Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Elites Rurais na formação do Brasil

 

 

“Informativo Rural”, junho de 1994

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Informativo Rural entrevista Plinio Corrêa de Oliveira

IR – Dr. Plinio, seu recente livro sobre a Nobreza e Elites análogas tem aplicação à classe rural brasileira?

PCO – Sim, certamente. Em meu livro abordo o papel da nobreza e das elites para as sociedades em geral, e portanto também para o Brasil. Além disso, julguei necessário acrescentar-lhe um apêndice em que trato especialmente do papel das elites brasileiras na formação da nacionalidade. E dentre essas elites, a que teve papel mais saliente e decisivo, de Norte a Sul do País, foi sem dúvida a elite rural, ou seja a classe dos fazendeiros. Historicamente essa classe viveu numa grande harmonia e num entrelaçamento de interesses notável com os trabalhadores manuais.

IR – Como o Sr. explica que a figura do fazendeiro seja hoje tão desconsiderada?

PCO – A um observador, ainda que de perspicácia apenas mediana, não pode passar despercebida a atmosfera de caos em que vêm sendo tratados vários dos aspectos da atual crise brasileira.

Em meio a essa confusão, porém, há uma nota que merece atenção muito particular. É a freqüência com que aflora um preconceito passional que – segundo uma expressão colhida em má escola – se poderia chamar um verdadeiro "complexo" contra o proprietário rural e contra o mesmo direito de propriedade.

Com efeito, o papel da propriedade rural, grande e média, no conjunto da economia nacional, é focalizado, cada vez mais freqüentemente, como o de um privilégio pessoal em oposição permanente aos interesses dos trabalhadores manuais e do País. De onde não se falar o mais das vezes do latifúndio senão para estudar ou propor meios de cerceá-lo, ou até o suprimir. Origina-se assim, em muitos espíritos, o desejo mais ou menos consciente de aboli-lo. E daí para o socialismo – por vezes em suas formas mais exacerbadas – não vai senão um passo: o passo fácil, rápido e resvaladio que se dá ao passar das premissas erradas para a falsa conclusão.

IR – Como nasceu a elite rural no Brasil?

PCO – Nascida espontaneamente das profundezas da ordem natural das coisas, a propriedade agrícola deu origem entre nós a uma elite social que foi, de início, composta de desbravadores valentes e dinâmicos, a que sucederam gerações de agricultores fixados em suas glebas e postos em luta constante com a natureza bravia do sertão. Aos poucos foram se estabelecendo modos de trabalho, sistemas de plantio e a rotina judiciosa e eficiente das atividades rurais.

Depois, o agricultor passou a tomar mais contato com a cultura do Velho Mundo. Da tradição luso-brasileira, marcada a fundo pela influência cristã, herdara ele valores de alma inestimáveis, que cumpria polir e acrescer no convívio com a cultura dos centros urbanos do Brasil e do Exterior.

Sem perder suas raízes na terra, essa elite crescia assim gradualmente em instrução, cultura e distinção de maneiras. Por esta forma ela se capacitava para – fiel embora a seu cunho agrícola – fornecer à Nação grande número de intelectuais, de comerciantes, de industriais, de estadistas, de homens e de damas de sociedade, que tanto valor e tanto realce deram a nossa vida política, cultural e social.

A família cristã, oriunda do Sacramento do Matrimônio, abençoada por Deus e reconhecida pelo Estado era o esteio de toda essa ordem de coisas. Nela o homem vivia, prosperava e acumulava riquezas, espirituais e materiais, e no qual, por fim, exalava o último suspiro implorando a misericórdia de Deus.

IR – O trabalhador rural ficava à margem dessa elite?

PCO – O proprietário legítimo e benemérito, ao promover seu bem estar, conscientemente favorecia, por uma profunda e natural entrosagem de interesses, o bem estar dos trabalhadores.

Este entrosamento vivo entre o interesse do patrão e o do trabalhador, entre o progresso da iniciativa privada e o de toda a Nação, era especialmente palpável no processo de conservação e renovação da elite. Punha esta todo empenho em se manter e progredir, mas não impedia que em suas fileiras certos elementos, que se houvessem desgastado e corrompido, decaissem, desaparecendo rápida ou paulatinamente num merecido anonimato. De outro lado, elementos novos e estuantes de vitalidade saiam das fileiras dos assalariados para terem acesso à condição de proprietários pequenos, médios e grandes. Com isto se lhes abria caminho para a promoção cultural e social.

Esta possibilidade de ascensão do trabalhador rural empreendedor e dinâmico à condição de proprietário, contribuiu em larga medida para preparar dois fatos dos mais marcantes em nossa história econômica. Primeiro, o loteamento de zonas novas. Depois, e paralelamente, o fracionamento orgânico e espontâneo de grandes propriedades em zonas já antigas e densamente povoadas, onde as conveniências do tipo de cultura e as partilhas por via de sucessão hereditária contribuíram para essa transformação.

IR – Seu livro fala sobre a existência dessas elites rurais hoje em dia?

PCO – Mostro em meu estudo que, a partir da revolução getulista de 1930, inaugurou-se no Brasil uma república populista, que diminuiu ponderavelmente a opulência e o poder da classe rural.

IR – Que possibilidades tem hoje a classe dos fazendeiros de reerguer-se à altura de uma autêntica elite? O que deveria ela fazer nesse sentido?

PCO – Essa classe se compõe de dois elementos distintos: fragmentos ainda opulentos e prestigiosos da antiga aristocracia rural e o que denomino na minha obra de "elites análogas", formada na maior parte dos casos por famílias de antigos trabalhadores manuais provenientes das zonas emigratórias que se foram introduzindo no País. Estes últimos, mediante um trabalho diligente e infatigável, constituíram também uma classe agrícola que se escalonava gradualmente desde a condição de simples trabalhador manual até os magnatas da agricultura, pitorescamente alcunhados pelo povo de "reis": "rei do café", "rei do tabaco" ou "da cana", mais recentemente "rei da soja" e assim por diante.

Entre os descendentes da velha aristocracia rural e as linhagens dos novos magnatas, alguns ainda aumentaram os respectivos haveres. Outros – a maioria – sofreram diminuições ocasionadas às vezes por infortúnios da vida agrícola, e outras pelas partilhas hereditárias.

As famílias de todas as categorias sociais ainda eram muito prolíficas, pois o flagelo das limitações artificiais da natalidade iam apenas aparecendo no horizonte.

Para evitar o minguamento dos patrimônios, não havia a "solução" de evitar a concepção dos filhos, ou a de matar os já concebidos. Era preciso desbravar valentemente as terras incultas, pôr em recuo, com espírito "bandeirante", as orlas de nossas fronteiras agrícolas, criar indústrias, incrementar o comércio exterior e interior, construir novas cidades, trabalhar, trabalhar, trabalhar.

A uns, essa ofensiva da produção parecia uma aventura estimulante e até atraente. Entregavam-se a ela, e se conservavam assim na crista da riqueza, como da importância social. A outros ela parecia bem pouco cômoda, insegura e até arriscada. A solução era economizar, capitalizar e capitalizar, para se conservar no mesmo estágio, se possível. E, se não fosse possível, resignar-se então à decadência econômica e social.

Até aqui, tenho considerado apenas a ascensão ou o deperecimento das classes sociais do ponto de vista da economia. O homem, entretanto, não é só estômago. Ele é também, e principalmente, cabeça e coração.

Para que uma elite surja, tome consistência, se depure e chegue a destilar verdadeiros valores espirituais e intelectuais, a economia está longe de ser o único fator. É preciso adquirir uma cristã elevação de espírito, uma bela e expressiva nobreza de maneiras, um verdadeiro sentimento de honra, uma finura de cultura e de trato social que suscitem nos outros respeito e atração.

Para conservação e aquisição de todos esses valores ao longo das décadas que se sucedem, quando não dos séculos que lentamente se escoem, são necessários muitos outros fatores. Só assim é que, o que chamo em meu livro de aristocracias brasileiras e "elites análogas", se constituem, duram e chegam a liderar digna e eficientemente um país.

Mas tudo isto constitui uma temática bem distinta da que interessa ao excelente "Informativo Rural". Deixo-a, pois, de lado, nesta resposta.


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