Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

 

A Nobreza e as elites tradicionais

 

hoje!

 

 

 

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Aperçu, publicação da TFP francesa, julho-agosto de 1994

  

Aperçu: Duzentos anos após a Revolução Francesa, o Sr. acha que a sociedade francesa de hoje tem algo a esperar da Nobreza?

Plinio Corrêa de Oliveira: Sem dúvida. A história nos ensina que as aristocracias se constituem em condições tais que duram muito mais do que isso. Duzentos anos! O que é isto para a nobreza francesa, da qual algumas famílias cujas origens são tão antigas que "se perdem na noite dos tempos", segundo a expressão consagrada?

A condição de nobre não é feita para ter a mera duração de uma vida individual, como o contrário do que acontece aos indivíduos e às famílias na sociedade de caráter democrática, aliás, com frequência se extinguem antes mesmo de um homem célebre morrer. A condição de nobre é feita para ter a duração de uma família. E a família, hereditária por definição, é feita para durar séculos e séculos sem se desgastar; pelo contrário, valoriza-se com a ação do tempo.

Poder-se-ia objetar a isso que sua pergunta não se refere tanto à mera duração do tempo, mas ao desgaste inerente aos acontecimentos históricos dos últimos duzentos anos, que começam por incluir a Revolução Francesa. E perguntar se, com esses duzentos anos de Revolução, todos voltados contra ela, a nobreza já não se desgastou a ponto de não ter mais serviços a prestar ao país.

A história da França, mesmo republicana, dá numerosos exemplos do contrário. Isto é, de personalidades eminentes que têm prestado ao país serviços relevantes, nos mais variados ramos das atividades públicas nacionais.

Aperçu: O senhor comenta as alocuções de Pio XII. Mas depois do Ralliement impulsionado por Leão XIII, será que não se deve considerar que a Igreja optou definitivamente pelo povo e que o papel da Nobreza e das elites tradicionais é definitivamente do passado, do Ancien Régime?

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA: Sua pergunta pressupõe duas afirmações que eu não partilho. A primeira é de que possa haver uma contradição entre os ensinamentos de dois papas, de sorte que Pio XII estaria em contradição com Leão XIII. Ademais, se se admitir, argumentandi gratia, que tal contradição existe, não vejo porque não optar de modo mais desenvolto, em favor dos ensinamentos de Pio XII e não dos de Leão XIII.

Aperçu: Entende-se que na Europa, os descendentes dos nobres de outrora tenham ainda algum papel, mas do que vale sua opção preferencial pelos nobres nos países como os EUA, que nunca conheceram a nobreza e cujo valor de referência máximo parece ser o dinheiro?

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA: Mesmo que a riqueza seja um elemento em adquirir status social, estudos sociológicos recentes mostram que só ela não basta para alcançar a condição de classe alta na sociedade norte-americana.

Esse conceito de uma classe alta feita exclusivamente pela riqueza faz parte de um mito liberal generalizado na consciência popular a partir do século passado, por autores como o nobre francês Alexis de Tocqueville em sua obra, Democracia na América. Este mito tem sido refutado por estudos sociológicos recentes.

Esses sociólogos nos mostram que existe nos Estados Unidos uma sociedade não menos hierarquisada que a européia. Se bem que não existam os títulos de nobreza, a tradição familiar tanto na Europa como nos Estados Unidos, tem um papel predominante no obter o status de classe alta.

Na falta de títulos nobiliárquicos, as famílias mais antigas das várias cidades e Estados são designadas com outras expressões que valorizem a tradição e a continuidade. Encontramos, por exemplo, os Proper San Franciscans, os Genteel Charlestonians, as First Families of Virginia, os California Dons (expressão que designa as famílias descendentes da antiga aristocracia espanhola), etc. Muitas destas famílias ainda conservam suas mansões ancestrais.

As conclusões são invariavelmente as mesmas: os Estados Unidos não são guiados pelas massas, mas sim pelas elites, novas e tradicionais. Estas são organizadas em associações hereditárias que imprimem seu caráter aos setores mais refinados da classe alta.

O público não conhece bem a existência destas entidades, pois muitas evitam os refletores da publicidade. Ademais, não aceitam em seu seio a não ser membros de determinados meios sociais, precisamente para diferenciarem-se num sentido anti-igualitário.

As famílias de novos ricos que, após várias gerações, conseguem ingressar nessas entidades, têm que prestar homenagem prévia à tradição renunciando à ostentação presuntuosa de sua riqueza face a aristocratas às vezes empobrecidos.

A mais importante delas é a Society of Cincinnati.

Seus membros devem descender de oficiais norte-americanos, como também de franceses que lutaram pelo menos durante três anos na Guerra da Independência ou até o final dela. Sem embargo, em muitos Estados, somente um membro de cada família qualificada pode pertencer à dita associação. Foi ela constituída em 1783. Deu-se-lhe este nome em honra do ilustre romano Quinctius Cincinnatus, que abandonou sua lavoura para liderar o exército. O rei Luis XVI em pessoa foi escolhido como protetor da associação e seus membros queriam estabelecer uma nobreza militar no país.

Em vista disto, pode-se afirmar que todos estes grupos hereditários formam, na alta sociedade americana, uma elite análoga à da nobreza titulada da Europa.

Aperçu: Essas "elites tradicionais análogas", quem são elas segundo o Sr., na França de hoje?

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA: A delimitação das várias classes em uma sociedade constitui sempre matéria delicada, e sujeita a numerosas contestações. No que diz respeito ao Ancien Régime, e especificamente ao Ancien Régime francês, o público em geral tem a impressão de que as classes sociais – Clero-Nobreza-Povo – se distinguiam uma da outra com a nitidez das delimitações fronteiriças entre nações, na Europa e nas três Américas. É um engano. Antes de tudo é preciso ponderar que a nobreza estava longe de ser um corpo absolutamente homogêneo. Havia várias modalidades de nobreza: a noblesse d'épée, noblesse de robe, e ainda várias, a terminar talvez pela nobreza de campanário. Há historiadores que chegam a falar em mais de cinco "camadas" de nobreza na França. E, mesmo assim, as delimitações entre essas várias "camadas" eram muitas vezes imprecisas. De mais a mais, era fácil que uma família passasse de uma camada para outra. Bastava para isto um decreto régio, promovendo uma família da condição plebéia para a nobreza, ou uma decisão do rei ou da justiça, rebaixando alguém da condição de nobre para a de plebeu. Assim acontecia, por exemplo, pela prática de algum crime, especialmente crime contra o Estado, como alta traição.

Numa sociedade, como a contemporânea na qual os princípios igualitários – "liberté, égalité, fraternité" – contribuíram para plasmar a própria estrutura estatal, e com ela a estrutura social, essa delimitação se tornou ainda mais difícil.

Em todo caso tento dar alguma noção sobre o assunto. Constituem elites de um povo os elementos – indivíduos ou famílias – que têm nas suas mãos as forças motrizes do Estado e da sociedade. Numa democracia, as elites são portanto essencialmente movediças. E é muito difícil a uma família assegurar sua própria duração por um tempo suficiente com que ela possa qualificar de tradicional.

Nossa sociedade quis ser uma sociedade aberta, à maneira de um curso de água com profundidade suficiente para receber sem inconvenientes todos os cursos de águas menores que se despejem nele ao longo de sua trajetória. O que ela quiser, nossa sociedade de fato o é. Ela parece um curso d'água que recebe indiscriminadamente todas as águas que nela se despejem. Mas esta indiscriminação avoluma tão abundantemente as massas líquidas, cristalinas ou poluídas, que daí decorrem transbordamentos, inundações e inconvenientes de várias outras naturezas. O "arrivismo" então triunfa. Triunfa também uma certa concepção oportunística da IGUALDADE. O dinheiro estabelece sua ditadura, ora servindo-se da politicagem, ora servindo-a.

Tudo isto forma um conjunto de circunstâncias que, somadas à terrível corrupção dos costumes (vigorosamente servida por certa concepção de LIBERDADE) produz como resultado global uma agitação competitiva em todas as esferas, desde os menores municípios, até a nação inteira. E não a FRATERNIDADE laica e inconsistente com que os sonhadores de 1789 quiseram substituir a caridade cristã.

O tradicional desejo dos bons filhos, que aspiram a ser continuadores de seus bons pais, e os elos mais recentes de uma concatenação tanto mais forte quanto mais antiga, tudo isto desapareceu, com o estado agônico das tradições.

Em meio a toda essa confusa e poluída neblina, as elites novas e antigas conseguem entretanto constituir-se para "percer" (varar) os obstáculos que as envolviam.

O fenômeno é mais frequente do que o grosso da mídia moderna procura fazer crer.

Em meu recente livro "Nobreza e elites tradicionais análogas, nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana", na edição norte-americana (Hamilton Press), encontra-se um Apêndice denso de informações e análises, sobre as elites tradicionais nos EUA. Nesse país, cuja importância no mundo contemporâneo é impossível negar, eis alguns dados que esse apêndice apresenta:

- Os Estados Unidos não são guiados pelas massas mas sim pelas elites, novas e tradicionais;

- As elites tradicionais nos Estados Unidos de hoje são uma realidade viva, sã e pujante;

- As estirpes: talvez nenhum outro critério, nem sequer a fortuna, é tão importante no momento de determinar um status social;

- Acontecimentos da vida da classe alta norte-americana: os bailes anuais de debutantes;

- A organização das elites tradicionais hoje;

- As associações hereditárias nos Estados Unidos;

- As rigorosas condições de admissão dos novos ricos na alta sociedade etc.

Quais são essas elites na França de hoje? Como distingui-las uma das outras? Certamente nota-se que tais elites existem. Mas, as leis e os costumes em vigor fizeram todo o possível para impedir que elas se diferenciassem claramente aos olhos da nação. De sorte que é quase impossível apresentar uma lista de famílias constitutivas da elite francesa, como aliás de quase todos os povos modernos.

Se diferencia disto a nobreza. Eis o que me cabe dizer a respeito desta sua pergunta.

Aperçu: Aqui, como o Sr. sabe, está na moda fazer referência elogiosa ao "populismo" como salvação. Ou seja, que a crise da sociedade de hoje vem de uma importância demasiada dada às elites e que a solução está numa re-valorização do povinho miúdo, de uma maior atenção dada às aspirações do homem da rua etc... O que o Sr. acha disso?

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA: Certamente a atenção para com os direitos da massa humana que se qualifica de "povinho da rua" está na missão do Estado e da sociedade. E figura, mesmo, entre as obrigações de primeira linha de um e de outra.

Entretanto, sua pergunta reflete uma posição estritamente igualitária, que considera em tal grau os direitos do "povinho", daquilo que na linguagem saborosa da Idade Média se qualificava como "le menu peuple de Dieu", e que hoje é a massa, e não deixa lugar para nenhuma outra classe. Ora, a existência de elites constitui um fator que, só ele, atende a muitas das necessidades legítimas e fundamentais do povo. E note que eu digo "povo" e não "massa". Tendo em vista os conceitos de "povo" e de "massa" como foram luminosamente expostos pelo Papa Pio XII, se compreende espontaneamente e sem maior esforço qual o papel das elites:

"Povo e multidão amorfa ou, como se costuma dizer, massa, são dois conceitos diversos.

1. "O povo vive e move-se por vida própria; a massa é em si mesma inerte e não pode mover-se senão por um elemento extrínseco.

2. "O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais – na sua própria posição e do modo que lhe é próprio – é uma pessoa cônscia das suas próprias responsabilidades e das suas próprias convicções. A massa, pelo contrário, espera o impulso que lhe vem de fora, fácil joguete nas mãos de quem quer que lhe explore os instintos e as impressões, pronta a seguir, sucessivamente, hoje esta, amanhã aquela bandeira.

3. "Da exuberância de vida de um verdadeiro povo, a vida difunde-se abundante, rica, no Estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes, com vigor constantemente renovado, a consciência da sua própria responsabilidade, o verdadeiro sentido do bem comum. Da força elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, pode também servir-se o Estado; nas mãos ambiciosas de um só, ou de vários, que as tendências egoísticas tenham artificialmente coligado, o próprio Estado pode, com o apoio da massa reduzida a não ser mais do que uma simples máquina, impor o seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo. O interesse comum recebe daí um golpe grave e durável, e a ferida torna-se rapidamente muito difícil de ser curada".

Aperçu: Após a queda do Muro de Berlim, assistimos sucessivamente à desaparição do antigo regime comunista e, em grande número de lugares, pouco tempo depois, a uma volta dos comunistas pelas eleições. O Sr. acha que os antigos aparatchiks formam hoje uma elite nesses países? Na perspectiva de seu livro, qual é a solução para o caos se a única escolha é entre a massa do povo moldado por setenta anos de comunismo e, do outro, a antiga nomenklatura?

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA: Dentro dessa perspectiva não há solução. O caos é realmente o triste epílogo das várias evoluções pelas quais tem passado o mundo comunista. Aonde pode desfechar esse caos? Essa é uma outra pergunta, bem diferente. A história nos apresenta várias situações caóticas que acabam dando na liquidação dos próprios elementos componentes do caos, e na formação, a partir daí, de situações diversas, das quais algumas são brilhantes. Porém na sua grande maioria elas se apresentam apagadas, inexpressivas e melancólicas. São povos "sentados à beira da morte" segundo certo sentido dessa expressão.

Assim, sucedeu com o antigo Egito, a Grécia escravizada por Roma, a Índia anterior às navegações do Ocidente. E assim também com quase todos os povos do Oriente e da Ásia.

Constitui brilhante exemplo de uma saída em sentido oposto, o caos que se constituiu no território do antigo império romano do ocidente, com a invasão quase simultânea dos bárbaros e dos árabes. Resultou daí verdadeiramente um caos. Porém nem tudo era caos. Enquanto as autoridades do Império Romano abandonaram os seus postos e fugiram vergonhosamente com a aproximação dos bárbaros, pelo contrário as autoridades eclesiásticas permaneceram. E, com frequente risco de suas vidas, começaram a dar uma formação moral de primeira ordem àqueles povos bárbaros, mas que mais de uma vez trazia consigo alguns traços morais de inocência e de retidão dignos de nota.

A Igreja apoiou tudo quanto encontrou de positivo nesta moralidade primitiva dos bárbaros, combateu o que era censurável e que portanto constituía fator de caos, e, nesse amálgama em que a força regeneradora do Evangelho fizeram nascer a Idade Média, da qual, por sua vez, brotou a Civilização Cristã ocidental.

Evidentemente, há um engano em supor que o caos gerou por si mesmo tudo quanto há de positivo nos séculos que se seguiram à Idade Média. De fato, as massas bárbaras encontraram no território ex-romano, um fator incomparável de organização, orientação, estruturação cultural e social. Tratava-se do fermento do Evangelho capaz de dar vida a qualquer povo. Foi o valor moral do clero que gerou a Idade Média.

A isto poderíamos acrescentar que em todo o mundo soviético de hoje, quase não se nota presença desse fator. A Igreja greco-cismática, também chamada "Ortodoxa", não pode ser considerada pura e simplesmente uma continuadora válida da Igreja Católica, da qual é, pelo contrário, e sob muitos aspectos, uma opositora. Durante o período da dominação comunista, é notório que essa igreja – dominada pelas doutrinas "ortodoxas" césaro-papistas, que colocavam a organização eclesiástica sob a direção dos czares – o clero se julgou na obrigação de obedecer aos sucessivos Lenines comunistas, como obedecera anteriormente aos sucessivos czares. O que fez com que, em lugar de ser um fator de regeneração e de luta contra o comunismo, pelo contrário, ela se associou ao regime com o intuito de não perecer. Foi, pelo contrário, a disposição de cada sacerdote, de perecer, porém de não entregar o terreno à barbárie, que gerou a Idade Média.

Seja como for, a igreja greco-cismática não pode ser considerada como fator suficiente para a regeneração dos povos ex-soviéticos. De outro lado, a penetração da Igreja Católica nesses territórios é muito limitada por uma série de fatores, dos quais o Ocidente tem uma idéia apenas imprecisa. E, por fim, dos elementos católicos que penetram no mundo ex-soviético, um número apreciável vem quase sempre influenciado pelas doutrinas progressistas modernas, as quais procedem de um Ocidente onde a crise da Igreja Católica, toda ela de origem progressista, produz os distúrbios que todos conhecemos e deploramos. De nenhum modo parece que o clero desse matiz seja capaz também de alguma ação reestruturadora. De onde, então, esperar uma solução? De alguns elementos bem intencionados, e especialmente abençoados por Deus? Certamente eles, e só eles poderão, com o apoio de Roma, soerguer os restos do "colosso" comunista que jazem por terra. Mas, existem esses elementos no mundo ex-soviético? Creio que sim. Mas tão pouco numerosos que é preciso procurá-los com lupa; orar por eles e coadjuvá-los em toda a medida do possível.


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