assim estão persuadidos de prestar uma contribuição
valiosa para a grandeza e o progresso do Brasil, pois, coerentes com o
ensinamento de Pio XII, consideram o progresso como o desabrochar normal da
tradição, e não a negação violenta e completa desta última. Qualquer aspecto da
TFP facilmente pode ser explicado por quem procure situar-se na perspectiva de
uma plena coerência com a tradição, família e propriedade.
P. O que o
Senhor faz nos quatro dias de carnaval?
R. Durante o carnaval fico pondo em dia serviços
atrasados e, se sobra algum tempo, eu rezo ou descanso. Nunca pulei o carnaval;
assistia quando era moço nos salões junto com a família ou na rua.