16 de outubro de 1973
Entrevista para a agência Reuters
Repórter - O Sr. foi fundador da TFP? Em 1960?
Plinio Corrêa de
Oliveira - Sim, fui o fundador da TFP, em 1960. Agora, já existia um
grupo de estudos anterior a esse ano; muito anteriormente a isso. O primeiro
esboço da TFP, antes de estar juridicamente constituída, começou por volta de
1930, quando eu era ainda moço, e reuni um grupo de companheiros católicos,
para estudos e para ação. Esse grupo continuou, digamos, informalmente –
naturalmente recebendo novos aderentes, e fazendo amigos, etc., etc. – até
1960. Em 1960 é que se formou regularmente a Sociedade.
R. - [Inaudível].
PCO - É que o
número de amigos que tínhamos por toda parte era muito grande e nossa ação
pública exigia uma sociedade que fosse responsável. Não poderia ser explicado
simplesmente como um ato indefinido de amigos. Precisava ter um rótulo, uma
estrutura. Então, formou-se a Sociedade.
R. - Não era, então, por que você achava que a
opressão da esquerda estava aumentando no Brasil?
PCO - Quer dizer,
de fato estava aumentando. Talvez se pudesse dizer que o aumento de pressão da
esquerda tivesse aumentado a Sociedade, e o aumento da Sociedade tenha levado a
se estruturar juridicamente. Uma ação indireta.
R. - Houve um grande aumento desse [sentimento?] na
política do Brasil?
PCO - Sim, havia
dois fatores para isso. O primeiro fator era, realmente, uma atividade
esquerdista mais acentuada. Agora, o segundo fator é que nos meios
especificamente católicos a penetração esquerdista se tornou muito maior.
Agora, enquanto nosso povo recebia com muita desconfiança o esquerdismo de emanação diretamente comunista, recebia com
mais confiança o esquerdismo católico. Então, isso
nos levou a acentuar a ação anti-esquerdista nos
meios católicos.
Para compreender a importância dessa luta ideológica dentro dos
meios católicos, é preciso levar em consideração a influência enorme da Igreja,
no Brasil.
Em primeiro lugar, porque o país é católico. Em segundo lugar,
porque é um país em que as grandes instituições, como a Igreja, ainda são
raras. Sobretudo eram raras naquele tempo. De maneira que para onde se movesse
a Igreja, se movia a grossa maioria do país. Então, influenciar o pensamento
católico para caminhar para a esquerda, ou para conservar-se no centro ou ir
para a direita, era, de algum modo, mover o país. De algum modo. Também não
quero exagerar a importância dessa ação.
R. - [Parece perguntar se essa influência continua
ainda.]
PCO - Alguns
afirmam que baixou. Eu tenho impressão de que ela baixou por causa da atitude
esquerdista da Igreja. Da Igreja, ou de muitos setores católicos. Mas eu acho
que é fácil de recuperar se devidamente combatido, pela unanimidade dos hierarcas.
R. - Tem obtido algum êxito nisso?
PCO - Graças a
Deus, um bom êxito. Um êxito da nossa ação.
R. - Há êxito da influência da esquerda na Igreja?
PCO - Não, o
êxito da esquerda na Igreja está estacionário, ou até retrocedeu um pouco. Mas
no ano de 60 o perigo era muito grande.
R. - E foi uma das razões para...
PCO - Para nós
acentuarmos a nossa ação e tomarmos uma personalidade jurídica. Foi uma razão.
R. - Você considera a TFP o principal adversário do esquerdismo no Brasil?
PCO - Eu acho que
sim. Não há nenhuma associação anti-esquerdista no
Brasil do tamanho da TFP, e com o passado e as realizações da TFP. Sobretudo,
nenhuma reúne o mesmo número de jovens.
R. - Você sabe o número dos sócios da TFP?
PCO - Não é muito
grande. Nós estamos, mais ou menos, estamos caminhando para os dois mil. Ainda
não atingimos.
R. - É pequena, para um país tão grande.
PCO - Pequena,
para um país de noventa milhões de habitantes. Então, o Sr. poderia perguntar
que importância tem a associação.
R. - Bem, é muito antiga.
PCO - Não é só
antiga. Não sei se o que vou dizer interessa para a entrevista. Mas o Sr.
precisa compreender a questão.
A TFP é um símbolo. Há uma porção de gente que não concorda com
cada uma das idéias dela, mas concorda com muitas das idéias dela, e que teria
ficado esquerdista se a TFP não existisse. Porque a TFP existe como um símbolo
de resistência, elas resistem. Quer dizer, nosso raio de influência é muito
maior do que nossos quadros.
R. - Esses quase dois mil, são membros ativos?
PCO - Ativos. Não
temos membros honoris causae.
R. - Ou tudo, ou nada.
PCO - Sim, temos
gente ativa nos vários ramos: uns estudam, outros lutam. Enfim, várias
atividades, mas então todo mundo é ativo. Como eu disse, os jovens são os mais
numerosos. E cada geração nova que vem fornece maior número de membros para a
TFP.
R. - O número tem crescido, durante os 13 anos da TFP?
PCO - É
continuamente progressivo.
R. - Inicialmente, quantos eram?
PCO - Mais ou
menos uns 40.
R. - Esses membros são recrutados em campanhas?
PCO - Não. É por
ação individual deles, desse ou daquele. Nós não fazemos questão de um recrutamento
muito grande. Nós queremos é uma formação muito boa.
R. - E vocês buscam indivíduos especiais?
PCO - Não. Nós
anunciamos nossas idéias. Quem se aproxima manifestando simpatia, nós entramos
em contato e damos cursos. Quem aceitar essas idéias, querendo pode ser
militante da TFP. Processo de recrutamento comum.
R. - Então, uma pessoa que concorde com o que haja
visto da TFP, faz um curso? Em que consiste esse curso?
PCO - Para um não
brasileiro, é um pouco difícil entender esse curso como é. Porque o Sr. sendo
germânico, meio anglo-saxão etc., pensará, naturalmente, num curso com programa
formado, ciclos, etc., etc. Mas o brasileiro é enormemente
intuitivo e não se encaixa bem assim em cursos. Nós temos várias conferências
sobre vários temas da atualidade e depois sobre temas doutrinários. Estão, mais
ou menos, constantemente sendo dadas. A pessoa se aproxima, ouve em alguma
medida, e pega o resto. Lê alguns livros e pega o resto.
Quando nós e ele temos a sensação de estarmos inteiramente de
acordo, está acabado o negócio. Mas um curso regular não é nada brasileiro.
R. - É um curso tipo brasileiro.
PCO - Mas que
exige uma adesão profunda.
R. - Depois que ele fez esse curso brasileiro, que
possibilidades tem ele? Poderia... numa escola da TFP, poderia morar num
pensionato?
PCO - Muitos dos
que são militantes da TFP em São Paulo, são rapazes do interior do Estado, ou
de outros Estados, que vêm aqui trabalhar e estudar. Então, não têm família
aqui. Nós oferecemos para esses, pensionato. Também um restaurante. Mas que
eles devem pagar.
R. - E como pagam eles, se estão estudando?
PCO - Alguns têm
profissão, ao lado do estudo. Outros não são estudantes, mas comerciários. Outros são funcionários da própria TFP. Aí
recebem da TFP e pagam com o dinheiro que recebem.
R. - E o dinheiro que recebe, são contribuições?
PCO - A TFP?
Contribuições principalmente dos sócios.
R. - [Inaudível].
PCO - Muito
desigual a gama. Alguns são muito ricos, outros fortunas médias, outros são
pobres.
R. - Todas as classes, então? Um novo sócio, por
exemplo, um estudante, entra em curso intensivo de doutrinação?
PCO - Não. É o
tal curso que eu falei. Por exemplo, ele vem da província. Toma um emprego aqui
e fica morando em São Paulo. Conhece a TFP, segue o curso se quiser. É a mesma
coisa que um rapaz nascido em São Paulo, na cidade.
R. - Mas pode seguir o curso?
PCO - Pode, é
claro. O curso é aberto para qualquer um.
R. - E são aulas diárias?
PCO - Não,
conferências... quer dizer, qualquer um interrompe a qualquer hora, pergunta o
que quer, etc. Exposições interrompidas por discussões. A palavra é livre.
R. - Eu, por exemplo, quando vim aqui e vi jovens
todos tinham o cabelo muito curto. É uma lei?
PCO - Não, não.
Eles começaram a cortar o cabelo por oposição a esses hippies que usavam cabelos exageradamente compridos. Eles chamam isso
"contestação anticontestatária".
R. - Mas a TFP não exige que cortem o cabelo? E quando
vem com barba e cabelo comprido?
PCO - Um de
nossos diretores usa uma grande barba, desde mocinho. Quando não era moda usar
barba, ele usava barba. Olhe aí, um diretor insigne. O cabelo dele não está
cortado.
R. - Então, é puramente voluntário?
PCO - É uma
espécie de entusiasmo juvenil, de se opor, de fazer uma antítese ao hippismo.
R. - Esses militantes não têm um treinamento especial?
Por exemplo, muitas organizações treinam seus jovens para uma eventual
possibilidade de combate.
PCO - Sim, os
nossos estudam caratê. Mas é também facultativo; mas
quase todos se entusiasmam muito pelo caratê.
R. - Muitos que eu vi são de origem asiática.
PCO - Não,
acontece o seguinte: há um bairro aqui em São Paulo, chamado Itaquera, que tem uma quantidade enorme de japoneses. E nós
tivemos um professor que é um grande recrutador –
professor de um colégio estadual – que durante anos lecionou lá. Então, fez
muitos recrutas lá. É uma razão toda fortuita.
R. - Fazem o caratê como
esporte, ou...
PCO - Esporte e
como necessidade defensiva, porque eles são muito atacados em rua, quando fazem
campanha. Têm sido várias vezes objeto de ataque. E têm se defendido
vitoriosamente. Nunca agridem. É uma das regras mais fundamentais da TFP, é
nunca fazer agressão.
Um pormenor que eu não dei ao Sr., mas que talvez interesse, é que
esses militantes da TFP não existem só em São Paulo. Existem em mais de 50
cidades do Brasil. Depois, tem as TFPs de outros países.
R. - Há em muitos outros países a Organização?
PCO - Tem na
América toda, com exceção da América Central, Paraguai e Bolívia. Agora estão
formando um grupo em Mérida, na Venezuela.
R. - Mas as sedes, nas cidades do Brasil, são muito
pequenas?
PCO - São bem
menores do que essa. São Paulo é o foco. É muito maior do que nas outras
cidades. Mas algumas são grandes. Belo Horizonte tem uma boa sede; Rio de
Janeiro, Porto Alegre, Recife têm sedes boas. Menores do que essa, mas boas
sedes.
R. - A capa vermelha que vocês usam é um símbolo de
pertencer a TFP, ou eles saem na rua?
PCO - Não. A capa
foi idealizada para campanha. Eles é que por entusiasmo usam dentro de casa.
Mas a capa é para campanha. É um modo de chamar a atenção da população, um
processo propagandístico.
R. - A TFP também foi muito ativa durante a campanha
contra o divórcio?
PCO - Promovemos
um abaixo-assinado, que conseguiu um milhão de assinaturas, em 50 dias, no país
inteiro.
R. - E você acha... [inaudível].
PCO - Ah, isso é
indiscutível. Durante a campanha, o governo Castelo Branco retirou o projeto do
Código Civil.
R. - Quando os militantes saem à rua vão em grupos?
PCO - Habitualmente,
para a campanha, em grupos. Campanha se faz em grupos. Eles têm campanha em
cidades e tem as caravanas. Eles percorrem o Brasil inteiro em caravanas, em kombis.
Então, conseguem vendas enormes de nossos livros. Para o Sr. ter
uma idéia, aqui no Brasil, um livro que consiga uma edição de 4 mil exemplares
é reputado um livro que saiu bem. Nossos livros tiram dezenas de milhares de
exemplares.
Por exemplo, esse livro "Liberdade da Igreja no Estado
comunista" tirou 150, 160 mil. O "Diálogo" tirou um pouco menos,
mas por volta dos 100 mil. Porque exatamente eles vão às ruas, ficam vendendo
etc. Eu os considero uma máquina propagandística de
primeira qualidade. Para o Sr. ter idéia da simpatia que eles despertam na
população, basta dizer ao Sr. que na imensa maioria dos casos essas kombis têm a gasolina dada gratuitamente pelos postos de
gasolina, a hospedagem dada por hotéis, comida dada pelos restaurantes, tudo
gratuito. Aí o Sr. pode ver a boa repercussão.
R. - E são muitos os simpatizantes?
PCO - São muitos.
Temos, hoje em dia, fichados – não pertencentes à TFP, mas amigos – nós temos
mais de 15 mil pelo Brasil inteiro. Isso os fichados, que se correspondem
conosco. Não digo simpatizantes gerais. Esses são muito mais numerosos.
Nós temos também um serviço radiofônico dirigido pelo Sr. [...],
chamado "Semana em Foco". Passa por volta de 65 a 70 emissoras de
rádio no Brasil. São emissoras. Cada emissora cobre várias cidades. É um
programa que focaliza os acontecimentos da semana, políticos, sociais; do
Brasil e internacionais.
R. - A TFP nunca conseguiu nenhuma ajuda do Governo?
PCO - Nunca
pediu. Nós queremos poder dizer a pura verdade: que nós não temos nenhum
compromisso político. Defendemos de modo inteiramente desinteressado essa
causa.
R. - O governo nunca fez nenhum obstáculo a TFP?
PCO - Não.
Obstáculo, não. Naturalmente, algumas vezes, com autoridades inferiores aí pelo
Brasil afora, houve pequenas coisas. Mas são coisas sem expressão. Nós somos
uma Organização apolítica, que nos movemos na esfera privada, não temos
compromissos partidários. Naturalmente temos alguns amigos que apoiam o
Governo, mas nós não temos relação política com ninguém. E fazemos questão
disso.
R. - Como você explica a política, a visão e o
desfecho da TFP?
PCO - Como a
política da TFP?
R. - Vocês consideram a TFP uma guarda contra o esquerdismo?
PCO - O objetivo
da TFP é atuar sobre a opinião pública de maneira a resguardá-la contra a
influência do esquerdismo. Para isso ela promove os
três valores que o esquerdismo, no momento, quer
destruir: a tradição, a família e a propriedade.
R. - E as ambições da TFP são de acabar com o esquerdismo, ou tem ambições mais poderosas?
PCO - Não. Se o esquerdismo não existisse nós trabalharíamos para que a
tradição, a família e a propriedade realizassem plenamente sua missão, porque
consideramos que são o fundamento de toda verdadeira civilização. Naturalmente,
nós entendemos esses três valores no sentido católico, como a Igreja os
entende. Quer dizer, nós somos católicos, os entendemos como a Igreja os
entende.
R. - A TFP é ligada à Igreja Católica, ou é influenciada
pela Igreja Católica?
PCO - Não é
ligada à Igreja Católica. É influenciada por nossas convicções católicas. Mas
ela é uma associação cívica. Quer dizer, ela se move num campo onde a Igreja
reconhece a autonomia dos fiéis.
R. - Tem apoio da Igreja?
PCO - Não. Até
pelo contrário, ela é muito discutida dentro da Igreja. Há muitos bispos que
são contra a TFP. Sacerdotes também, etc. Há, naturalmente, outros que têm uma
simpatia maior ou menor pela TFP. Há um bispo que é grande amigo da TFP, que é
o bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer. Mas
dentro dos meios católicos, a TFP é muito discutida.
R. - É claro, há muitos bispos de esquerda.
PCO - É, e é
natural que se choquem muito conosco.
R. - Vocês recebem ameaças?
PCO - Algumas,
sim; de bombas em casa, bombas na Sede, incêndios, etc. Em uma de nossas sedes
explodiu uma bomba. Foi em 1969.
(Dr. P. Brito:
É uma sede distrital. No local onde explodiu a bomba nós construímos um
Oratório com a imagem de Nossa Senhora que foi danificada pela bomba. A bomba estourou
no ângulo. Foi na véspera de uma campanha contra o IDO-C e os “grupos
proféticos”. Umas das últimas campanhas que a TFP fez.)
R. - Não morreu ninguém?
PCO - Não, a casa
estava vazia. Era noite.
R. - Vocês nunca perderam nenhum militante? Mortos?
PCO - Mortos,
não. Feridos, com pequenos ferimentos em brigas, sim. Mas ferimentos
insignificantes.
R. - Não estão treinados para usar armas?
PCO - Não.
R. - Devem combater só com as mãos?
PCO - Só com as
mãos. Um membro da TFP que usasse uma arma para defender-se seria expulso
imediatamente.
R. - É uma regra?
PCO - Não, mas
uma deliberação minha, que eu executaria implacavelmente. Aliás, nunca
aconteceu, porque nossa ação é tão forte, que nunca aconteceu.
R. - Em São Paulo há somente uma sede?
PCO - Contando
sedes de trabalho, entre 10 e 12. Porque nós temos essa sede aqui, que é uma
espécie de sede social. Se o Sr. tiver interesse, depois podemos mostrar. Temos
sedes-escritórios e depois temos, em vários bairros,
sedes distritais.
R. - E muitos dos militantes moram nas sedes?
PCO - Moram
nesses pensionatos.
R. - A maior parte é de católicos?
PCO - Todos eles
são católicos praticantes, e têm muita fé. Sem terem muita fé, essa dedicação
seria incompreensível. Porque a vida deles é de muita dedicação. Seria interessante,
o Sr. tendo tempo, sair agora com o Professor Brito e ir visitar a sede que foi
danificada pela bomba, e onde tem o Oratório. O Sr. veria esses rapazes que
trabalham durante o dia, durante a noite tem sempre, a noite inteira, rezando
dois diante de uma imagem de Nossa Senhora exposta ao público, na rua. As
pessoas da rua passam, vêem etc.; alguns gritam, vaiam, jogam coisa. Outros se
associam, rezam junto. Esse Oratório tem continuamente flores dadas pela
população e velas dadas pela população também.
(Dr. P. Brito:
E flores de prata e ouro também. Não só flores naturais, mas quando uma pessoa
recebe uma graça através da imagem, que já é muito conhecida no bairro, as
pessoas então levam, como retribuição àquela imagem de Nossa Senhora da
Conceição, levam uma rosa de ouro, uma rosa de prata. Já está um verdadeiro
jardim de rosas de prata, especialmente.)
PCO - Isso quando
querem. São atos de devoção do povo.
R. - E são durante a noite?
PCO - Durante a
noite. Todas as noites do ano.
(Dr. P. Brito:
Das seis da tarde às seis da manhã.
PCO - Se o Sr.
tiver tempo, vale a pena visitar. É perto daqui.
R. - São uns tipos de monges, que fazem isso? Porque
se há um programa é como se fossem monges.
PCO - Não. É
facultativo, não é obrigatório. Eles fazem isso por devoção, por entusiasmo.
R. - Mas é uma maneira fanática.
PCO - Não. A
palavra “fanática” é uma palavra pejorativa. Indica uma pessoa que tomou uma
convicção irracional, e que está disposto a defendê-la por meios ilegítimos.
R. - Há monges que são fanáticos.
PCO - Em
português, a palavra “fanático” quer dizer o que eu acabei de dizer. Posso
dizer que são fervorosos, são entusiasmados. Aí eu concordo.
R. - Acho que se impõe a eles hábitos que são muito
difíceis para cumprir.
PCO - Se impõe,
não. Eles aceitam voluntariamente. Não existe um regulamento da TFP – isso é
uma coisa muito brasileira – obrigando a nada disso. Outra coisa: isso nunca
foi planejado. Foi nascendo aos poucos. Nunca foi projeto: vamos fazer assim.
Não. Vai nascendo, a gente vai dando forma. É tudo muito brasileiro. Diferencia
o brasileiro do alemão, ou do anglo-saxão, profundamente.
R. - Estou aprendendo.
PCO - Outra coisa
é que é inteiramente facultativo. Essas coisas não são obrigatórias. Outra
coisa, vou lhe dizer qual é o ponto de partida.
Ninguém entra para a TFP assumindo compromissos. "Aqui está a
TFP. Você quer entrar?" "Quero". E a pessoa entra no circuito.
Vamos dizer, na Inglaterra, por exemplo: tem um programa, cursos, depois a
pessoa assume um compromisso, preenche uma ficha e cumpre obrigações. Isso
parece elementar como um automóvel ter rodas e um tanque de gasolina. Aqui,
não. O temperamento do brasileiro é diferente. O brasileiro, quando não se
sente coagido, ele se dá mais do que quando ele se sente coagido.
R. - Então é esse o segredo do êxito dele?
PCO - Não, isso é
comum no Brasil. Eu estou insistindo nisso para que um repórter, que não é
brasileiro compreenda um pouco a Organização. Porque vendo assim, para os
senhores, deve ser inverossímil.
R. - Mas você, durante as discussões e conferências,
não faz alguma alusão a isso?
PCO - Às vezes
recomendo. Dou os argumentos por que deve ser feito, etc. Mas sempre com base
de raciocínio. Nunca nós empregamos aqui qualquer coisa que possa parecer com
técnicas modernas de persuasão psicológica. É tudo raciocínio.
R. - Não há escolas, ou colégios que estejam sendo
dirigidos por pessoal da TFP?
PCO - Nós temos
um, um curso secundário, chamado Colégio D. Bosco.
(Dr. P. Brito:
É para complemento. Não é propriamente uma escola reconhecida. É para repetir
as lições das escolas secundárias, de vários alunos que precisam um repetidor.
Esse curso tem a finalidade de colocar o aluno bem ao nível da classe que ele
está fazendo nos vários colégios a que pertencem esses alunos. Aqui no Brasil existe
essa forma de escola de repetição.)
PCO - Os alunos
são quaisquer alunos. Não são da TFP. A escola é dirigida pela TFP, mas recebe
os meninos que queiram ir.
R. - A escola é paga pela TFP?
PCO - Não. Os
pais pagam. Dirigida, mesmo a parte econômica, pela TFP. Mas é paga pelo pais,
como qualquer colégio.
R. - E essa escola não tem nenhuma ideologia especial?
PCO - Eles dão
difusamente a doutrina da TFP nas aulas de história, e numa ou outra aula
assim. Mas não tem assim uma ideologia metódica.
R. - Porque, segundo um mensageiro que temos no
escritório, ele era discípulo dessa escola, e disse que era bastante
ideológica.
PCO - Talvez, em
relação a essas outras escolas aí fora, sim. Mas, na realidade, nós nunca
tivemos tempo de organizar isso como uma escola ideológica, como propriamente
devia ser. Isso nunca tivemos tempo. Por exemplo, organizar o curso dando bem
as idéias, isso não. Talvez em relação às escolas inteiramente laicas, sim.
R. - A TFP não tem visões políticas? É completamente
afastada da política?
PCO - Completamente
afastada da política.
R. - Mas no caso em que o Brasil, um dia, volte a um
sistema democrático, tendo eleições democráticas, ou partidos com eleições, ao
estilo velho, a TFP consideraria a si mesmo como um partido?
PCO - Não, nunca.
Eu acho que a TFP diminuiria seu raio de ação, se ela entrasse dentro de um
partido. Porque como os partidos se dividem a respeito de questões que não nos
interessam, nós aderirmos a partido era entrar numa porção de pontos de divisão
conosco, que não nos interessariam. Nosso campo ideológico está acima de certas
divisões partidárias.
R. - Se no Brasil, em alguns anos, ou meses, houvesse
o perigo de uma grande influência de esquerda, a TFP tomaria parte contrária,
como militantes?
PCO - Ideologicamente,
é claro. Militarmente, nós apoiaríamos a autoridade.
Se a autoridade pedisse, nós ajudaríamos. Se ela não pedisse, nós não nos
moveríamos. Porque a função militar é monopólio do poder público.
R. - Mas no caso do governo, ou das autoridades
militares disserem que vocês podem fazer um grupo de choque, como se faz em
muitos países, a TFP estaria disposta a fazer?
PCO - Se as
autoridades dissessem que nós podemos fazer, nós não faríamos. Se elas nos
pedissem para fazer, aí nós faríamos. É diferente.
R. - É uma grande diferença.
PCO - Mas não há
nenhuma probabilidade de pedir, porque as Forças Armadas são muito equipadas no
Brasil, e têm todos os meios de repressão. O que pode significar mil e
quinhentos, dois mil rapazes, para as Forças Armadas? Nada.
R. - Treinados, sim. Grupos pequenos bem treinados,
fazem muito.
PCO - Se
pedissem, hipoteticamente, é claro que ajudaríamos. Assim como ajudaríamos as
autoridades militares contra um inimigo externo, ajudaríamos contra um inimigo
interno. Isso é líquido.
R. - Acha que há alguma possibilidade no Brasil de ser
implantado um sistema socialista nas próximas décadas?
PCO - A expressão
"sistema socialista" é muito fluída. O que é um sistema socialista?
Se chamar um sistema onde a propriedade privada esteja quase abolida, ou quase
abolida, eu acho que seria muito difícil.
R. - O estilo, por exemplo, de Allende,
que fez uma gradual nacionalização dos recursos...
PCO - Acho que no
Brasil levantaria muita resistência.
R. - Atualmente, a força da esquerda é muito pequena,
não é?
PCO - É pequena.
Mas é uma coisa que se não houver uma oposição ideológica, pode tornar-se
grande. É preciso sempre haver uma oposição ideológica. Agora, uma coisa que um
não brasileiro teria dificuldade em compreender é a seguinte: a esquerda, no
Brasil, é uma minoria em todas as classes sociais. Mas a classe social onde
essa minoria é maior é na classe alta, na classe dos ricos. É um ponto que é
preciso ficar bem claro. Por exemplo, para o europeu isso é uma coisa
inverossímil, chocante. É a mais pura verdade para o Brasil.
(Dr. P. Brito:
E nossos militantes, percorrendo o Brasil inteiro nas campanhas, têm constatado
isso em todas as partes do Brasil. Quanto mais humilde a classe, ela tem menos
espírito socialista e comunista.)
PCO - A própria
composição social da TFP indica isso. As pessoas de alta classe são pouco
numerosas na TFP. A maior parte pertence a essa burguesia pequena recém saída
do operariado. Pais operários que têm filhos estudantes, comerciários,
etc., etc. Essa é a classe onde nosso recrutamento é mais abundante.
R. - Não seria isso no Brasil um problema de falta de
educação? Quer dizer, os pobres não sabem bem o que é o socialismo, comunismo.
A classe alta tem mais possibilidade de conseguir livros, etc. Além disso, o esquerdismo é muito questão de moda na classe alta.
PCO - É uma
questão de esnobismo. Nós costumamos dizer que nos
salões da alta sociedade e nas sacristias é onde a minoria comunista é maior.
Nós não queremos dizer que aí haja maioria comunista, mas é onde a minoria
comunista é maior.
R. - ...esses são os últimos que dão alguma coisa de
si para melhorar a vida dos pobres.
PCO - O fato é o
seguinte: a gente vê em certas épocas históricas que o fato de a pessoa ter
absolutamente tudo quanto quer para levar uma vida boa, cria uma espécie de
desejo de suicídio. O Sr. vê, por exemplo, é uma coisa admitida hoje pela
maioria dos historiadores que a primeira etapa da Revolução Francesa foi feita
pelos nobres. Eles chamam até hoje la révolution
aristocratique. Isso em qualquer tratado de
História, dos mais modernos, diz.
Na Rússia, o primeiro governo que depôs o czarismo
foi dirigido pelo príncipe, e Kerenski mesmo era um
burguês. Assim o Sr. vê que, por toda a parte, são as elites degeneradas que
começam a suicidar-se. E esse é o fenômeno que nós temos aqui. Agora, eu não
digo que as elites brasileiras sejam degeneradas. Eu digo que há uma minoria em
estado de degenerescência snob.
R. - Mas no mundo inteiro é moda, agora. Eu estive no
Chile muitas vezes – no tempo de Allende e agora –
muita gente que falava a favor, agora acabou.
PCO - A Junta
acabou [com] o esnobismo.
R. - A única coisa triste é que custou muitas vidas.
Demais, para mim.
PCO - Mas o Sr.
acha que a Junta está matando mais do que seria necessário?
R. - Eu acho que sim. Mas não é só a Junta, mas os
postos baixos militares; o sistema, que estabeleceu um estado de guerra. Nas
províncias, deixam encarregados que podem fazer o que querem. Muitos desses são
pessoas não muito educadas, com ódios pessoais e que fazem coisa que eu estou
certo que a Junta não sabe ou, se sabe, ela não pode fazer nada para não romper
a coesão.
PCO - Isso não
seria um perigo no Brasil, porque o nosso povo é muito suave, muito afetivo.
Não é um povo violento. Eu acho que o povo menos violento do mundo é o
brasileiro.
R. - Sim, mas no momento de uma revolução despertam
muitos instintos bestiais em pessoas que são pacíficas.
PCO - Acontece.
Mas a história brasileira, como a história latino-americana, tem uma porção de
revoluções. Todas as revoluções brasileiras resolvem-se como se luta xadrez
entre grandes campeões: três ou quatro lances e pára.
Nunca a revolução chega, de fato, a derramar sangue. É incrível
como nosso povo é pacífico. Um fato único na história, por exemplo: quando
fizeram a República aqui, a Constituinte republicana votou uma dotação de 5 mil
contos – naquele tempo equivaleria, mais ou menos, a
uns 50 milhões de cruzeiros atuais – para o imperador viver no exílio. Por
exemplo, quando houve a libertação dos escravos, nos Estados Unidos uma guerra
civil horrível – aqui se fez com festas, palmas, os próprios fazendeiros
contentes, davam liberdade aos escravos. É um país de uma bonomia e de uma
concórdia únicas.
(Dr. P. Brito:
Mesmo as revoluções em que houve derramamento de sangue, foi uma coisa
minúscula, em comparação com Bolívia, com Chile.)
R. - Em 64 não houve nada.
PCO - Nada. As
pessoas brigam sem vontade de se agredirem.
R. - Ainda existem no Brasil as células de combatentes
de guerrilhas?
PCO - Guerrilhas,
não. Existe gente que gostaria de fazer guerrilha, se pudesse. Que eu saiba,
nada.
R. - Porque às vezes sai no jornal...
(Dr. P. Brito:
Há alguma coisa de terrorismo, mas muito reduzido.
PCO - Terrorismo
é uma coisa, guerrilha é outra. O Sr. se refere a terrorismo urbano. Isso a gente
vê que existem células que a gente vê que gostariam de fazer terrorismo; a
polícia conhece e desmantela.
R. - Existia, antes, muito mais.
PCO - Mas está
muito diminuído. Depois, os terroristas foram sempre uma minoria ainda muito
menor do que a TFP. Eram grupinhos.
R. - Queria fazer outras perguntas sobre a TFP só do
Brasil. Não me compete falar de outros países.
PCO - A primeira
TFP foi brasileira. A partir dela é que se fundaram as outras, em anos
sucessivos.
R. - Você é o [inspirador] da TFP em toda a América?
PCO - Sim, em
toda a América. Também tem grupos análogos à TFP na Espanha e em Portugal.
R. - Que também começaram após o seu?
PCO - Inspiraram-se
no nosso exemplo. São independentes, mas inspiraram-se no nosso exemplo. E em
toda a América: Canadá e Estados Unidos também.
Na América Central ainda não. Também não no México. Não houve
tempo e ocasião. Isso supõe um mundo de compromissos.
R. - No México, a ocasião é agora.
PCO - Por quê?
R. - Porque está para... [inaudível] ...esquerdista
PCO - Sim, e dá
preocupação. Mas eu creio que já há grupos anticomunistas agindo no México.
Tenho impressão de que agüentam bem o tranco.
R. - Está bem, eu gostaria. Porque gostaria de comprar
um pedaço de terra no México. Minha mulher é mexicana.
PCO - Ah, muito
bem, sua senhora é mexicana. De que cidade ela é?
R. - Da cidade do México mesmo.
PCO - Nós não
falamos a ele do mensário "Catolicismo".
Nós divulgamos um mensário chamado
"Catolicismo" que é publicado pelo bispo de Campos, D. Antônio de
Castro Mayer. Nós nos encarregamos da difusão, e
somos colaboradores desse mensário. Eu também tenho
uma coluna na "Folha de São Paulo", aos domingos. Escrevo, todo
domingo, um artigo para a "Folha de São Paulo".
R. - Eu já li. Você escreve comentários, que o Sr. Cury me entrega todos os dias.
PCO - O Cury é um modelar militante da TFP. Aliás, o Sr. já tem
mandado algumas notícias da TFP, não é verdade? Somos muito agradecidos por
isso. Conheço essa difusão e, várias vezes, o Cury
nos dá cópias do telegrama que o Sr. manda e nós lemos aqui nas notícias.
De maneira que a sua Agência é muito bem vista aqui; vista com
muita simpatia. Mas tenho o prazer de conhecer pessoalmente o responsável por
essa boa difusão. E é uma alegria recebê-lo. Quando vier a São Paulo e quiser
tomar um "whisky" conosco é só telefonar e vir conversar.
R. - Sim, eu queria fazer uma nota sobre a TFP; algo
mais longo, tipo ficha. Para que um jornal faça um despacho, sábado ou domingo.
PCO - O Sr.
estudou jornalismo, porque está tão treinado na matéria.
R. - Eu estudei na Austrália.
PCO - O Sr. saiu
da Austrália há quanto tempo?
R. - Saí da Austrália em 1967.
PCO - Então, é
muito moço ainda. O Sr. tem uns 30 anos, ou melhor, não tem 30 anos ainda?
R. - Tenho 33.
PCO - Então
começou a trabalhar muito cedo.
R. - Aos 20 anos. Estou fazendo estudos de jornalismo
há muito tempo.
PCO - É uma
lindíssima carreira. Muito bonita. O Sr. sempre esteve na Reuters?
R. - Não. Escrevi muito para jornais, [inaudível] ...
Austrália é muito pequena e isolada. Então, eu saí para trabalhar na Reuters.
PCO - Mas a
Austrália está em muito progresso, não está? Qual é a população australiana, no
momento?
R. - 13 milhões.
PCO - Equivaleria ao Estado de São Paulo.
(Dr. P. Brito:
Não, é bem maior. Equivaleria a 5 vezes o Estado de
São Paulo.
PCO - E todo o
território é aproveitável, ou há muito deserto pelo meio?
R. - Há muito deserto. Há... [inaudível] ... que é o
centro da Austrália, e onde não cresce nada.
PCO - Mas é
inteiramente deserto? Montanhoso, ou plano?
R. - Com rochas, e superfície de terra muito dura.
PCO - Vai ver que
debaixo tem petróleo, tem riquezas minerais...
R. - Mas é muito caro, porque muito longe das cidades.
PCO - Sim, dos
centros consumidores. O transporte custaria muito. Fica guardado para o futuro.
R. - Então, não vou mais preocupar você; é muito
desagradável...
PCO - Não, estou
à disposição. Gostei muito de receber sua visita, e aproveito para agradecer a
simpatia e a boa difusão que nos foi dada.
R. - Eu uso desses, quando há tópico, por exemplo,
como reação. Por exemplo, Nixon faz algo e, como
reação é sempre bom usar vários pensamentos diferentes. Eu gostaria de ver o
Oratório.
PCO - Estamos à
disposição. Quanto à sede [da Rua Maranhão, na capital paulista], é preciso
explicar o objetivo dela, para entendê-la bem.
A cidade de São Paulo é uma cidade muito moderna. Para dar uma
idéia de tradição, para eles, e para os militantes que são, muitas vezes,
rapazes de famílias modestas, nós organizamos essa sede, que é uma sede que
representa um interior de casa tradicional de São Paulo, antes da modernização.
Então, é uma casa antiga, que nós arranjamos um pouco e os móveis foram todos
emprestados pelas pessoas mais ricas do Movimento. De maneira que o Sr. tem aí
muitas curiosidades, móveis bonitos, etc., mas que são franqueados para
qualquer rapaz da TFP, mesmo de ambientes muito modestos. Não é, portanto, um
clube de luxo, como poderia parecer. Um clube de luxo, feito para gente de
luxo. É uma espécie de ambiente tradicional, criado para gente de todas as
classes sociais.